Não é um desastre natural

Racismo ambiental demonstra como minorias sociais são mais afetadas pelas degradações ambientais

Jornal Anglo Vozes
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4 min readApr 11, 2023

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Imagem do ocorrido após as fortes chuvas no litoral norte de São Paulo no começo de 2023

Por Ana Fonseca, Izabella Frazili e Julia Júca

No dia 19 de fevereiro deste ano, um temporal que atingiu o litoral Norte de São Paulo causou uma série de desabamentos e alagamentos, o que deixou por volta de 54 mortos, de acordo com a CNN Brasil.

A frente fria, comum nessa época do ano na região, junto à formação de nuvens causada pela baixa pressão e o aumento dos ventos provenientes do oceano, geraram fortes chuvas na região litorânea. A alta intensidade dessas chuvas provocou sucessivas tragédias que impactaram a população local, principalmente, os habitantes dos territórios periféricos. Acredita-se que pelo fato da região serrana ter um relevo mais inclinado, o risco de tragédias como a ocorrida é maior.

Em razão de as chuvas sempre ocorrerem nessas regiões, é incorreto afirmar que tragédias como as ocorridas se encaixam em um desastre natural, já que são as construções feitas por humanos que sofrem e geram deslizamentos e desabamentos. De acordo com o geógrafo e professor, Hugo Anselmo, a construção dessa ideia de desastre natural é utilizada para inibir as verdadeiras causas desses estragos: “O termo ‘desastre natural’ só é bom para os políticos, porque tira a culpa da morte de diversas pessoas e a coloca no ambiente”.

A população mais pobre e periférica foi a mais impactada com os deslizamentos, para esse fenômeno, dá-se o nome de racismo ambiental. Tal termo foi criado pelo famoso líder de direitos civis, Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr, que o cunhou em uma época de manifestações do movimento negro contra injustiças ambientais. Dado contexto, pode-se entender que o termo está diretamente relacionado com a forma desigual em que etnias mais vulneráveis são expostas a fenômenos ambientais nocivos, uma vez que são, propositalmente, inseridas em locais mal estruturados. Desse modo, traduzindo-o para o português, racismo ambiental é a discriminação racial vinda das políticas do meio ambiente que fazem questão de excluir comunidades negras e pobres na aplicação de leis e regulamentos, direcionando-as para o contato com resíduos tóxicos, poluentes com risco de vida (falta de investimentos no saneamento básico dessas regiões), além de impedi-los de participar da liderança de movimentos ecológicos.

O professor de Gestão Ambiental da USP, Marcos Bernardino de Carvalho, explica: “Ele (o termo racismo ambiental) se destacou por fazer denúncia sobre a questão de que a população mais vulnerabilizada, especificamente a população negra, é a população mais vitimada pela degradação ambiental, e que essa degradação a tinha, digamos assim, como um alvo preferencial”.

Qual é a verdadeira origem por trás desse conceito? O racismo ambiental é uma ferramenta da colonização, a qual exerceu controle sobre territórios que já estavam ocupados, a partir do uso do poder militar e político, tirando bens e direitos da população local. No entanto, esse preconceito segue forte na contemporaneidade, a partir da chegada de empreendimentos, uma vez que o processo expulsa populações originais de seus territórios, além de acabar com a cultura, degrada o meio ambiente. O processo de colonialismo e de neocolonialismo, promoveu a escravidão, a injustiça e o racismo ambiental, tal qual originou ambientes insalubres, como visro em diversas comunidades brasileiras.

Em contraponto com a existência desse racismo em territórios colonizados, nota-se que, na esfera internacional, é perceptível na discrepância de como países historicamente colonizadores lidam melhor com catástrofes envolvidas a eventos naturais, em relação às reações de países colonizados com imprevistos de mesma ou menor magnitude.

Como exemplo, pode-se fazer uma comparação entre a resposta do Japão — antigo colonizador — e a da Turquia — país ex-colonizado. Tal disparidade é nítida ao comparar o número de mortes do terremoto japonês em 2011 (magnitude 9.1 na escala Richter) que foi 18 mil, com a quantidade de mortos pelo recente terremoto turco (7.8 na escala Richter). “Não é o tremor, nem a intensidade de um evento que causa estragos, é a falta de preparação para lidar com eles”, enfatiza o geógrafo Hugo Anselmo.

A partir dos recentes acontecimentos, vê-se um comprometimento maior do Estado para com a problemática. Durante a visita ao município de São Sebastião — afetado pelos deslizamentos — o presidente Lula anunciou algumas medidas resolutivas, tais como a prioridade para a estruturação de moradias e maior controle da área. Com isso, a providência tornou-se uma iniciativa para solucionar a conclusão de Anselmo: “O Estado é muito ineficiente na fiscalização das construções nas áreas de risco”.

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Jornal-laboratório da eletiva Anglo Vozes do Colégio Anglo Sergipe.