“Não Olhe Para Cima” chega no momento certo

Apesar de não ser proposital, o longa da Netflix dialoga com o negacionismo durante a pandemia

Elisa Jover teixeira
Jornal Anglo Vozes
3 min readApr 11, 2022

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Lançado em dezembro de 2021, o longametragem da Netflix “Não Olhe para Cima” (“Don’t look up”), do diretor Adam MacKay, não poderia ter chegado em melhor momento. O filme é uma sátira ao negacionismo e o enredo pode ser comparado com a situação pandêmica da qual o Brasil ainda não saiu totalmente.

O ponto de partida do longa é a descoberta de um cometa pela astrônoma Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence). O que deveria ser um momento de glória para uma jovem cientista, vira uma tragédia, pois o cometa está vindo em direção à Terra e, em 6 meses, dizimará toda a vida do planeta. Ela e seu orientador, Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCarpio), tentam avisar, em vão, o governo da ameaça iminente: a presidente Janie Orlean (Meryl Streep) — uma política populista inspirada em Donald Trump — e seu filho e chefe de gabinete, Jason Orlean (Jonah Hill) não os levam a sério. Então, os dois cientistas tentam alertar o mundo por meio de um programa de TV, o que resulta apenas em memes: Kate é ridicularizada pela maneira exaltada com que tentou avisar sobre o fim do mundo. De forma mais ampla, o filme trata sobre como os interesses individuais são colocados a frente de vidas de bilhões de pessoas.

Mesmo que tenha sido roteirizado antes de sabermos sobre a Covid, “Não Olhe para Cima” tem muito a ver com o Brasil durante a pandemia. A mesma reação negacionista, observada no enredo diante do cometa, foi vista aqui com a chegada do coronavírus, como a repercussão da fala do presidente: “É apenas uma gripezinha”. Assim como no longa, há o surgimento do movimento “Não olhe para cima”, quando já era possível ver o cometa a olho nu, enquanto, no Brasil, vimos os movimentos antivacinas crescendo mesmo com mais de meio milhão de mortes pela COVID. Vê-se, portanto, que ambas as situações são motivadas por questões políticas.

Ainda que represente a realidade muito bem, “Não Olhe para Cima” é convencional — e não transmite a mesma ousadia do filme anterior de Adam MacKay, “A Grande Aposta” — e apresenta uma falha no humor: ao assistir pela primeira vez, você ri; já na segunda, perde a graça. Os memes criados com a Kate no começo do filme, por exemplo, visto pela primeira vez te fazem cair na gargalhada, já na segunda não tem o mesmo efeito. Isso ocorre porque a construção cômica é muito baseada no elemento surpresa, que, uma vez que você já sabe o que vai acontecer, ele deixa de existir e, com isso, o humor do filme se perde.

O desgaste das piadas se deve apenas ao roteiro, pois a comédia conta com um grande elenco. Meryl Streep, Mark Rylance — como Peter Isherwell, um guru da tecnologia — e Cate Blanchett — como a apresentadora de TV Brie Evantee — encarnam muito bem o ridículo de seus personagens.

Apesar de suas limitações cômicas, o filme consegue alcançar seu objetivo. O diretor não escreveu o roteiro de “Não Olhe para Cima” pensando na pandemia, mas sim no aquecimento global. Entretanto, o longa consegue ser mais amplo: representa a maneira negacionista com que tendemos a reagir diante de catástrofes, sejam elas mudanças climáticas, uma pandemia ou um cometa. Dessa forma, a capacidade de abranger diversas características sociais (individualismo, capitalismo e machismo) é a melhor qualidade do filme e a razão pela qual todos deveriam assistir a “Não Olhe Para Cima”.

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