Para tudo e vai tomar um sorvete

Jo Melo
ShutDiaries

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Eu não gosto de sair sozinha. Fico em pânico a partir do momento em que preciso atravessar a rua, prestar atenção no meu filho que está ao meu lado, e olhar as pessoas ao redor. Eu não entendia o porquê de sempre gostar de sair com alguém do meu lado. Hoje sei: são muitos estímulos para lidar ao mesmo tempo.

Sempre fico mais alerta com meu filho, e também fico alerta sem ele, mas não da mesma maneira. Quando estou com alguém, fico mais tranquila, como se essa pessoa fosse meu conforto. Sei que, caso eu passe mal, caia, ou aconteça qualquer coisa comigo, tenho quem me socorra. Não é à toa que, quando esse acidente com meu braço ocorreu, foi por um simples tropeço. Eu tropeço bastante justamente por causa da minha falta de noção de espaço ou de muita interação ao mesmo tempo, o que acaba me desorientando.

É muito difícil eu sair sozinha. Quando saio, levo todo um aparato de coisas que vou precisar, como um fidget toy, minha água com gás, e sempre ouço música, pois isso também me acalma bastante.

As pessoas dizem que é preciso curtir a própria companhia, estar bem consigo mesma, sair sozinha, e eu concordo que precisamos de tempo com nós mesmos. Mas, no caso de pessoas como eu, neurodivergentes, sair na rua sozinha pode ser assustador.

Por isso, eu não me cobro. Sempre gosto de sair com as pessoas. Se preciso fazer algo sozinha, eu vou; se tenho vontade de sair para tomar sorvete, eu vou também, mas vou perto, em um lugar que conheço e onde me sinto segura. Está tudo bem não ser igual a todo mundo. Às vezes, a gente só precisa chupar um sorvete.

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Jo Melo
ShutDiaries

Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita e premiada na Suíça. Escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. @jomelo.escritora. Aqui tem textos desde 2016.