Jongo: A verdadeira história do Povo Negro

Coletivo Nuvem Negra
JORNAL NUVEM NEGRA
Published in
3 min readMay 18, 2019

Fatinha do Jongo (Maria de Fátima da Silveira Santos) para a editoria Escrevivência do Jornal Nuvem Negra.

O Jongo de Pinheiral prima por sua originalidade e tradição. No período do Brasil Colônia, a maior fazenda de café do Vale do Paraíba Fluminense, Fazenda São José do Pinheiro, pertencente a família Breves, era localizada na cidade de Pinheiral. A fazenda escravizou mais de três mil negros trazidos de várias regiões da África. Mesmo depois de proibido o tráfico negreiro, a família Breves ainda continuou com a prática, desembarcando pessoas escravizadas em Marambaia ou em Angra dos Reis. Hoje, a base da população do Sul do Estado do Rio de Janeiro é negra. E o jongo de Pinheiral se manteve vivo desde a época da escravidão, sendo passado de geração em geração pelas famílias da cidade.

Ilustração: Bruna Souza

Nos anos oitenta, o Movimento Negro da região Sul Fluminense se tornou muito forte na luta pela cultura, direitos e cidadania dos negros, era uma luta dos mais velhos e também de jovens. Passamos a militar e reforçar a prática e exemplos de família, no sentido do que é ser negro nesta sociedade e os direitos enquanto cidadãos brasileiros que somos. Exemplos estes de minha Avó Maria Barbara Silveira, seguidos de minha mãe Constancia da Silveira e tias, ‘‘nos passando’’ que o es- tudo era fundamental em nossas vidas, não mediram sacrifícios para nos ver formadas e com uma profissão. Através da militância, entendemos ainda mais o valor da nossa história e tradições históricas do povo negro e a relíquia que tínhamos em Pinheiral, jongueiros de raiz, que se orgulhavam de dançar e preservar naturalmente esta prática.

Fizemos duas ações simultâneas no ano de 1985. Fundamos a União Jongueira e fomos para dentro das escolas falar de forma voluntária da importância da cultura Afro, em especial o jongo e trabalhar a autoestima das crianças negras. Aí não paramos mais, temos um grupo que está junto desde essa época, onde eu coordeno estes trabalhos há mais de 30 anos. Hoje, temos o Centro de Referência de Estudo Afro do Sul Fluminense — Jongo de Pinheiral (CREASF), onde trabalhamos a preservação da dança do jongo, a biblioteca Afro e a culinária Afro, através de ações junto às escolas da região, universidades, comunidades jongueiras, etc.

O nosso objetivo principal é a educação, pois entendemos que só por este caminho é que faremos a transformação de vida de nossas crianças, principalmente as negras, com a vivência e o conhecimento da nossa história e cultura. O jongo é um elemento enriquece- dor do nosso trabalho junto às escolas. A Lei 10.639 veio legitimar o que já fazíamos desde o final dos anos oitenta e continuamos fazendo.Tanto nas escolas quanto na casa de jongo, nosso ponto de cultura, trabalhamos a história desde que o Negro veio da África, passando por Palmares e a luta pela liberdade, fazendo um comparativo com os dias atuais. Falamos das comunidades jongueiras tradicionais e do jongo com seus elementos e magia, depois é que vamos para a prática da dança e a oficina de percussão. Para que a criança ou o jovem entenda que a dança do jongo foi, é e será sempre uma bandeira de luta do povo negro, para manter viva a memória de nossos ancestrais, nossa história de luta e nossas tradições.

Modjumbá axé!
(Aquele que é nossa força nos abençoe)

* Maria de Fátima da Silveira Santos, a Fatinha
do Jongo, é professora, graduada em Educação
Física. Griô, ativista e jongueira da Comunidade
Jongueira de Pinheiral/RJ-Brasil.

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