Pavonismo social

Jailson Izidório
Jornal Coluna
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7 min readFeb 25, 2021
Montagens vão dizer que é inveja

Muitas coisas podem fazer de uma pessoa um imbecil. Se fosse listar coisas que tornam as pessoas imbecis, no topo da lista estariam aquelas que acham que não são. O primeiro passo para ser menos imbecil, ou com menos frequência, é entender que temos uma facilidade impressionante de ser imbecis. A cada dia que passa tem mais gente se levando a sério demais.

O psicólogo Geoffrey Miller chamou esse fenômeno de “sinalização de virtude”, como um “crossfiteiro da moral”, ao invés de exibir o corpo escultural, exibe sua alma perfeita e justa, sua opinião sensata e necessária para fazer do mundo um lugar melhor, culminando no atual pavonismo social — esse termo fui eu que inventei, bem mais legal que o nome que o tal de Geoffrey deu.

Mas o que significa ser um pavão social?

O pavão não gosta de outros animas por perto, indomesticável. Aclamado por sua beleza, principalmente quando abre sua cauda colorida como um leque. Mas a cauda do pavão não tem nenhuma utilidade prática alem de chamar atenção de outros da sua espécie. De maneira similar, um pavão social sente uma necessidade de mostrar sua opinião apenas para se destacar entre os seus, não pra tentar chegar a soluções práticas dos problemas.

Mas qual o problema de ser esse pavão no convívio social?

O pavão vai com os outros

As pessoas que entram nesse xadrez ético são jogadas de um lado para o outro, se descolam das pessoas reais em nome da sua moral superior. Mas poucos de fato fazem mudanças em busca de se tornarem pessoas melhores, a maioria apenas se adequa às novas regras do jogo.

Fingir que é moralmente superior é se colocar numa bolha que antagoniza o outro de maneira extrema e superficial. O bem contra o mal sem objetivo de que o mal deixe de ser mal, pelo contrário, desejando que ele sempre exista, para que seja possível exibir sua moral superior. Descobrir que está no erro e buscar melhoria é o fundamento para mudanças reais e assim, jogar o tabuleiro fora. Essa guerra da moral tem acontecido em inúmeras pautas importantes, então vamos exemplificar:

Vegetarianismo

Numa pesquisa rápida é possível descobrir os inúmeros malefícios da carne para quem a consome e pro meio ambiente, e isso não é novidade para a maioria das pessoas. Mas a lei da moral ainda entra mesmo em causas como essa.

O vegetariano geralmente se propõe a NUNCA comer carne e caso o faça uma única vez na presença de outras pessoas é muito provável que ele ouça um “mas você não é vegetariano?”. Aqui temos várias questões. Primeiramente, a pessoa dizer que nunca vai comer carne faz com que outras pessoas torçam para que ela falhe, como se isso a fizesse uma traidora de seus princípios. A causa importante se torna um medidor da moral, da sua integridade.

Por outro lado, o discurso de quem defende o vegetarianismo muitas vezes vem travestido de régua moral, já que muitas vezes a defesa usa de argumento que você, comedor de carne, tem que entender que é um assassino destruidor do planeta e odeia os animais. Quem para de comer carne é muito mais humano e responsável que você, alcançou uma pureza que você nunca conseguiria. Tá ligado?! Quando o discurso é introduzido nesse nível de seriedade, já nasce fadado a fracassar. Quem ouve se sente um monstro por comer carne e, por isso, entende que recebeu um ataque inimigo que precisa ser combatido, ou no mínimo ignorado.

O livro “ A arte de ter razão”, de Schopenhauer, defende uma tese interessantíssima: é muito fácil ganhar um debate sem ter razão se o outro lado usar um método de comunicação falho. Além disso, diz muito sobre como as pessoas debatem apenas na tentativa de sair por cima, não de chegar a uma solução. Pensando nisso, parece ser uma ferramenta muito mais útil apenas responder que evita o consumo de carne porque acredita que não faz bem, mas se um dia der vontade ou for a única coisa que tenha, ela come — mesmo que sinta que nunca vai ter essa vontade ou ceder a essa necessidade, mas diz isso para não radicalizar o discurso. A fala mostra a importância do tema, não demoniza o outro, abre espaço pro entendimento da causa, isso aumenta a possibilidade do carnivoro entender e querer aderir. Ou mesmo que não deixe de comer carne, reduza o consumo pela conscientização.

Essa linha de raciocinio se aplica a quase todas as pautas importantes que estão sendo discutidas socialmente em busca de melhorias. Mas essa vontade de mostrar que entendeu um dilema social antes de todo mundo e expor sua opinião pra cravar sua superioridade acontece até em temas idiotas. Eu sinceramente prefiro acreditar que as pessoas só debatem alguns assuntos pra gastar tempo à toa, se divertir ou por motivos de desemprego. Não é possível que haja realmente um interesse real em definir se é melhor frio ou calor, se uva passa no arroz é bom, se é biscoito ou bolacha, se determinado gênero musical é melhor que outro. Me dá uma tristeza ver esse tipo de assunto sendo debatido com tanta vontade na internet, pessoas na tentativa de sobrepor sua opinião a todo custo na certeza que isso dará à elas uma medalha de quem entendeu muito antes tudo aquilo que outros não conseguiram. Mesmo assim, pessoas que fazem isso não são monstros, até porque muitas vezes fazem inconscientemente. Há motivos para agir como agem, uma explicação lógica.

Ego ideal

No texto “Uma introdução ao narcisismo” escrito em 1914, Freud faz sua definição do aparelho psíquico, onde aparece pela primeira vez o “Ego ideal”. Segundo sua teoria, há uma divisão entre o ego — o que realmente somos, o conjunto de nossas ações — e o ego ideal — o que gostaríamos de ser e como gostaríamos que outros nos vissem.

Toda vez que nossas ações vão contra aquilo que gostaríamos de ser ou fazer, há desconforto. Temos um desejo intenso de fazer com que nossas ações reais sejam compatíveis com o que gostaríamos de fazer. Há um prazer psíquico ao alcançar este equilíbrio, uma recompensa narcísica, o biscoito da alma. Pensar “sou exatamente o que eu quero ser” conforta o ser humano, e por isso buscamos por essa compatibilidade entre o ego e o ego ideal.

Esta pode ser a força motivadora pras pessoas fazerem coisas que consideram boas, principalmente em público, já que a visão do outro tem tanta importância. Se o resultado da ação é algo benéfico, mesmo que o real motivo seja esse prazer egóico, a ação continua boa. O problema é quando essa vontade de fazer o bem começa a funcionar sobre uma lógica de grupo, onde todos compartilham de uma mesma verdade que se torna uma causa a ser defendida, e em nome das compensações narcísicas, as más consequências do meio usado para defendê-la são deliberadamente ignoradas. Quando se está dentro da engrenagem é difícil sair, porque é muito gostoso receber as recompensas.

Vemos que quando alguém aceita uma opinião oposta e começa a mudar ou quem não entendia começa a agir como lhe é pedido, ouvimos “agora tá fazendo certo né?! Agora é fácil”. Não há desejo real de restaurar ou unificar as coisas. Isso resulta em grupos com opiniões opostas se afastando cada vez mais, ambos em diferentes extremos. E nesse distanciamento de ideais, a grande massa de pessoas que não entende o assunto já nem quer mais entender.

Por isso, a bandeira que esse artigo levanta é:

NÃO SE LEVE A SÉRIO DEMAIS

Isso provavelmente fará com que as pessoas escutem e aceitem melhor o que você tem a dizer, e é o caminho mais curto para melhoria real.

Um amigo meu, Kalew, escreveu uma poesia no seu último livro — que está com os últimos exemplares a venda — em que diz:

Me esforçando pra ser soma

de virtudes sem vitrais

abstraio os ais

absorvo o mais:

platitude e resistência

do meu pai

suporte do Dane,

intelecto da Lai,

bondade do Bee,

ter de irmã a Yes Aunt,

sensatez do Jailson

e todas outras naus.

Bem, vimos aí que fui definido como alguém sensato. De todas as qualidades possíveis ele quis destacar essa. Porém, um ano e meio depois de ter escrito isso, passamos por uma situação entre alguns amigos em que fui extremamente insensato. Aí eu te pergunto, eu deixei de ser sensato? Será que já fui algum dia? Será que isso realmente importa?

Para mim, o segredo é não se importar demais com isso. Uma das piores decisões que já tomei na vida foi querer ser sensato, e fazer as pessoas comprarem essa ideia. Já me levei a sério demais e tentei apagar, principalmente da visão de outros, coisas que poderiam tirar o peso do que penso e digo. Até porque quando nos levamos a sério demais, as pessoas fazem o mesmo, a ponto de ficarem espantadas quando digo que estou assistindo um reality show ou se estou ouvindo um sertanejinho, e assim concluo que isso só acontece porque foi o que construí.

Escrevendo artigo de opinião parece contraditório dizer que não me levo a sério, que não busco mais ser tão sensato. É verdade que busco ao máximo escrever o que se aproxima do equilíbrio. A diferença é que sei que existe uma grande chance de estar errado. Como já comentei antes, sou só um jovem de 23 anos de intelecto duvidoso, o esperado é que eu realmente não tenha razão. Então esse artigo, mais do que para você que está lendo, é para mim mesmo. Na real eu tô sempre falando comigo, mas esse assunto em específico é um questionário interno. Que as respostas nos ajudem a ser menos pavões.

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Jailson Izidório
Jornal Coluna

Racional não praticante. Mestrado em ser mediano em muitas coisas.