A miséria do Republicanismo

“Não é por dentro das instituições que resultados podem ser alcançados. É com pressão, construindo pela base, e por todos os meios necessários”

Jornal Dois
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4 min readApr 17, 2019

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“Se o Estado representa a dominação de classe, isso significa que as Polícias são grupos armados a serviço dos ricos” (Imagem: parte da pintura “Inferno”, presente no tríptico “O Jardim das Delícias” (1480-1505), do holandês Hieronymus Bosch)

Por Arthur Castro

“Republicanismo”, podemos dizer, é a crença nas instituições, na Lei, no Direito, como se fossem confiáveis e atendessem os interesses da população. É acreditar que se está escrito “todos os homens são iguais perante a lei”, isso se torna um fato, algo real, e o mundo funcionará assim. Nada mais falso.

Sabemos que as pessoas não são iguais no mundo real, independente do que está escrito na Constituição. Os ricos, patrões, empresários, banqueiros não estão em situação idêntica ao dos pobres, trabalhadores, aquelas pessoas que precisam vender o seu trabalho por um salário. As mulheres não são tratadas com os mesmos direitos que os homens, e a população branca não está na mesma condição que a comunidade negra. O escrito são apenas folhas em um caderno, não a realidade.

É essa constatação que muitos socialistas históricos, como Karl Marx e Mikhail Bakunin, realizaram em suas críticas ao liberalismo burguês e ao republicanismo radical, que defendia igualdade apenas na lei.

Vamos observar isso nos dias de hoje.

O Estado representa a dominação de classe, no caso, a dominação da Burguesia, ou seja, dos patrões e donos do dinheiro. Isso significa que, independente do que diga, o Judiciário, o Legislativo, o Executivo e o Ministério Público existem para proteger os interesses dos empresários e banqueiros. Isso muitas vezes é reconhecido pela esquerda moderada na teoria, mas não na prática.

Se o Estado representa a dominação de classe, isso significa que as Polícias são grupos armados a serviço dos ricos. Não por acaso, é a Tropa de Choque que é chamada para reprimir, DENTRO DA LEI, manifestações e movimentos de resistência popular. E esses grupos armados não cumprem a lei que eles mesmos dizem defender, caso seja de seu interesse: a violência contra a população da periferia pobre e negra, a organização de milícias e grupos de extermínio, os “bicos” como seguranças privados de empresas diversas, a atuação como jagunços de fazendeiros.

Qual a reação da esquerda moderada diante disso tudo? Defendem a desmilitarização policial (como se isso mudasse o caráter repressor de classe), ou pior, convidam a polícia para acompanhar atos populares, porque diz a lei que é obrigatório fazer essa comunicação. O fato da ampla maioria dos policiais apoiarem publicamente Bolsonaro não faz a esquerda perder a confiança na sua “imparcialidade”.

E a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que apoiou publicamente o golpe de 2016? Mesmo os advogados mais progressistas e de esquerda sabem que qualquer defesa que possam fazer vai sempre se limitar às leis burguesas, que jamais vão contrariar a existência do Capitalismo. Muito mais reacionária é a elite de juízes e promotores, privilegiada enquanto casta burocrática estatal, e quase sempre posicionada contra os interesses populares.

Mesmo sabendo disso, quantas vezes a centro-esquerda não insiste em confiar nas decisões judiciais como solução para tudo? A crença nisso é a que levou o próprio Lula à cadeia, e que faz o PT nunca se posicionar de fato, enquanto seu partido é destruído diante dos olhares de todos. Podemos também falar da fé religiosa no Parlamento e no Governo, onde o PDT passa pela vergonha de apoiar Rodrigo Maia (DEM), junto com o partido de Bolsonaro (PSL), pois isso vai lhe garantir talvez alguma vaga em mesas de comissões.

Em Bauru não é diferente. Há uma lista de casos onde grupos de esquerda e movimentos sociais acreditaram que problemas poderiam ser resolvidos por acordos institucionais com a Prefeitura e suas Secretarias, ou outras vias institucionais. Todas as vezes acabaram traídos e devorados pelas articulações da Burguesia e da Burocracia estatal. Destaca-se a postura autoritária dos vereadores do PDT diante da lei anti-festas, ou a participação do PCdoB no conservador governo Gazzetta. Enquanto a Polícia joga bombas na juventude da cidade e a Câmara aprova leis contra a classe trabalhadora, muitas lideranças partidárias da centro-esquerda se sentam para beber e negociar amigavelmente com os opressores do povo.

Não é por dentro das instituições ou acreditando nelas que resultados podem ser alcançados. É com pressão, construindo pela base, e por todos os meios necessários. Juízes, promotores, políticos em geral e outros membros do Estado não vão atender as vontades populares por amor à justiça ou preocupações sociais: farão isso porque serão obrigados a fazê-lo. Da mesma forma que nenhum patrão irá alegremente e espontaneamente subir o salário de seus funcionários se não for pressionado a fazê-lo por uma greve ou pressão sindical, nenhum burocrata ou agente estatal vai se curvar ao povo se não for levado a isso.

O nome disso é luta de classes.

A esquerda bauruense deve se somar aos movimentos sociais e sindicatos existentes, ou construir novos onde não existem, e radicalizar. As burocracias estatais ou não (como as sindicais, universitárias/escolares, etc) devem ser atropeladas pela revolta da população, e os seus discursos sobre Estado de Direito e Democracia liberal — a ditadura dos ricos e poderosos, democracia que não existe na realidade — jogados na lata do lixo da história.

As colunas são um espaço de opinião. As posições e argumentos expressas neste espaço não necessariamente refletem o ponto de vista do JORNAL DOIS.

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