Festival de Teatro de Curitiba: democratizador ou elitizador?

A dúvida vem da mercantilização da arte e da má distribuição do dinheiro proveniente da Lei Rouanet, segundo os artistas.

Jorlab
Jornal Comunicação
4 min readApr 25, 2016

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Peça “Travesties”, apresentada no Teatro Guaíra para o 19º Festival de Teatro de Curitiba (Foto: Gilson Camargo)

Reportagem: Heloise Auer |Edição: Moreno Valério

Desde 1991 grandes empresas privadas vêm patrocinando eventos culturais através da Lei Rouanet, que assegura a isenção de impostos a essas empresas. Em 2016, R$ 4,5 milhões, ou seja, 80% do orçamento total do Festival de Teatro de Curitiba vieram de patrocinadores, mais da metade deles viabilizados pela Lei Rouanet.

O Festival de Curitiba é reconhecido por promover a democratização teatral com a mostra Fringe, aberta a todos os grupos interessados em participar. “Mas na realidade, o buraco é bem mais embaixo” como afirma o ator e diretor Ricardo Phillipi. “Há muito tempo o Festival vem se beneficiando da marca que criou, com muito pouco benefício à classe artística.”, esclarece. Para Phillipi, existem vários ‘festivais’ dentro do festival, sendo os principais o Fringe e a Mostra Oficial. “Na Mostra Oficial há uma curadoria que paga para atores renomados se apresentarem em grande teatros, com grande produtores”, salienta. Ainda segundo o diretor, para se apresentar no Fringe é necessário que o produtor pague para participar. “Na teoria os artistas pagam para o Festival e tem o retorno na bilheteria, mas na prática esse modelo é uma furada porque a bilheteria é muito baixa”, esclarece. Tudo isso leva ao questionamento sobre a eficácia da distribuição do patrocínio promovido pela Lei Rouanet, que investe nos grandes nomes e deixa de fora a arte local. Sem apoio, o teatro experimental tem que se virar para custear sozinho suas apresentações.

Esse ano, o Teatro Guaíra, o maior complexo teatral do Paraná, resolveu agir a título de represália, ficando de fora do Festival. Segundo Ricardo Phillipi “Ano passado o produtor João Luíz Fiani assumiu o cargo de Secretário de Estado da Cultura. Fazendo parte, assim, da administração do Guaíra, creio que ele quis comprar briga porque viu que a empresa que organiza o Festival estava levando toda a fatia do bolo, enquanto a gente não leva nada”. O Jornal Comunicação entrou em contato com a assessoria de imprensa do Festival do Teatro, que preferiu não se pronunciar sobre o assunto.

Desde 2015 o número de peças apresentadas no Festival de Curitiba vêm diminuindo. O evento que já contou com mais de 450 peças e, hoje conta com apenas 340 atrações. Esse decréscimo é atribuído à crise econômica, que vem restringindo o investimento de patrocinadores no evento, diminuindo assim o orçamento.

A participação de peças internacionais é uma das estratégias adotadas pelos curadores do evento para driblar a crise e atrair o público. Público que vem se tornando cada vez mais elitizado, já que o ingresso para uma apresentação internacional custa no mínimo R$50,00.

No entanto, existem em Curitiba movimentos contra a elitização do teatro, como o Movimento dos Sem Ingresso. Ao perceber que muitas vezes os espetáculos eram apresentados com assentos sobrando, o Movimento começou a contatar os organizadores das peças e coletar cerca de dez ingressos por espetáculo. Então disponibilizam gratuitamente àqueles que não tem condições de custear o ingresso para uma peça. Apesar disso, existem ainda outras limitações, como tempo, condições de deslocamento ou acesso fácil aos teatros, que são decisivas para definir o tipo de público que usufrui do acesso a essa forma de cultura.

E não é só o público que perde, o prejuízo para a classe artística também é enorme. Os clubes que promovem eventos culturais são um exemplo. Segundo Márcia dos Santos, ex- coordenadora de eventos culturais do Clube Curitibano, “O Clube promove mostras de dança e exposições de arte na pinacoteca, em que os artistas ou grupos selecionados não pagam pra entrar, mas o lucro que se tem de bilheteria fica todo para o Clube”. Apesar de todo o gasto com a preparação dos bailarinos e figurino, as companhias de dança que se apresentam nessas mostras não são remuneradas e todo o peso do custo dos eventos acaba recaindo para os pais de alunos das escolas de dança.

Algumas vezes essa mercantilização faz, também, com que a seleção de obras acabe se orientando pelo viés comercial e não pelo artístico “Deixávamos de expor obras mais lúdicas, porque o público que visitava a pinacoteca do Clube não entendia e não comprava os quadros” afirma Márcia.

Apresentação de bailarinas da Cia de Dança do Clube Curitibano (Foto: Divulgação)

Apesar do cenário atual ser pessimista, é possível enxergar uma luz no fim do túnel. Um novo grupo assumiu a curadoria do Festival de Teatro de Curitiba em 2016, que é composto agora por especialistas como o ator Guilherme Weber e o diretor Márcio Abreu. Considerado mais experimental, o grupo está comprometido a dar nos próximos quatro anos cada vez mais espaço nos palcos para as pequenas descobertas e menos para as grandes estreias.

Acesse a galeria produzida pelo fotógrafo Vinícius Carvalho para ver mais.

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Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná.