Este artigo não é terapêutico

Terapia pra que?

Jailson Izidório
Jornal Coluna
Published in
8 min readDec 17, 2020

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O achismo tem sido uma das principais fontes de opiniões nos assuntos cotidianos, e até aí tudo bem. Mas quando esses achismos disseminam ideias erradas ou distorcidas sobre coisas importantes é preciso ponderar. A terapia divide opiniões, uma ciência tratada muitas vezes com desconfiança. Dada a seriedade, consultei uma profissional em formação para evitar ao maximo dizer algo improcedente, já que com este artigo pretendo apresentar mitos e verdades sobre o assunto.

Fiz mais uma pesquisa de campo pra escrever esse texto. Desta vez consultei 20 pessoas que nunca fizeram terapia e perguntei o seguinte:

O que você esperaria de uma sessão de terapia?

18 pessoas, que é o total de 90% dos consultados, disseram que de alguma forma esperam chegar na terapia, descarregar seus problemas e sair de lá mais leves. Uma espécie de SPA emocional onde entramos tensos e saímos relaxados, aliviados. No episódio 17 do programa da Laurinha Lero, a partir do minuto 04:48, é feita uma definição sobre a terapia que acho genial, ela diz:

Terapia é igual filme de fuga da prisão sabe, “um sonho de liberdade”, que os caras tem que cavar um túnel pra sair da cadeia, aí vai e usa uma colher pra cavar o túnel, dois ou três meses cavando o túnel com uma colher. Terapia é isso, uma hora você sai, mas até lá é você abrir o túnel do seu trauma com a colher da análise.

Ou seja, a terapia não promete ser uma experiência prazerosa. Não que não possa ser, mas é importante quebrar essa ideia de que terapia tem a missão de te fazer sair melhor do que entrou. A terapia serve para acessar partes de nós mesmos que não conhecemos, ou que escolhemos fingir que não conhecemos, isso pode ser incômodo ou até mesmo doloroso. Há pessoas que já saíram de uma sessão de terapia com a sensação de ter alcançado um estado de equilíbrio surreal, capaz de alterar a gravidade. Outras pessoas já fizeram do seu dia, após uma sessão de terapia, um dos mais traumáticos de sua vida. E isso em nenhuma hipótese pode desincentivar alguém a fazer terapia. Quando você está com dores intensas, repetitivas e frequentes, procura um médico. Você quer descobrir o que tem pra resolver o quanto antes. Não se deixa de ir ao médico por medo do diagnóstico. Com a saúde emocional deveria ser assim também. Mas por que em geral a psicologia é tratada com menos seriedade que a medicina? Há pelo menos dois fatores.

JOVEM E IMPALPÁVEL

Há de ser levado em consideração que a psicologia é uma ciência jovem, com seu primeiro laboratório psicológico fundado em 1879 pelo fisiólogo alemão Wilhelm Wundt. Logo, em relação a medicina, ainda há um longo caminho a ser trilhado. A medicina, quando já era bem mais velha do que a atual psicologia, usava a chamada “sangria” para tratar de várias doenças. Acreditavam que o corpo tinha quatro fluidos (sangue, fleuma, bile amarela e negra), e para equilibrar a quantidade dos fluidos era necessário fazer cortes nas pessoas e sangra-las. Com isso, é razoável pensar que a psicologia está atingindo níveis de compreensão da psique humana ao longo de décadas, mas ainda é uma área da ciência caminhando, ainda que a passos largos, para identificar e resolver os problemas psicológicos. Porém, acredito que esse não seja o motivo principal da psicologia ser tratada com tanto ceticismo. O motivo mais relevante é a natureza dos problemas psicológicos. Problemas emocionais são muito mais complexos, já que dificilmente se descobre a origem do problema com uma bateria de exames. Geralmente são causados por uma fusão de fatores como:

  • Genética
  • Eventos traumáticos
  • Ambiente de convivência
  • Criação
  • Desregulação hormonal
  • Medicação inadequada

É realmente difícil definir os fatores que originam esses problemas, já que na lista acima ainda poderiam ser usadas outras inúmeras possibilidades. É importantíssimo pontuar que problemas emocionais muitas vezes envolvem fatores biológicos, o que traz a tona a necessidade de dois profissionais diferentes, o psicólogo e o psiquiatra. O psiquiatra é o cara que faz medicina e se especializa na área psíquica. O psicólogo é quem se forma em psicologia, o foco deste artigo, por ser o profissional da terapia. Diferenciar os dois é importante para entender como a terapia funciona, para isso, vou listar algumas coisas que um terapeuta não faz — ou pelo menos não deveria fazer.

O QUE NÃO TEM NA TERAPIA

Um psicólogo segue um código que ética que não o permite fazer algumas coisas, então na terapia não vai rolar — ou não deveria — as seguintes coisas:

  1. Te dizer o que deve ou não deve fazer. A terapia serve para ajudar o paciente a decidir por si só o que é melhor, isso é feito através de questionamentos, insights, conversas onde são usadas técnicas profissionais para que se alcance o objetivo.

2. Te passar alguma medicação. Essa é a função do psiquiatra, que analisa o problema de forma biológica e entende quais medicamentos vão ser úteis para o paciente.

3. Te recomendar coisas contra suas crenças e valores. Um bom terapeuta é capaz de entender suas crenças e valores e direcionar o tratamento sem violar tais coisas, mesmo que na vida pessoal não concorde com seus princípios.

4. Criar relações extra profissionais, principalmente românticas. Um dos pilares da terapia é a relação estritamente profissional. O sigilo total quanto as informações do paciente que foram passadas de maneira confidencial.

5. Não tem divã

Essas e outras normas fazem com que a terapia seja um processo saudável e que alcance resultados o mais breve possível. Se o psicólogo fizer a parte dele, estamos mais perto de entender nossos meandros da mente, mas temos que fazer nossa parte.

TERAPIA HOJE. TERAPIA AMANHÃ. TERAPIA PRA SEMPRE?

A velocidade e qualidade do tratamento depende muitas coisas, como o tipo de problema, há quanto tempo sofre com ele, a gravidade do problema e afins. Outro fator importante é que tratamentos psicológicos podem ter abordagens diferentes. A psicologia pode ter como abordagem a psicanálise, o humanismo, psicologia comportamental (behaviorismo) ou terapia cognitivo-comportamental. Encontrar o profissional com a técnica mais precisa para o seu problema influencia diretamente no resultado. Não há como definir ou prever um prazo para o fim do tratamento. O que pode acelerar muito a conclusão é o paciente. É necessário engajamento, boa relação com o profissional, fazer leituras e atividades recomendadas. Já que a terapia tem como objetivo ajudar o paciente a decidir por si só os melhores rumos pra sua vida, a maneira como ele encara o tratamento é fundamental. Isso seria mais fácil se não houvesse uma redoma negativa em volta da terapia ou tratamentos psicológicos. Existe o conceito errôneo de que isso é coisa de gente maluca ou fraca. Além disso há a ideia de que existem outras maneiras de resolver esses problemas. E com isso adiamos o tratamento profissional deles tentando alternativas como hobbies, exercícios, medicina alternativa, religião, jogos, compras, jardinagem, música, testes do buzzfeed e muitas outras coisas que dizemos ser terapêuticas, pra esquivar da coisa mais terapêutica do mundo, a terapia. Naturalmente, coisas que dão prazer são úteis para manutenção do bem estar do indivíduo. Porém, em MUITOS casos, coisas comuns como ansiedade, ficar deprimido, dificuldade para ter atenção ou foco, alteração de humor e outros podem ser doenças. E doenças são tratadas com profissionais. É preciso quebrar essa barreira, encarar doenças psicológicas e emocionais como coisas comuns, porque são. É impossível negar que a depressão já é encarada como a doença do século. E ela é apenas uma das muitas outras doenças que existem silenciosamente nas pessoas a nossa volta. É preciso abrir o caminho pra que elas se sintam seguras e dispostas a buscar ajuda, ajuda profissional. Para isso temos que fazer algumas coisas.

TERAPIA PRA QUEM?

No mundo ideal, a terapia deveria ser como a pediatria. Quando criança, levamos as crianças no pediatra preventivamente. Exames e análises para evitar possíveis doenças futuras. E esse procedimento segue — ou deveria seguir — para o resto da vida. A terapia ser usada de maneira preventiva desde a infância deixaria o mundo absurdamente mais saudável, mas sei que esse passo é distante. O passo mais necessário está mais próximo, o de incentivar todas as pessoas que tem algum tipo de problema emocional a procurar ajuda profissional rapidamente, não esperar que desencadeie uma série de agravamentos. Problemas emocionais não resolvidos afetam diretamente nossos relacionamentos, trabalho e saúde física. Podem causar doenças psicossomáticas, que são doenças que afetam os órgãos do corpo, a lista é tão grande que caso queira saber mais detalhadamente clique aqui. É difícil dizer que uma pessoa não precisa de terapia, parece ser como dizer que não precise de médicos. Uns precisam mais, outros menos, mas a maioria de nós — pra não dizer todos — seríamos pessoas mais saudáveis se cedêssemos parte de nosso tempo para cuidar de nossa saúde mental/emocional com um profissional. Mas tudo que é profissional tem um preço, né?!

TERAPIA É SÓ PRA QUEM TEM GRANA

Um argumento que muito ouço, e que já usei bastante, é de que terapia é elitizada, pra quem tem dinheiro. Mas assim como um médico, há tratamentos particulares caros e menos acessíveis, mas também há alternativas mais baratas e até mesmo gratuitas. Em capitais e cidades grandes há a possibilidade de solicitar o “Cartão de todos”. Com ele é possível encontrar tratamento em várias áreas, inclusive a psicológica, com preços acessíveis. Na minha cidade, Uberlandia — MG, há várias clínicas que aceitam esse cartão, e a consulta nesses lugares custa R$ 28,00. Há também o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que faz parte do SUS, onde pode ser feito tratamento psicológico e psiquiátrico gratuito.

Há muitas alternativas. Independente da localidade, com uma boa pesquisa, é possível encontrar esses tratamentos mais acessíveis.

Como já dito, terapia não faz milagre, não podemos encara-la como a Rede Globo, que após ter um dos funcionários acusados de abusar moral e sexualmente de várias colegas de trabalho, recomendou que o abusador buscasse terapia, somente. Terapia não é clínica de reabilitação de pervertido, nesses casos são necessários outros métodos que ficam pra um próximo artigo. Terapia não é para buscar um nível perfeito de felicidade. É para ajudar a adquirir firmeza e paciência diante da dor, recalcular rotas e buscar as raizes de nossas frutas podres, para que possamos florecer, dar frutos, amadurecer e apodrecer na estação certa, entendendo nosso crescimento. Sem ajuda, podemos continuar repetindo pensamentos e sentimentos que nos matam, ainda que continuemos vivos. É preciso o conflito para gerar a mudança. Pais, cônjuges, namorados, amigos, hobbies, religião e prazeres, ainda que ajudem, não são os responsáveis pela sua saúde, você é. Depositar a esperanças nessas coisas pode se tornar um vício, válvula de escape, entardecendo a solução de seus problemas. Que possamos dar a terapia a oportunidade de nos fazer olhar pra dentro com menos medo e mais compreensão.

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Jailson Izidório
Jornal Coluna

Racional não praticante. Mestrado em ser mediano em muitas coisas.