Sobre não se encaixar numa sociedade típica: mulheres neurodiversas

Jo Melo
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Desde criança me sentia diferente. Eu era aquela menina boba, nerd, a que sofria bullying por ser estranha, a que ficava sozinha na hora do recreio, a certinha que era chata, a que era escolhida por último na hora de formar os times nas aulas de educação física, mas a cdf que só era lembrada na hora de fazer trabalhos.

Na adolescência tudo começou a melhorar, aprendi como ser igual aos meus colegas, entendi que ser “Maria vai com as outras” me renderia algumas amizades, mas o espírito “estudiosa” nunca saiu de mim. Quando se é criada num lar onde falar com um garoto é ser xingada de vagabunda, sua cabeça fica confusa sobre ser igual ou diferente dos outros, mas ainda sim segui.

Passei por 3 anos de terapia, a maternidade, meus problemas de relacionamento e o meu trabalho eram as principais pautas. Mas antes da terapia eu desenvolvi ansiedade e pânico, trabalhava demais e ser mãe, ter passado por um casamento que me trouxe mais dor de cabeça que alegrias e um trabalho que abriu a caixa de Pandora da minha vida, me fez ser diferente, é como se tudo o que eu guardei durante anos viesse a tona. Eu tinha crises toda semana. TODA. Mas com a terapia passei a identificar meus gatilhos e lidar melhor com eles ao ponto de me controlar.

Mas essa é só uma parte da minha vida, os pontos principais para você entender esse texto.

Autismo

Não faz muito tempo li um relato de um amigo no Facebook sobre ter recebido depois de adulto o diagnóstico de Síndrome de Asperger (autismo/TEA) e à medida que lia seu texto é como se fizesse um check em cada um dos sintomas que ele descreveu. É como se ele tivesse escrito a história da minha vida. Então, passei a estudar mais sobre autismo, devorei tudo o que vi, fiz testes, entrei em grupos, conversei com pessoas na mesma situação que a minha e me deparei com o neurosexismo.

Não vou entrar em detalhes, mas o significado da palavra Neuro (sistema nervoso, nervos), sexismo (discriminação de gênero) já te dá um norte sobre seu significado e, a partir dessa definição, você já deve ter se ligado que sim, existe machismo até quando o assunto é estudo da mente!

Muitos estudos estão fazendo cair por terra toda a ideia de que existe diferença no cérebro feminino e masculino e falando francamente a única coisa diferente é a tal socialização!

Desde quando dizem para nossos pais que temos vagina ou pênis já começamos a sofrer a tal socialização. Fazem nosso enxoval todo rosa, nos compram bonecas, furam nossas orelhas, vestem a gente com lacinhos e nos ensinam que sentar de perna aberta, gritar, correr, chorar alto e se expressar não são coisas de menina.

Já nos dão uma boneca e nos ensinam a ser mães, já plantam a sementinha de que quando nossos sentimentos são expressados é porque somos histéricas e loucas. Nos chamam de carentes, nos colocam num pedestal onde somos rodeadas de batons, maquiagem, fórmulas para emagrecimento e profissões onde, aparentemente, tem mais a ver com a nossa “baixa inteligência”.

Quando entrei em contato com mulheres neurodiversas, li relatos de que muitas delas tiveram dificuldade em ser diagnosticadas com autismo. Os CID’s eram sempre relacionados à bipolaridade, borderline, ansiedade e depressão, isso porque toda a nossa vivência foi baseada em esconder sentimentos, em nos adaptar, em fazer com que a gente imite outras pessoas pra se sentir no meio, pra fazer parte e mascararmos nossos sintomas e tudo isso dificulta o diagnóstico, já que o estudo sobre autismo foi fundamentado apenas em homens e, bom, e não é a toa que eles recebem mais o diagnóstico que nós mulheres.

TDAH

Outro assunto também que diz respeito a este texto é o TDAH (transtorno de deficit de atenção e hiperatividade). Por incrível que pareça, pessoas adultas são diagnosticadas tardiamente com o TDAH. Lendo, estudando e me inteirando com o assunto, me identifiquei demais com o TDAH, aliás, muitas mulheres que chegam em consultórios com suspeita de autismo, são diagnosticadas com TDAH, o motivo, a gente já sabe.

Mas voltando aqui. Quando crianças, pessoas com TDAH são vistas como as que vivem no mundo da lua, não param quietas na cadeira, são chamadas de lerdas, “retardadas”, são crianças que crescem ouvindo que não são tão importantes e que suas diferenças só atrapalham — os outros — .

Como disse, esses dois diagnósticos podem ser confundidos e podem também se complementar, mas a ideia aqui é mostrar que nós, mulheres neurodiversas temos muito o que acrescentar.

Nós fomos as estranhas, mas também fomos as “inteligentes” e, ao mesmo tempo que nos colocam lá em cima, derrubam na mesma velocidade.

Mulheres neurodiversas

Depois que passei a fazer parte de grupos de mulheres neurodiversas, senti finalmente que faço parte de algo, que minhas neuras são são vistas como frescuras, pelo contrário, são comuns entre elas.

Que os meus medos, manias, que a minha falta de atenção e de memória, que o fato de eu não conseguir me relacionar também faz parte do dia a dia delas, que as minhas crises, que as minhas piadas são entendidas por elas. Eu não sou chamada de arrogante, de grossa, de insensível e sem coração por elas, pelo contrário, elas me entendem porque também são assim. Que o fato de eu ser esquisita é legal porque todas nós somos um pouco e rimos disso.

Sabe como é a vida toda você querer ser parte e buscar entender o que passava contigo ser, do nada, sanado por pessoas que são iguais a você? É maravilhoso!

E, enquanto alguns riem dos nossos jeitos, também admiram nossa inteligência, o nosso modo de ver a vida, os nossos “super poderes” e no fundo, querem ser iguais a nós: diversas.

Se você se identificou com este texto, busque ajuda. O profissional ideal para diagnóstico é uma neuropsicóloga ou psiquiatra.

*texto baseado em vivência pessoal sem laudo confirmado.

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Jo Melo
jomelo

Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita e premiada na Suíça. Escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. @jomelo.escritora. Aqui tem textos desde 2016.