Cromossomo X

Tiago Mattar
Jornalismo Baldio
Published in
5 min readMay 12, 2015

O Dia Internacional da Mulher foi celebrado no dia 8 de março. Mas será que há, de fato, o que comemorar? Quais foram as conquistas das mulheres no Brasil nos últimos anos? O que impede que avancemos mais em relação à igualdade de gênero? As respostas a essas perguntas perpassam pelas ideologias conservadoras que compõem as instituições da nossa sociedade. As opressões tornam-se estruturais, transformando a socialização feminina em um processo de repressão psicológica. Além disso, o machismo e o racismo são enraizados de forma tão profunda na sociedade brasileira que fazem com que o oprimido nem sequer reconheça a própria opressão.

A cultura machista no Judiciário

As instituições, entre elas a polícia e o poder Judiciário, têm a função principal de garantir os princípios constitucionais, a proteção dos direitos humanos e a correta aplicação da lei. São responsáveis pela segurança pública e pela promoção da justiça, a partir de procedimentos definidos na legislação, como os inquéritos e as sentenças.

No entanto, o machismo institucionalizado pode limitar o impacto de leis que protegem as mulheres, a exemplo da Lei Maria da Penha, criada em 2006 com o objetivo de reduzir a violência doméstica contra a mulher, e a nova Lei do Feminicídio, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no dia 9 de março, que estabelece penas mais altas para o assassinato de mulheres “por razões da condição de sexo feminino”. Enquanto a Lei Maria da Penha prevê políticas públicas de prevenção e de melhoria do atendimento e da proteção das vítimas, a Lei do Feminicídio inclui o crime no Código Penal como homicídio qualificado, cuja pena pode variar de 12 a 30 anos — uma punição mais severa, portanto, do que a prevista para homicídio simples (de 6 a 20 anos). Porém, sua aplicação depende do entendimento subjetivo de cada magistrado, o que pode gerar dificuldades no cumprimento da lei.

Em 2007, o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), proferiu uma decisão que ilustra o perigo da cultura machista no Judiciário para a eficácia de leis como a Maria da Penha, qualificada como “herética” e “anti-ética” pelo magistrado. Em outro trecho ele se refere às mulheres de forma discriminatória e pejorativa:

“A mulher moderna — dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozoides — assim só o é porque se frustrou como mulher. Tanto isto é verdade — respeitosamente — que aquela que encontrar o homem de sua vida, aquele que a satisfaça como ser e principalmente como ser sensual, tenderá a abrir mão de tudo (ou de muito), no sentido dessa ‘igualdade’ que hipocritamente se está a lhe conferir. A mulher quer ser amada. Só isso. Nada mais”.

Veja o inteiro teor da decisão

Por essa decisão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou em 2009 o afastamento de Rodrigues de sua função por dois anos. Mas o juiz recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e teve sua punição suspensa pelo ministro Marco Aurélio Mello, que entendeu que deveria ser respeitada a liberdade de expressão do magistrado.

A negação também é uma forma de naturalização das opressões sofridas pelas mulheres. Seja por medo, ignorância ou má-fé, a alienação contribui para a manutenção da posição desfavorável em que se encontra a mulher na atualidade. A delegada adjunta da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Belo Horizonte, Lilian Bechara, não acredita que exista machismo no poder Judiciário.

A mulher negra

A delegada também acredita que a violência de gênero não tem cor e classe, apesar do dado do Ipea, de 2001 e 2011, que constata que 60% das mulheres assassinadas no Brasil são negras e pobres. “A violência, na minha opinião, não tem essa distinção de raça”, afirma.

Em oposição, Márcia Teixeira, coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem), órgão ligado ao Ministério Público da Bahia, em entrevista ao portal Bahia Notícias, analisa que, quanto mais especificidades a mulher portar, mais vulnerável a situação: “Ser mulher é um fator de vulnerabilidade. Ser negra também. Se for pobre, deficiente ou lésbica também. Essas mulheres estão muito mais vulneráveis do que mulheres de classes sociais elevadas”, declara.

Saber distinguir e caracterizar o racismo é essencial para a luta antirracista. Entretanto é um processo doloroso e complexo. De acordo com Juliana Tolentino, graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o mito da democracia racial consiste na perpetuação da ideia de que a miscigenação do Brasil foi efetuada de forma harmoniosa e isso impede o processo de reconhecimento de tais discriminações. “A dificuldade de enxergar certas práticas como racistas vem exatamente do mito de que, como somos constituídos por três raças distintas, é impossível existir discriminação por raça/cor, no Brasil”, explica a estudante, que fez parte de uma pesquisa de mapeamento das resistências de juventude negra de Belo Horizonte e Região.

Entender a interseccionalidade das opressões é importante para desconstruir discursos autoritários. Isso ajuda a compreender e reconhecer o lugar de fala e protagonismo da mulher negra não só na sociedade, mas em ambientes feministas. Como já questionou a ex-escrava Sojourner Truth, em seu famoso discurso na convenção em Ohio sobre os direitos das mulheres brancas, em 1851: “Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum. E não sou uma mulher?”

Mulheres de Belo Horizonte

O empoderamento feminino envolve a ressignificação da mulher na sociedade, em uma revolução que começa de dentro para fora. Na cidade inundada de mulheres, os papéis por elas representados se cruzam e se complementam. Conheça as histórias das mulheres que, ao ocuparem a Praça Sete, região central de Belo Horizonte, deixam pelo caminho suas marcas de resistência.

Clique nas fotos para conhecer um pouco das histórias

Aline Aparecida, 22

Carolina Cordeiro, 19

Lena Macedo, 60

Nora Ney Pereira, 54

Tereza Gonçalves, 37

Zilá Avelar, 71

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