Bom apetite

Mariana Lacerda
Jornalismo Baldio
Published in
4 min readApr 28, 2015

A gastronomia vai além de apenas cozinhar ou confeccionar um alimento. Ela abrange a culinária, as bebidas, os equipamentos, as técnicas usadas na preparação do prato e outros aspectos relacionados à alimentação, como harmonização e apresentação. Mas, é possível afirmar que gastronomia é cultura? Para a jornalista e estudante de gastronomia Ana Sandim, ela só entra neste patamar quando um ingrediente típico, que é passado de geração para geração, é capaz de agregar valor ao prato, proporcionando um conhecimento novo. “Considero a gastronomia como cultura quando ela conta a história ou representa algo para um povo”, ressalta.

Nas sociedades medievais, a gastronomia era cogitação de um pequeno círculo de pessoas, acostumadas a uma vivência aristocrática que incluía rituais de comilança ligados à caça, aos produtos da estação e aos melhores vinhos que então se fazia. Mas, com a Revolução francesa, não era mais necessário ter “sangue azul” para se comer bem. Bastava ter dinheiro, o que fez surgir uma cultura culinária entre a burguesia, que passou a acessar bens que, até então, eram reservados apenas aos nobres, entre eles a boa comida.

Passados quase duzentos anos, a alta gastronomia ainda está longe de ser acessível para grande parte da população. Por essa razão, surgiu a expressão baixa gastronomia, em oposição à cultura culinária burguesa, que é aquela preparada por chefes renomados e servida em restaurantes estrelados. No entanto, a compreensão do termo vai muito além do preço. Relaciona-se a quantidade de comida no prato, aos hábitos alimentares praticados em determinados lugares e, até mesmo, aos ingredientes utilizados. Ana Sandim não acredita na existência de níveis de gastronomia. “Não vejo a divisão de alta ou baixa gastronomia. Existem pessoas dispostas a pagar R$25 em um prato de feijoada e outras R$ 9,50. Acho que o nível vai da exigência de cada um”, explica a editora-chefe do site Ingrediente da Vez.

Gastronomia sobre rodas

A procura por uma comida mais elaborada virou tendência. O movimento dos food trucks, que oferece alimentação diferenciada a baixo custo, começou em São Paulo e ganhou força em outras capitais. Em Belo Horizonte, o Go Pasta, restaurante que serve massa em caixinhas, expandiu seu formato e leva o cardápio italiano para as ruas. “Em 2010, durante uma viagem a Itália, descobri um equipamento que permite fabricar massa na frente do cliente. Com isso, surgiu a ideia de abrir um fast food de massas frescas gourmet e, em 2012, abri um restaurante. Após um ano, senti a necessidade de criar uma segunda unidade e me interessei pelo conceito de food truck”, conta o proprietário Max Miller.

Ele adotou o formato de uma Kombi itinerante e tem conquistado uma boa fatia do mercado. Com um ticket médio de R$19, o Go Pasta já tem uma clientela fixa e funciona na hora do almoço, de segunda a sexta-feira, em quatro pontos diferentes de Belo Horizonte. “A operação food truck atrai mais clientes para o restaurante fixo, gerando um incremento de 30% no volume total das vendas. Só fizemos algumas adaptações na produção e no cardápio da unidade itinerante”, destaca.

Na tradução livre, food truck significa caminhão de alimentos. Esse nicho de mercado surgiu nos Estados Unidos, no final do século XIX, com foco na venda de refeições rápidas em locais com grande aglomeração de pessoas. Com o tempo, evoluiu conceitualmente e, hoje, se diferencia por inovar no segmento de comida de rua e tornar a alta gastronomia acessível.

Televisão gourmetizada

Em mesas de boteco na rua ou em altares de requintados restaurantes, um debate em especial tem ganhado protagonismo nos últimos meses: gastronomia. Tamanho interesse de diferentes classes pelo processo produtivo dos pratos — sejam eles tratados como de alta ou baixa cozinha — foi percebido pelas televisões brasileiras. Impulsionados pelo mercado norte-americano, produtores começaram a importarrealitys shows em que o talento culinário dos brasileiros é colocado à prova.

A Rede Bandeirantes foi a primeira a perceber a lacuna e investir no Masterchef. Mesmo com contenção total de despesas, vivendo crise financeira profunda, a emissora paulista não tem medido esforços para qualificar a segunda edição da atração, marcada para estrear ainda no primeiro semestre de 2015. Através de desafios culinários, os amadores se viram nas criações para convencer três chefs renomados de que o hobbie no fogão pode se tornar uma tarefa profissional.

Nas redes sociais, o Masterchef prova sua vocação para o sucesso e alcança grande índice de participação dos telespectadores. No Twitter, por exemplo, os cozinheiros ganham fãs e seus pratos, admiradores. Alguns até arriscam e palpitam, em tempo real, sobre a receita que aparece na televisão. Torce junto e sofre com um feijão queimado ou um bolo que passou do ponto no forno.

Apoiada no sucesso da concorrente, a Record anunciou no mês passado que importará o reality Cake Boss dos Estados Unidos. A série de TV, em formato de jogo, relata o cotidiano do confeiteiro Buddy Valastro em suas centenas de lojas espalhadas pela terra do Tio Sam. Com pompa, a emissora da Barra Funda trouxe o cozinheiro norte-americano para uma apresentação no Brasil.

Embarcando no sucesso da TV aberta, canais pagos passaram e exibir atrações internacionais com mais frequência e até começaram a testar modelos de programas culinários. O GNT, da Rede Globosat, por exemplo, tem em sua grade de programação cinco atrações gourmet, além de três realitys recém-lançados.

Rita Lobo ensina a cozinha prática, enquanto Bela Gil aposta no público vegetariano. Chef mais famoso da trupe, Olivier mostra a cultura culinária mundo afora. Carolina Ferraz e Rodrigo Hilbert provam o talento da classe artística para o fogão. Por fim, o francês (quase brasileiro) Claude Troisgros conquista os abonados com pratos embasados na alta gastronomia.

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