Anorexia e os impactos na vida de mulheres jovens

Como este transtorno alimentar, considerado a doença psiquiátrica que mais mata no mundo, afeta a vida de adolescentes.

Bia Kassawara
Jornal Anglo Vozes
4 min readSep 29, 2020

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Colagem por Design by Vienna(@designbyvienna no instagram)

‘’No auge da minha anorexia me via sem saída, não queria melhorar, pois sabia que essa melhora inclui ganho de peso e preferia morrer a isso’’ diz Maria*, adolescente de 17 anos portadora deste transtorno, que, infelizmente, não é a única no mundo. A anorexia nervosa trata-se de um transtorno alimentar caracterizado, de acordo com a 5º edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais (DSM-5), por ingestão calórica controlada (restrição alimentar) levando a uma perda de peso significativa, medo intenso de ganhar peso e distúrbios de imagem corporal. Podendo ocorrer também episódios de indução de vômito, uso abusivo de laxantes ou diuréticos e excesso de exercícios físicos.

Ao longo da história, os padrões sociais que definem o ‘’corpo perfeito’’ se alteraram. Nos séculos onde até mesmo uma refeição diária era privilégio, o corpo dito como perfeito era aquele com curvas acentuadas e volumosas. Já a partir de meados do século XX, onde a disponibilidade de alimento se tornou maior, o corpo extremamente magro passou a ser cultuado. Como consequência tivemos um aumento significativo de transtornos alimentares, como a anorexia nervosa. “Os padrões que aparecem ao longo da História são, como regra, acessíveis a poucos’’, aponta a psicóloga Joana de Vilhena Novaes em entrevista ao Super Interessante.

Com a ascensão da internet, reforçou-se o culto à magreza. Redes sociais, como o Tumblr, possuem contas denominadas ‘’pró anorexia’’ que compartilham com seus usuários dietas e dicas de como atingir o que seria considerado um corpo perfeito. “Aos 11 anos tive o primeiro contato com dietas restritivas por meio de contas denominadas ’pro ana’ [pró anorexia] no Tumblr, já possuía problemas com autoimagem por conta de bullying e abusos que sofri, a existências destas páginas na web, de certa forma, foram um gatilho para minha anorexia’’, conta a entrevistada.

A jovem relata que o processo de emagrecimento foi incrivelmente rápido, por conta de seu medo de engordar, restringia suas calorias diárias ao extremo, e, quando ultrapassava os limites que impunha a si mesma, induzia vômitos ou realizava exercícios físicos de modo excessivo. O que ela não percebia, era que seu medo de não engordar estava levando-a à uma magreza excessiva.

Outro de seus sintomas é a presença de distúrbios de imagem corporal, onde o indivíduo não consegue enxergar-se. Devido a isso, muitos pacientes anoréxicos não reconhecem que estão abaixo do peso e assim não procuram ajuda, piorando cada vez mais seu quadro de saúde física e mental.

‘’Lembro de não enxergar o quão magra estava, cheguei aos meus 47 quilos e, para mim, eu ainda estava gorda, mesmo os números na balança me dizendo o contrário. Você fica obcecado pela perfeição, querendo atingir o inatingível das capas de revistas’’, afirma a jovem.

Arte por Renata Souza (@onzu_ no Instagram).

Suas consequências ao organismo são diversas e podem ser devastadoras, elas incluem desnutrição, desmaios, alterações hormonais, redução da imunidade e falhas de memória de acordo com matéria do site do Hospital Nove de Julho. Já suas consequências psicológicas podem levar até mesmo ao suicídio. Maria relata que cerca de alguns meses após ter iniciado sua dieta restrita começou a sofrer de amenorreia (ausência completa de menstruação), se sentia extremamente cansada mesmo dormindo o total de horas adequadas para o corpo descansar. “Após alguns meses, comecei a me sentir sempre de mau humor, fraca e com tonturas. A cada dia passava a me odiar um pouco mais. Fui definhando minha saúde física e mental a troco de um corpo perfeito, o que não percebia é que essa busca iria me levar a quase arruiná-lo’’.

De acordo com dados do site da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) a doença possui uma taxa de mortalidade acerca dos 20%, tornando-se o transtorno psiquiátrico com maior número de mortos do mundo, até mesmo doenças como a depressão e a bipolaridade matam menos. A cada 10 pessoas que possuem o transtorno, 9 são mulheres. Entre essas 9 mulheres, 95% são adolescentes.

‘’Quando fui internada eu estava em estado crítico, nos meus 47kg, com desnutrição severa e um novo problema no coração. Estava cheia de hematomas na pele dos quais eu não fazia ideia da onde havia conseguido. Os médicos achavam um milagre eu ainda estar viva, e, sinceramente, eu também. Estava na pior, não me via saindo dali. Preferia morrer a engordar’’

A prevenção para transtornos alimentares ainda não é conhecida, o ideal é que as famílias prestem atenção nos seus filhos. Cerca de um terço dos pacientes anoréxicos se curam, um terço melhoram e um terço torna-se doente crônico, de acordo com dados do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

O tratamento para anorexia consiste em acompanhamento médico nutricional para a restituição de peso e assistência psicológica e psiquiátrica. A psicoterapia consiste em trabalhar a autoestima do indivíduo para recuperá-la. Não existem medicamentos direcionados especificamente a anorexia, porém, tratamentos com antidepressivos mostraram-se eficientes.

Hoje, Maria encontra-se saudável fisicamente, porém, infelizmente, chegar ao extremo da anorexia deixaram marcas que não serão reparadas tão facilmente e reforça: ‘’Dêem visibilidade a outros transtornos além da depressão e ansiedade. Precisamos urgentemente conscientizar as pessoas sobre esse distúrbio alimentar que leva milhares de vidas por ano, e quase levou a minha anos atrás. Procurem ajuda, vocês e seus problemas são válidos’’.

*Os nomes foram alterados para assegurar a privacidade das fontes entrevistadas

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Bia Kassawara
Jornal Anglo Vozes

nipo-brasileira (birracialidade), não-binário e bissexual. apenas não sei fazer escolhas.