Ciência ou pseudociência, eis a questão

Júlia Kopp
JORNALISMO CIENTÍFICO UPF
7 min readDec 14, 2023

Apesar de ser um sucesso, a astrologia não é ciência e não influencia na vida humana

Texto por: Júlia Kopp e Taliane Radaelli

Infografia por: Anthony Buqui e Marlusa de Oliveira

Para os babilônios o céu era um verdadeiro espetáculo, sendo assim impossível não associar os mistérios da vida humana aos astros. (Imagem: Freepick)

Se ao olhar para o céu durante a noite tudo que você consegue ver são pequenos pontinhos de luz e uma super bola iluminada, então, você provavelmente não faz parte de uma grande fatia da população, que é interessada pelos astros. Do colocar cristais para energizar ao tomar decisões baseadas na posição da lua, o mundo astrológico é cheio de crenças e teorias que podem definir pessoas e o momento das suas vidas.

Não é raro escutarmos de nossas mães ou avós frases como, “a lua está crescente, você devia cortar o cabelo” ou “amanhã é mudança de lua, bebê de fulana vai nascer”. Mas de onde surgem e qual a explicação para essas crenças? Bom, o que podemos afirmar é que a herança é bem mais antiga do que imaginamos!

O sucesso da astrologia, de mapas astrais e previsões de eclipses não são de ontem, nem tão pouco anteontem, o fenómeno da astrologia já estava presente nas sociedades mesopotâmicas por volta de 1,000 a.C, nas origens do conhecimento humano. Esses primeiros relatos, na verdade, foram feitos pelos babilônios — um povo bastante interessado pelos céus. Também há registros da participação de assírios nesse processo. Esse período ainda foi responsável pela criação de alguns padrões utilizados nos dias atuais, como por exemplo, a organização a partir do sistema numérico “12”, hoje utilizado para medir o tempo no relógio.

O Sol percorre 13 constelações durante o ano: as 12 tradicionais do zodíaco mais
Ophiuchus, por onde passa entre 27 de novembro e 17 de dezembro. (Imagem: Uranografia, o Atlas Celestial de Johann Bayer)

“As pessoas querem explicar o que não entendem, aquilo que é incerto nos assunta” — Letícia Tramontina.

Para os babilônios o céu era dividido em 12 faixas, que correspondiam aos 12 signos do zodíaco. Cruzando os ciclos lunares e solares com os demais astros, eram identificadas as suas repetições e assim marcado o tempo. Mais tarde, a evolução deste sistema levou a criação do calendário de 365 dias utilizado até os dias atuais. Voltando a falar dos signos, o povo mesopotâmico identificou que durante um doze avos do ano — o que representa um mês — o sol passava por cada uma das configurações do zodíaco, determinando assim as características das criaturas nascidas em cada período em comparação com os acontecimentos do momento.

Infografia: Anthony Buqui e Marlusa Oliveira

Mas afinal, a astrologia e a ciência têm relação?

Ainda no período mesopotânico a astrologia e a astronomia estavam ligadas, isso porque o método científico não tinha amadurecido como hoje, e nesse passado relativamente distante, a linha que separava pseudociência de ciência era muito mais ténue. Mas isso foi há séculos. Hoje, as duas caminham separadas e a astronomia, ciência natural que estuda os corpos celestes, é um dos ramos científicos mais importantes da atualidade, mas por que a astrologia não seguiu o mesmo caminho?

Infografia: Anthony Buqui e Marlusa Oliveira

A milhares de anos atrás e sem toda a poluição luminosa, o céu era um espetáculo e era difícil não relacionar os mistérios do universo a vida na terra, mas com a descoberta das teorias gravitacional, de Newton e Einstein, e eletromagética, de Maxwell, ficou comprovado cientificamente que o efeito dos astros na vida das pessoas é desprezível e esse é apenas um dos motivos que comprovam que a astrologia não influencia nossas vidas.

O membro da Academia Brasileira de Ciências e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Kepler de Souza Oliveira Filho explica em sua publicação “Astrologia não é ciência” que a característica fundamental da ciência é ser baseada na observação da natureza e na experimentação, além disso, os efeitos das posições dos planetas e da Lua, em qualquer pessoa na Terra, nunca foram demonstrados em qualquer estudo sistemático, pelo contrário, nas últimas décadas há diversos cientistas que realizaram estudos comprovando que a astrologia não tem base científica e, desta forma, não influencia na vida humana.

Um dos estudos foi feito por Bernard Silverman, psicólogo da Michigan State University, ele analisou o casamento de 2978 casais e o divórcio de 478 casais, comparou então com as previsões de compatibilidade ou incompatibilidade dos horóscopos e não encontrou qualquer correlação. O resultado foi que pessoas “incompatíveis” se casam e se divorciam com a mesma frequência que as “compatíveis”. Já os astrônomos Roger Culver e Philip Ianna, autores do livro Astrology: True or False, (1988, Prometheus Books), anotaram previsões publicadas por astrólogos conhecidos e organizações astrológicas por 5 anos. Foram mais de 3000 previsões específicas envolvendo políticos, atores e outras pessoas famosas, mas somente 10% das previsões se concretizaram.

A astrologia é então pseudociência?

O termo pseudociência é aplicado a conhecimentos que não fazem esforço algum para se apresentarem como científicos, ou seja, sequer se importam em passar pelas fases de observação e experimentação, ao mesmo tempo em que tentam dar a impressão de que representam o estudo mais confiável já feito sobre um determinado assunto. Exemplos são a “upirologia” (estudo dos vampiros), a investigação de “fenômenos paranormais” e claro, a própria astrologia. Essas atividades mostram a intenção de propagar ou legitimar doutrinas, corpos de conhecimento dogmáticos e fechados, fora do campo da ciência hegemônica. Desta forma os Doutores Leonardo González Galli e Agustín Adúriz-Bravo do Instituto de Investigaciones Centro de Formación e Investigación en Enseñanza de las Ciencias da Universidad de Buenos Aires, trazem em seu estudo Por qué la astrología no es una ciênciatrês características para identificar se algo é pseudociência.

1. Estar em contradição com aspectos da ciência estabelecida.

2. Ser supostamente apresentada como científica.

3. Constituir uma doutrina não científica ou fazer parte de uma doutrina não científica mais ampla.

Segundo Leonardo González Galli e Agustín Adúriz-Bravo, a astrologia se encaixa nessas três características e desta forma não é ciência, mas pseudociência, que nas palavras do professor de física da Universidade de Passo Fundo (UPF), Álvaro Becker da Rosa, é um termo usado para algo que não é científico, afinal “se tem pseudo, não é ciência”.

A crença humana

Depois de tantos anos, o que faz com que a astrologia se mantenha viva e forte? Talvez a explicação seja semelhante a outras pautas que seguem no imaginário social, mesmo sem possuir uma comprovação científica: a crença.

Essa palavra curta de seis letras tem um poder imenso na tomada de decisões de grande parte da população mundial e pode ser explicada. Um estudo publicado pelo portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) aponta que existem dois tipos de pensamento, o racional e o mítico. O racional, como o nome já supõe, está ligado à razão, à lógica, ao palpável e ao que se pode provar, por outro lado, o mítico é focado no imaginário, no análogo e no que é simbólico. Embora pareçam coisas completamente diferentes, elas se complementam e juntas formam o raciocínio humano que encara os mitos, religiões e crenças de forma muito parecida com que enxerga a ciência, por exemplo.

“A ciência não tem todas as respostas” — Alváro Becker da Rosa.

A psicóloga e terapeuta integrativa, Letícia Tramontina, define crença como “as verdades que tu acredita, mas que nem sempre são verdades”. Segundo ela, esse imaginário pode ser primário (construído a partir da infância) ou genético (herdado de pais e familiares). Trata-se de uma construção que ocorre ao longo da vida e está muito ligado à necessidade, seja de crer em um milagre — quando se trata de religião — ou em uma identidade, no caso dos signos. “O teu cérebro vai buscar algo para justificar o que está acontecendo, mas na verdade existe toda uma condição inconsciente que te faz tomar aquela atitude e decisão”, acrescenta ela.

Um pensamento parecido é compartilhado pelo professor Álvaro Becker da Rosa. De acordo com ele, o ser humano não vive tão bem com o que não consegue explicar. “As pessoas querem explicar o que não entendem, aquilo que é incerto nos assunta”, explica o físico, que acrescenta “a ciência não tem todas as respostas”.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) publicou recentemente um estudo que fez o levantamento do conhecimento humano em relação ao universo, de acordo com o artigo publicado “a matéria que conhecemos, ou acreditamos conhecer, corresponde a apenas 5% do conteúdo do Universo observável. Do restante, 25% são constituídos por matéria escura, sobre a qual não sabemos quase nada; e 70% por energia escura, sobre a qual sabemos menos ainda”, ou seja, se o universo fosse uma torta, o ser humano teria acesso a apenas uma fatia fina do doce.

Diante dessa baixa porcentagem, a crença surge como um amparo para tornar o mundo menos assustador. Enquanto esse pensamento for equilibrado poderá trazer bons resultados. “Muito vai do que tu cria na tua cabeça. Se tu acorda la de manhã e vê aquele horóscopo e mantém na tua cabeça, há chances de se concretizar”, isso porque, “automaticamente tu ta mandando um comando para que aquilo não seja real, você tem a capacidade de co criar a tua realidade”, explica Letícia. E esse comportamento pode ser positivo ou negativo, dependendo da forma com que é desenvolvido, “se tu lê no horóscopo que vai ter uma grande perda de dinheiro no próximo mês, o melhor caminho não é entrar em desespero achando que a qualquer momento tu vai ser assaltado. Pode ser um alerta, talvez tu deva ter mais cuidado com os gastos do cartão de crédito, por exemplo”, finaliza a psicóloga.

Fontes:

https://www.personare.com.br/conteudo/astrologia-e-uma-ciencia-m7916

https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2023/01/a-astrologia-e-uma-ciencia

https://www.if.ufrgs.br/ast/astrologia.htm

https://ri.conicet.gov.ar/bitstream/handle/11336/88863/CONICET_Digital_Nro.08086913-67fd-44d2-a6f3-1157ffb6b732_A.pdf?sequence=2&isAllowed=y

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