A sobrevivência de trabalhadores LGBTI+ no mercado de trabalho

Em busca de um ambiente mais seguro, funcionários LGBTs criam grupos de ação para diminuir o preconceito dentro das empresas

Sawadacamila
Jornal Anglo Vozes
6 min readAug 17, 2020

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Atualmente, a comunidade LGBTI+ tem adquirido maior espaço na sociedade. No entanto, a realidade dos que pertencem a tal grupo ainda dista da ideal. Uma das instâncias sociais ainda inóspitas aos LGBTs é o mercado de trabalho, devido a preconceitos emaranhados nas relações sociais, a maioria dessa comunidade encontra dificuldades, desde a entrevista de emprego até a convivência dentro da empresa, assim como empecilhos para serem
escalados a cargos de chefia.

Por diversas vezes, pessoas LGBTI+ relatam sofrer ou já terem sofrido preconceito explícito ou velado. Segundo levantamento da consultoria Santo Caos, 61% da comunidade esconde a orientação sexual de colegas e superiores, motivada pelo medo de perder o emprego. Além disso, uma pesquisa exposta durante seminário da Central Única dos Trabalhadores de São Paulo (CUT) afirma que um terço das empresas não contrataria LGBTs
para cargos de chefia.

Em entrevista ao Terra, Aline Paz relata a discriminação que sofreu durante seu emprego em um conhecido shopping de São Paulo. A jovem, de 16 anos na época, narra que já tomava cuidado para não falar sobre sua orientação sexual, mas, durante uma conversa despretensiosa com uma colega, acabou por citar a ex-namorada. No final do expediente, ela foi chamada por sua superior e foi demitida. “Chegou a dizer que não sabia se me colocava
no vestiário dos meninos ou das meninas’’, conta Aline.

Outro caso mais recente trata sobre um gerente de uma agência do banco Ítau, o ex-funcionário que não quis ser identificado conta que durante um ano e meio em que trabalhou na empresa conquistou dez prêmios por desempenho e atingiu todas metas propostas pela agência. Contudo, além de ser repreendido com frequência por sua “postura inadequada’’ e “vestimenta muito justa’’, foi demitido após a postagem de um vídeo nas redes sociais no qual era pedido em casamento por seu noivo. “De forma bem discreta, eles diziam: ‘seja mais homem’”.

A ‘postura’ que eles falavam era sobre eu ser gay. Minha gestora falava muito sobre a ‘imagem dobanco’”, relata o ex-gerente em entrevista ao E+.

A realidade no mercado de trabalho para transexuais

Se a situação em ambiente profissional já é hostil para homossexuais e bissexuais, o cenário para transexuais é ainda mais hediondo, uma vez que tais pessoas não têm como esconder a identidade de gênero e são praticamente excluídas da sociedade, segundo o instituto RedeTrans (Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil), 82% das mulheres transexuais e travestis abandonam a escola antes de concluir o ensino médio.

Desse modo, muitas são obrigadas a recorrer a prostituição em virtude de sua sobrevivência, assim vivendo em estado de vulnerabilidade em relação à violência nas ruas. Segundo levantamento da consultoria Santo Caos, 90% das transexuais recorrem ou já recorreram a prostituição pelo menos uma vez na vida.

Em entrevista ao Terra, a transexual Danielly Freires da Silva relata sua experiência:

‘’Eu me assumi como transexual aos 19 anos e minha família não aceitou, fui expulsa de casa. Na época eu tive que me prostituir. Hoje eu tenho uma forma feminina característica, tenho próteses de silicone, mas sofro olhares julgadores até hoje e não consegui alterar meu nome no registro’’.

Outro empecilho para o ingresso de transexuais no mercado de trabalho é a
dificuldade para realizar a mudança de nome e de gênero de registro civil, causando constrangimento durante a entrevista de emprego, ou até mesmo implicando no descarte do currículo por discriminação.

“A gente se apresentar em um gênero diferente do documento é um constrangimento todo santo dia. Chega vestida de Maria, mas quando a pessoa olha o nome é João”, diz Rafaelly Wiest em entrevista ao Terra.

Em 2018, o Conselho Nacional de justiça (CNJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tornaram o processo menos burocrático, permitindo que a mudança fosse feita sem necessidade de cirurgia de redesignação sexual ou tratamento hormonal, todavia muitos e muitas ainda tiveram dificuldades no processo.

Segundo Luciana Garcia, diretora administrativa do Instituto Prios de Políticas Públicas e Direitos Humanos, problemas recorrentes nos cartórios são: falta de ciência sobre as normas alteradas pelo CNJ acarretando em pedidos como de comprovação de tratamento hormonal ou cirurgia de redesignação sexual, algo já alterado na lei, ou recusa do pedido sem justificativas.

Combate a LGBTfobia no mercado de trabalho

Como forma de tentar fazer do mercado de trabalho um lugar mais inclusivo, alguns grupos LGBTs se reúnem em virtude de maior espaço na esfera profissional. A CUT, por exemplo, é uma das instituições a prestar auxílio a comunidade por meio de eventos, como o seminário ‘’LGBT e o mundo de trabalho’’ realizado nos dias 21 e 22 de junho de 2019. O evento além de divulgar um panorama sobre a situação LGBT no mercado de trabalho,
também colaborou com a divulgação de cursos oferecidos pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), os quais têm finalidade de debater sobre as relações de trabalho para trabalhadores LGBTs. A mesma organização também disponibilizou uma cartilha em dezembro de 2019 a qual contém informações sobre os direitos
LGBTs e o mercado de trabalho para a comunidade, o material agrega conquistas dessa comunidade, bem como maneiras de buscar auxílio ao ser vítima de preconceito.

“É necessário obter mais dados que sejam precisos e abrangentes sobre a situação de LGBT no mercado de trabalho, como por exemplo, cobrar do IBGE a inclusão de questões sobre orientação sexual e identidade de gênero em algumas de suas principais pesquisas”, afirma Jandyra Uehara secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT.

Outras empresas brasileiras também colaboram com a causa, o grupo GLBTA Aliance Brasil, por exemplo, foi consolidado por funcionários da General Eletrics do Brasil e trabalha em prol do aumento da diversidade no ambiente de trabalho.

O grupo esteve presente na Parada do Orgulho LGBT 2019, na data um convite a todos os funcionários da empresa foi efetuado por e-mail, sendo assim, tanto empregados héteros como empregados LGBTs estavam presentes no evento, assim, responderam perguntas sobre a diversidade em sua empresa, bem como geraram incentivo a funcionários de outras companhias para que estes inserissem programas de incentivo a diversidade em seu local de trabalho.

“Quando você vive em um ambiente que respeita o jeito de cada um, a jornada fica mais fácil e suave” diz Adriano Brito, membro do GLBTA Aliance Brasil.

Voltado para o público transexual, plataformas como a Transemprego visam atenuar a atual realidade para pessoas transexuais no âmbito profissional. A plataforma propõe-se a divulgar vagas e oportunidades para transexuais e humanizar áreas e espaços para diversas empresas, portanto, o portal totalmente gratuito disponibiliza vagas e coleta currículos de pessoas trans, sendo o maior banco dados para tal público no Brasil.

Além disso, o Fórum de Empresas e Direitos LGBT+, criado por Reinaldo Bugarelli, também colabora para o ingresso de LGBTs no mercado de trabalho, agrupando organizações brasileiras e estrangeiras para o debate de políticas públicas em virtude da inserção de maior diversidade no âmbito profissional. Uma das empresas apoiadoras do grupo é a KPMG, desse modo, graças as iniciativas de inclusão LGBTI+, Danielle Torres se tornou a primeira executiva transexual do Brasil. A funcionária conta que se assumiu e passou por todo processo de transição dentro da empresa e apesar de apreensiva obteve apoio de seus superiores.

‘’Houve uma palestra sobre diversidade na empresa. Vi uma palestra do Ramon Jubels, que é sócio-líder do pilar Voices do Comitê de Inclusão e Diversidade da KPMG no Brasil. Ele é homossexual e contou um pouco sobre como foi o processo dele [de se assumir profissionalmente](…) Soube que a KPMG estava assinando o pacto do fórum das empresas que apoiam os direitos LGBT, o que me deu tranquilidade(…) ’’Relata Danielle em entrevista ao Uol.

Danielle também conta que após a formação do comitê de diversidade KPMG realizou palestras contribuindo para a política de respeito a diversidade dentro da empresa, Em entrevista ao Uol, a funcionária mostra sua perspectiva quanto ao cenário atual:

“A pauta da diversidade vem ganhando muita força, felizmente. De forma geral, eu acho que sim o mercado está mais preparado para lidar com profissionais transgêneros. Participo bastante, com o Ramon, de fóruns de discussão de empresas que estão com políticas para pessoas trans eLGBT. E recebo no meu Linkedin muitas mensagens de profissionais que estão se assumindonas empresas”.

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