Foto do meu aniversário de 7 anos. Eu sou a de laranja.

Quem é ela pra pensar que é autista?

Jo Melo
jomelo
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2 min read4 days ago

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Uma crônica sobre mim

Desde o diagnóstico (na verdade, bem antes), eu já me perguntava: Realmente sou autista? Sempre tive uma visão bastante estereotipada do diagnóstico, e isso é algo que sempre me incomodou.

Mesmo ao receber o laudo de dois psiquiatras – sim – a dúvida paira na minha mente sempre que possível. Como no meme, a ecolalia mental frutuca minha mente: "Rapaz, mas tá certo isso?"

É tão doloroso, mesmo confirmado, ainda me sentir tão deslocada desse mundo que sempre fiz parte, mas que tô redescobrindo agora.

Às vezes penso em tocar o f0da-se, mas não é tão fácil. É como se eu estivesse no meio de milhares de pessoas e ouvisse seus sussurros: "Olha ela querendo atenção, logo ela que sempre bateu no peito que é independente". Eu sei que é a autossabotagem me influenciando a falhar mais um dia, e isso dói.

Às vezes penso se eu deveria performar uma pessoa autista estereotipada para merecer estar naquela fila preferencial, ou quando falo da minha sensibilidade sensorial, penso se alguém está me julgando: "Olha lá ela de novo com essa história de autismo, se fosse autista seria..." (complete aqui com uma palavra capacitista).

Existe o masking que carrego todos os dias e o masking de que eu preciso "agir como autista", para que minha condição seja aceita entre as pessoas. Mesmo que tudo não passe de um espectro.

Daí a dúvida chega: será mesmo que tô soltando meus movimentos repetitivos ou apenas tentando me colocar nesse lugar?

Várias pessoas que diziam me admirar deixaram de seguir após eu abrir sobre o diagnóstico, outras, simplesmente não interagem mais. O que elas têm a ver com a minha vida? Nada. É só um fato compartilhado que reflete a falta de informação.

De novo, serei eu uma autista? Realmente mesmo?

E tento justificar as minhas próprias ações ao diagnóstico que me acompanha desde criança.

Desculpa se eu não pareço com a sua filha, o seu filho; primeiro que eles são crianças, depois que autismo é um espectro. Não quero que vocês sintam que eu tô brincando de sentir e ser do jeito que sou, só porque as pessoas têm informações agora. Não é a minha intenção.

Performar ou não, eis a questão. O masking duplo me cerca e fere. E eu passo a me sentir presa num laudo que deveria me libertar, vivendo um teatro de uma vida dupla que deveria ter parado há muito tempo. Quem eu devo ser agora?

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Jo Melo
jomelo
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Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita, premiada na Suíça, escrevi 7 livros. Aqui, escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. Veja + em @jomelo.escritora