Como se celebra a Páscoa num assentamento sem-teto
Maior acampamento urbano de Bauru, Nova Canaã organizou uma festa para celebrar a Páscoa das crianças do Movimento Social de Luta dos Trabalhadores
Por Bibiana Garrido
O bacalhau por ali não abriria tantos sorrisos quanto os chocolates nas mãos e nos rostos lambuzados das crianças. Peixe é peixe. Doce é doce. Dois brinquedos pula-pula, dois palhaços, bexigas, cachorro-quente, refrigerante, pipoca, balas, pirulitos e um bolo de uns 10 quilos faziam parte do arsenal de festa do Nova Canaã.
Localizado próximo ao Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet), o assentamento desenvolve atividades culturais para os moradores. Todo ano tem eventos voltados para as crianças, seja no mês de outubro, abril, ou nos dois. Em 2019 o coelhinho quase não rolou. Cristiana dos Santos é coordenadora geral do acampamento e conta para o Jornal Dois que estava desanimada para pensar em festa. “O Fábio [morador] foi quem me animou. Ele falou ‘vamo’! Aí cada um pegou uma coisa pra arrumar, e no final deu isso daqui! Hoje ele tá aí vestido de palhaço”, aponta, dando risada.
Cris é mãe de três filhos e assentada há dois anos. Para ela, a maior alegria é ver que a festa deu certo. “Pedi EVA pra fazer as máscaras das crianças, pedimos de casa em casa dois reais pra comprar bexiga, linhas. O pessoal da coordenação estadual e moradores ajudaram com pão, a Sueli, o Bruno, a Raquel. Todo mundo fez um pouquinho e virou esse poucão”, orgulha-se.
Das 500 famílias que moram no Nova Canaã a maioria tem filhos, segundo a coordenadora. Não é a toa que a festa da Páscoa ficou cheia de gente. Um dos momentos de agitação entre as crianças foi na hora da distribuição de saquinhos de doces e caixas de Bis. Parentes adultos e irmãos mais velhos formaram fila para garantir que todos ganhassem o presente.
Também tinha fila no pula-pula, que estava sempre em sua capacidade máxima. A barraquinha de comida vira e mexe tinha movimento. Uma tenda vermelha com a bandeira do Movimento Social de Luta dos Trabalhadores (MSLT) serviu de pista de dança. Lá dentro, um palco para informes, apresentações e uma mesa com o bolo para mais tarde.
O domingo foi de Páscoa, diversão e lazer — mas como todos os outros domingos no assentamento, foi vivido por cima das terras que ainda são motivo de briga judicial.
Concedido ao MSLT pela Prefeitura Municipal de Bauru em um acordo com o Ministério Público, o terreno sobre o qual as pessoas ergueram suas casas está sendo reivindicado pelo proprietário. E os assentados correm o risco de ter que sair.
“Mesmo que a gente tá com essa reintegração de posse, a gente tá firme e forte. Tamo vendo a felicidade das crianças aqui desse acampamento, quantas crianças que tem aqui… e esperando o que vai acontecer”, desabafa Cris. “A gente ainda não sabe o que vai ser. Mas estamos aí pra mostrar pro pessoal e pro Gazzetta que a gente é unido. A gente não é vagabundo e a gente trabalha como todo mundo”.