A epidemia que matou mais que a guerra

Arthur Rodrigues
Jornalismo de Dados — UniRitter
3 min readJul 10, 2017
Mais de 50 milhões de pessoas morreram em decorrência da pandemia (National Museum/Reprodução)

Por Sidd Rodrigues

Enquanto a Europa assistia a inevitável capitulação alemã, no meio do ano de 1918, que levaria ao final da 1ª Guerra Mundial, uma das maiores epidemias da história da humanidade se preparava para descer as montanhas espanholas e se espalhar pelo mundo. Nos dois anos seguintes, a gripe espanhola mataria mais de 50 milhões de pessoas, aproximadamente 2,5% da população mundial.

As tropas do Kaiser Guilherme II do Império Alemão recuavam cada vez mais para o interior da Europa, empurrados pelo avanço das forças aliadas. Bombardeios e batalhas, ainda frequentes, se mostravam capazes de desafiar o poderio bélico alemão, enquanto submarinos daquele país ainda geravam pânico nas frotas dos aliados da tríplice intendente, estacionados no Mar Mediterrâneo e no Oceano Atlântico. O conflito, que até seu final, em 11 de novembro de 1918 matou cerca de 30 milhões de pessoas, foi o maior causador de óbitos na Europa desde a Peste Negra. Porém, este registro estava prestes a ser ultrapassado.

Vírus reconstituído da Gripe Espanhola (Wikimedia/CC)

Os primeiros casos de Gripe Espanhola foram observados durante as operações americanas e inglesas no teatro de guerra europeu durante o avanço sobre a França, em abril daquele ano. Rapidamente, a doença se espalhou, chegando à Grécia em maio e à Noruega em junho. Em questão de semanas, todos os continentes já registravam casos do vírus influenza, em uma mutação extremamente violenta e mortal.

A queda vertiginosa da expectativa de vida ao nascer nos países mais atingidos pela epidemia é comparável aos conflitos armados nas décadas seguintes. A Espanha, país que deu nome para a doença, viu seus índices despencaram de 42,63 anos em 1917 para 30,29 anos em 1918. Portugal, por sua vez, observou uma queda de 35,60 anos em 1917 para apenas 20,3 anos no ano seguinte. No Brasil, onde 300 mil pessoas morreram devido à doença — incluindo o 5º presidente da República, Rodrigues Alves — a taxa foi de 31,98 em 1917 para 26,68 anos. Pesquisadores modernos afirmam que a Gripe Espanhola matou mais em 24 semanas do que a AIDS em 24 anos.

Em destaque, curva da expectativa de vida ao nascer na Espanha, com queda acentuada em 1918 (veja o gráfico interativo aqui)

O principal vetor de contaminação foram justamente os militares, que transitavam entre países e levavam o vírus. A Marinha do Brasil, que enviou 1,5 mil marinheiros para o combate no Estreito de Gibraltar, viu 90% do seu efetivo expedicionário ser contaminado pelo vírus, sendo que 10% dos marinheiros morreram devido à doença.

90% dos marinheiros brasileiros que participaram do conflito foram infectados

Em 6 de setembro de 1918, enquanto a armada brasileira estava estacionada em Dakar, no Senegal, os primeiros casos da infecção foram registrados. No dia, 70 marinheiros do cruzador Bahia foram infectados. No dia seguinte, o número saltou para 200 na mesma embarcação. Ao todo, 156 marinheiros morreram em decorrência da gripe, enquanto poucas dezenas foram mortos pelos u-boat alemães. A esquadra brasileira permaneceu dois meses no Senegal para recuperar-se da epidemia.

A pandemia foi registrada em três ondas. A primeira, de menor intensidade, observada até agosto de 1918, acabou por gerar alguma resistência nas populações que tiveram contato com o agente patógeno. A segunda onda, iniciada em setembro daquele ano, foi de extrema violência, matando entre 6% a 8% dos infectados, em sua maioria de países que não haviam registrado casos no primeiro surto. A terceira e derradeira onda se deu já no início de 1919, durando até maio, concluindo um ciclo viral que ceifou milhões de vidas.

--

--

Arthur Rodrigues
Jornalismo de Dados — UniRitter

Jornalista e chef da minha cozinha. Siga-me também no instagram @ar.thrr