Pela humanização dos marginalizados

A relação entre o livro “Quarto de despejo: Diário de uma favelada”, de Carolina Maria de Jesus, e a desigualdade na pandemia da Covid-19

Rafael Diniz Rocha
Jornal Anglo Vozes
2 min readJun 28, 2021

--

Divulgação UFRJ

Vivemos em um contexto pandêmico permeado por fome, fome, fome, fome, fome, fome e fome. Em meio à naturalização dela, ouso repetir — fome. Vivemos em um contexto pandêmico marcado pela marginalização dos marginalizados, empurrando-os ao abismo do não-humano, empurrando-os para o quarto de despejo.

Vou fingir que não impus este clima pesadíssimo e falarei sobre essa obra maravilhosa. Escrito por Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo conta a história da própria Carolina — mulher, negra, favelada e catadora de papel. Como é ser favelado no Brasil do século XX? Como é passar fome? Como é ser uma mãe e acordar sem saber o que oferecer de comer aos filhos?

É absurdamente difícil, enquanto classe média, olhar para essa situação e conseguir colocar-se no lugar dela. Entretanto, é necessário. 19 milhões de pessoas passam fome no Brasil hoje. É importantíssimo enxergá-las enquanto pessoas, não enquanto números. Para tal, é preciso conhecê-las. Pessoas têm gostos, têm histórias, têm famílias e vivências. Números, não. E é aí que entra a Carolina.

Em seu livro, Carolina mostra sua história. Abre o livro de sua vida e demonstra a capacidade de análise e crítica da sociedade vinda de uma mulher que estudou somente até o 2º ano do ensino fundamental. Uma análise vinda da afetada, daquela que detém propriedade de falar, pois é sua realidade.

“Igual os políticos distante do povo. Eu cançava e sentava. Depois começava a chorar. Mas o povo não deve cançar. Não deve chorar. Deve lutar para melhorar o Brasil para os nossos filhos não sofrer o que estamos sofrendo. […] … Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerado marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituiram os corvos”

Vivemos hoje, cada vez mais, numa época de crise. Para os marginalizados, ainda mais. Porém, falta empatia e falta luta. Falta revolta e faltam exigências. É, sim, possível construir um Brasil sem fome e um Brasil no qual Carolinas não tenham que viver na marginalidade. Construir um Brasil em que a negritude periférica possa viver plenamente, não acordar dia a dia sem saber se terminarão o dia vivos.

Aos que visam a um mundo melhor, a um mundo com vida. Revoltem-se, recomponham-se e lutem por um mundo sem fome e sem marginalidade. Mas, por saber que não será imediato, faço um convite pelo primeiro passo — leiam Carolina Maria de Jesus.

--

--