{L}GBT: Violência e representatividade

O apagamento da sexualidade feminina e as violências sofridas por mulheres que amam mulheres

Maria Fernanda Flores
Jornal Anglo Vozes
5 min readAug 29, 2020

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“Amar uma mulher tem suas complicações na sociedade, já passei por situações desconfortáveis por aí. Todos olham para nós andando na rua e sempre ficam nervosos de chamar a gente de ‘namoradas’. Depois de 7 meses [de namoro], ainda haviam familiares nossos que não usavam a nomenclatura certa para nossa relação. Um dia no metrô, um vagão parou na nossa frente e um homem se tocou [se masturbou] olhando para gente. A sensação foi horrível, de nojo, de objetificação, fetichização mesmo, sabe? Infelizmente são coisas que enquanto não conseguimos mudar com a nossa luta, precisamos conviver”, conta a adolescente Evelen Santos, de 18 anos.

Nesse relato, é possível perceber a discriminação que esta adolescente sofreu e ainda sofre pela sua orientação sexual. Não somente ela, como milhares de mulheres lésbicas são alvos de comentários e atitudes discriminatórias somente pelo fato de amarem outras mulheres. Há vários relatos em que elas têm receio, e até medo, de se assumirem para as pessoas mais próximas, principalmente. Em muitos casos, quando contam para familiares ou amigos, que são pessoas que deveriam apoiar e defender, recebem julgamentos, que podem vir por meio de “brincadeiras” ou realmente chegar a uma agressão física ou verbal com intuito de danificar o psicológico.

“Na minha vida, eu nunca sentei para conversar sobre isso [a sexualidade] com minha família em conjunto, meu pai simplesmente sempre soube e, no dia que ele achou uma foto minha no computador com outra mulher, ele teve a sua certeza”, conta Evelen. Ela assumiu sua sexualidade para a irmã e a mãe, que tiveram uma reação positiva para a notícia. Contudo, quando a mãe dela contou a informação para a irmã, da Bahia, a qual orientou que não era para contar para ninguém de lá: “Aquela velha coisa de ‘tudo bem ser lésbica, mas não pode contar para ninguém, viu?’”, ironiza a jovem.

A comunidade LGBTQI+ em geral sofre muito com a aceitação interna. A pressão externa que acabam sofrendo por não se encaixarem nos padrões da sociedade patriarcal em que vivemos pode trazer muita infelicidade e até mesmo a morte.

Felizmente, Evelen tem apoio de familiares e amigos, mas teve que lidar com o preconceito de pessoas próximas. “Durante o meu processo de contar para pessoas, que começou bem novinha, nunca perdi muitas amizades, porém algumas começaram a agir estranho, como não se trocar mais na minha frente ou dormir comigo como era antes de eu me assumir. Isso acabou me abalando um pouco, mas acabei perdoando algumas pessoas e hoje mantenho ótimas relações com elas, e outras simplesmente me afastei, afinal se não me faz bem, por que manter, certo?”.

Além da violência verbal, a comunidade LGBTQI+ é vítima de vários tipos de agressões, o que se destaca é a sexual. Mulheres lésbicas são as mais prejudicadas. Segundo o site Gênero e Número, no ano de 2017, 6 mulheres lésbicas foram estupradas por dia no Brasil e, dentre esses casos, 61% ocorrem dentro de casa. Nesse mesmo ano foram registrados 2.379 casos de estupros contra mulheres lésbicas.

“A misoginia e o ódio total às mulheres lésbicas, refletidos nesses dados sobre violência sexual, estão ligados a não necessidade da figura masculina em uma relação entre mulheres e como isso macula a virilidade e masculinidade frágil dos homens heterossexuais”, analisa a presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) do Paraná, ao dar entrevista ao site Gênero e Número. Dados mostram que 96% dos agressores são homens.

Já a coordenadora jurídica das Organizações Internacionais de Direitos Humanos no Grupo Dignidade e Aliança Nacional LGBT Ananda Puchta diz ao site que o estupro sempre foi uma demanda do movimento de mulheres lésbicas, porque sempre aconteceu. Segundo a advogada, o maior problema segue sendo a subnotificação e o apagamento dos casos de estupros de mulheres lésbicas no dados de violência sexual e até mesmo Lei Maria da Penha.

Apesar das violências lesbofóbicas, Evelen finalmente encontrou o amor e se sente confortável em estar em um relacionamento. “Nas minhas fases de heterossexualidade compulsória, acabei namorando um homem, e desde então todo mundo da minha vida passou a ver as minhas relações com mulheres como ‘fases’, mas não eram. Hoje, eu estou com a minha amada há quase 10 meses, e de namoro foram 7 e me encontro finalmente podendo dizer que encontrei o que é amor e o que é atração”, revela.

“Amar uma mulher significa muito mais do que se relacionar com alguém, ela te entende como ninguém nunca te entendeu, afinal, ela passa por coisas iguais a você na nossa sociedade. Amar uma mulher é ter uma companheira, é sentir o cuidado e saber cuidar, amar uma mulher para mim faz parte de quem eu sou, e sempre fará parte de mim”

Representatividade lésbica importa!

A sexualidade vem sendo muito abordada já há um tempo, mas dando destaque somente a letra G da sigla, referente aos gays. Atualmente, o meio do entretenimento tem abordado temas abrangentes à lésbicas e transexuais.

A nova série do Netflix “Eu Nunca” apresenta três amigas que procuram namorados, e uma não se interessa muito em namorar até conhecer outra mulher. A Netflix também lançou uma série que aborda a temática sexualidade adolescente, em ”Sex Education” há relacionamentos homossexuais e o descobrimento de um amor entre amigas. Muitas outras produções atuais podem ser citadas, pois é um assunto emergente, porém que ainda precisa ser muito mais aprofundado.

É de suma importância comentar sobre o documentário chamado “Secreto e Proibido”, lançado também pela Netflix, que relata a história de amor de duas mulheres em 1947, onde o relacionamento lésbico era extremamente repudiado pela sociedade. Mesmo com toda a pressão externa e o ódio gratuito distribuído somente pelo fato de sentir atração e amor por alguém do mesmo sexo, as duas conseguiram manter o relacionamento por mais de 65 anos.

Dessa forma, na era da tecnologia, é muito fácil adquirir informações. Diversas plataformas estão disponíveis para acabar com o preconceito das pessoas. Basta abrir o Youtube, visitar blogs, e assistir produções audiovisuais nas plataformas de streaming. Há conteúdo sobre a visibilidade lésbica e sobre as pautas que essa comunidade defende e luta. É imprescindível a busca pelo conhecimento, procurar por assuntos que não somente te atinjam diretamente, mas que possam atingir aqueles que estão ao seu redor. Mulheres lésbicas querem conquistar seu devido espaço e respeito na sociedade. Querem ser tratadas de igual para igual, independente da sexualidade, pois também são seres humanos.

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