O medo da vacina

A história do movimento contra a vacinação que retorna ao presente, graças à desinformação

Laura Kozima
Jornal Anglo Vozes
4 min readApr 20, 2021

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Pexel

Em um momento desesperador, como a pandemia do coronavírus, muitos depositam suas esperanças de melhora da situação em uma vacina que possa frear o avanço da Covid-19.

Entretanto, ainda em 2021, há grupos de pessoas que defendem que as vacinas são mais prejudiciais do que benéficas. O chamado “movimento antivacina” ganha cada vez mais espaço na internet, alimentado por desinformação e estudos sem fundamento.

O surgimento e consolidação do movimento

Desde o século XVIII, quando a primeira vacina, uma antivariólica criada por Edward Jenner, foi inventada e disponibilizada ao público, há um movimento contrário à sua aplicação.

Primeiramente encabeçado pelo Dr. Alexander M. Ross, um botânico canadense, que abertamente advogava contra a vacina de Jenner, durante a epidemia de varíola, que assolava Montreal em 1885. O Dr. Ross publicou um panfleto que se tornou extremamente popular na época, que dizia que a vacina tornava as pessoas em “animais idiotas e confusos”, e que não
havia a necessidade do medo exagerado da epidemia induzido pelos médicos.
Similarmente ao que aconteceu no Rio de Janeiro em 1904, no episódio conhecido como “A Revolta da Vacina”, é compreensível a população do século XIX temer as injeções. Em uma sociedade de pouquíssimos alfabetizados, as informações não eram tão acessíveis ao público.

O pânico e o medo da vacina vinham principalmente da desinformação. Não sabendo o que estava sendo injetado em seus corpos, surgiu, em meio à população, diversas teorias acerca de tentativas de controle da população por parte do governo ou de tentativa de enriquecimento da indústria farmacêutica.

Contudo, no século XXI, mais da metade da população têm acesso à internet e outros meios de informação, além de a escolarização ser muito maior em relação ao século XIX. Afirmar que os antivacinas não têm informações disponíveis é uma incoerência, até porque muitos países desenvolvidos possuem grupos consideráveis de adeptos ao movimento. Porém, ainda hoje
muitos continuam utilizando-se dos mesmos argumentos que Alexander Ross divulgou em 1885. Defendem que as epidemias não são tão graves quanto os governos tentam fazer aparentar, que causam doenças ainda piores em relação às enfermidades que visam imunizar. Além disso, eles afirmam que são simplesmente ineficazes — uma tentativa de controle populacional.

Na atualidade, o movimento antivacina ganhou força no final doa anos 1990. Um médico britânico chamado Andrew Wakefield publicou, em 1998, um estudo na revista de medicina The Lancet alegando que a Tríplice Viral, que protege contra o sarampo, rubéola e parotidite, seria a causa do autismo em crianças. Desde então, esse estudo foi refutado repetidamente por diversos cientistas, a revista retirou a publicação e Wakefield teve sua licença médica cassada.

Porém, o estrago já estava feito: o artigo circulou o mundo com mais rapidez do que seus desmentidores, propulsionado pela Internet, principalmente, e ainda é utilizado como principal argumento dentro do movimento.

Consequências para a sociedade

Segundo estudos realizados pela OMS, estima-se que, no Brasil, a imunização em massa evitaria de 2 a 3 milhões de mortes anualmente em um cenário não-pandêmico. O SUS oferece desde 1953, obrigatoriamente, 19 vacinas gratuitas em todas as suas unidades. O Brasil já foi referência mundial em vacinação pública, mas, apesar disso, estima-se que 64% da população
adulta não está com a carteira de vacinação em dia, de acordo com levantamento feito pela GSK.
Este relaxamento já mostrou impactos na saúde pública. Doenças que já eram consideradas erradicadas no país têm sido registradas atualmente. O retrocesso vivenciado pela saúde pública no Brasil poderia ser facilmente evitado pela continuação dos programas de imunização.

Controvérsias

Um dos debates contemporâneos acerca da vacinação é quanto a liberdade individual de escolher o que deve ser injetado em seu corpo. Este argumento é o que impede a obrigatoriedade da vacinação por parte do governo. Para isso, foram encontradas alternativas para incentivar essa medida de saúde. É impossível, por exemplo, matricular uma criança em escolas ou creches sem a carteira de vacinação em dia; é proibido realizar algumas viagens internacionais sem certas vacinas; se uma criança morrer por doenças que poderiam ter sido evitadas, os responsáveis podem ser condenados por homicídio doloso.

A um nível individual, uma pessoa poderia optar por não se vacinar e ainda estar protegida. No entanto, quanto mais pessoas aderem à prática, maior se torna o risco, pois os indivíduos não vacinados não estarão mais protegidos pela “imunização de rebanho”. Além disso, há certos grupos que não podem, por motivos de saúde (grávidas, alérgicos), tomar vacinas. Esses dependem da imunização de rebanho para que não lhes transmitam doenças infecciosas.

Por esses motivos, a escolha individual de não se vacinar deixa de ser individual, pois acaba afetando a coletividade. Nas palavras do filósofo Herbert Spencer, “a liberdade de cada um termina onde começa a do outro”.
No cenário atual, com a pandemia da Covid-19, a propagação de Fake News fez o desserviço de instaurar um medo ainda maior de vacinas. Uma enquete feita pelo Datafolha em dezembro de 2020 mostra que 22% dos brasileiros alegaram que não tomariam a vacina contra o vírus. Desses 22%, constatou-se que a maioria é apoiadora do atual governo, um dos grandes responsáveis por desencorajar a tomada da vacina. O Presidente Bolsonaro é, de acordo com o historiador francês Laurent-Henri Vigneaud, o único líder político da História a desencorajar a vacinação.

A mentalidade antivacina fará com que a pandemia, que já se arrasta por um ano e ceifou mais de 350 mil vidas só no Brasil, aumente; e as ameaças que havíamos deixado no século XIX voltem a nos assombrar.

Fontes: The Conversation, NCBI, BBC.

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Laura Kozima
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interiorana, asiático-sul-americana e vestibulanda