Caminhos da esperança

Aline Eberhardt
Jornalismo de Dados — UniRitter
6 min readJul 10, 2017

As rotas utilizadas por imigrantes que almejam uma vida melhor no Brasil

Por Aline Eberhardt e Rafael Martins

Todos os dias, Matar Diakrate, 34, deixa sua casa, no bairro Menino Deus, e parte sorridente para mais um dia de trabalho. Na esquina da Avenida Praia de Belas com a Avenida Bastian, às sete horas da manhã, o vendedor senegalês monta sua barraca. Tênis, meias, toucas e caixas de som portáteis são alguns dos produtos que contribuem para sua renda.

No Brasil há quatro anos, Diakrate também era vendedor de rua em seu país de origem, mas o retorno financeiro era insuficiente para sustentar a família: o filho de cinco anos, a esposa e a mãe. A perda do pai ainda em sua infância trouxe o sentimento de responsabilidade logo cedo, e foi na esperança de melhorar a qualidade de vida, resolveu deixar o Senegal para tentar melhorar sua sorte.

“A situação no Senegal é muito difícil”, conta. Ele acredita que, mesmo que o Brasil também não esteja em seu melhor momento, as oportunidades aqui são maiores. Todos os meses, R$ 1.500,00 são enviados a Dakar, cidade onde reside sua família. Outros gastos como aluguel, água, luz e telefone fazem com que sobre pouco dinheiro para a sobrevivência na capital gaúcha, onde mora sozinho. Mas Diakrate coloca o bem-estar dos familiares acima de qualquer coisa, inclusive o dele.

Distante cerca de 5 mil quilômetros do Brasil, o Senegal é um dos principais países de origem dos imigrantes que desembarcam em terras tupiniquins. Mas a rota dos senegaleses é difusa: a maioria opta por uma rota maior por custos menores e, assim, acabam fazendo viagens cansativas e de longa duração. Senegal, Espanha, Equador, Peru, Bolívia e, então, Brasil. A viagem acaba se tornando um martírio de até dez dias.

Rio Branco é a porta de entrada da maioria dos senegaleses: aproximadamente 70% dos imigrantes passam pelo Acre. Outras rotas, como as que têm uma parada — geralmente em Cabo Verde, na África — são pouco usadas pelo maior custo com passagens de avião, mas esses aterrissam direto na capital paulista.

Matar Diakrate é apenas mais um dos milhares casos de imigrantes em Porto Alegre em buscando melhorar a qualidade de vida, ajudar a família e conseguir sobreviver às crises econômicas. O dia em que saíram de seu país e deixaram suas raízes está vivo na memória de cada um.

A maioria dos imigrantes deixa seu país com 28 à 37 anos. Matar Diakrate faz parte desta estatística. Foto: Rafael Martins
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O que vier é lucro

O território gaúcho é um dos principais destinos de senegaleses e haitianos, sobretudo o interior, pois na capital o custo de vida é mais alto. Nas pequenas cidades e na região metropolitana, eles mudam o retrato da massa trabalhadora. A motivação? Fugir da pobreza. No Brasil, os imigrantes africanos podem ganhar até seis vezes mais do que no seu país de origem.

Doudine Pierre, 35, faz parte dessa estatística. Haitiana, deixou seu país em 20 de abril de 2013, acompanhada pelo marido, Doudmy, 38. Após passar por dificuldades de adaptação, agora os dois estão estabilizados em Gravataí, município com grande quantidade de imigrantes. A maioria chegou em meados de 2012, depois de passar pelo Acre. Pierre levou apenas quatro dias, sua rota foi Haiti, Panamá, São Paulo e, por fim, Porto Alegre.

Quatro anos depois, o casal está devidamente adaptado. Trabalham em estabelecimentos comerciais, uma padaria e uma indústria de massas; No tempo livre, dão aulas de francês e inglês. “Nos viramos como dá”, conta Doudine, com um sorriso contagiante.

Depois de Rio Branco, a capital mais utilizada para a entrada no território brasileiro é São Paulo. Clique aqui e confira o gráfico interativo.

O bom filho à casa torna

Em 19 de maio de 2015, uma terça-feira, Daoudoa Faye, 39, tomou a decisão que mudaria sua vida. Formado em matemática, Faye saiu de Dakar, capital senegalesa, em direção a Madrid. Seguiu ao Equador e, por fim, Brasil, seu destino final. Chegou ao território brasileiro pelo Acre e logo se dirigiu a São Paulo. Porto Alegre não fazia parte de seus planos, pretendia ficar pelo estado paulista e lá começar sua nova vida. Convencido pelo amigo e parceiro de viagem, tomou o ônibus para o Sul do país. Hoje, quase completando dois anos no estado gaúcho, o sonho é outro. “Voltar ao meu país”, a voz embargada acusa a saudade sentida.

Seu comércio informal fica na Avenida Júlio de Castilhos, no centro de Porto Alegre. Morador de um pequeno hotel na Avenida Farrapos, Faye geralmente se recolhe às sete horas da noite. “Isso quando não tem alguma confusão que nos obriga a ir mais cedo”.

A violência que cresce cada vez mais também assombra os imigrantes, principalmente por conta de casos de xenofobia, racismo e intimidações. Em 2011, em Cuiabá, o estudante de economia Toni Bernardo, de Guiné-Bissau e da Universidade Federal do Mato Grosso, foi espancado e morto por três pessoas. Em 2015, três angolanos foram espancados no bairro do Brás, em São Paulo. Em dezembro do último ano, foi mais perto: um jovem haitiano morreu esfaqueado em Gravataí, região metropolitana.

“A gente entende que está difícil para o brasileiro, com a crise na economia, com a violência. Mas quando estamos trabalhando e sendo agredidos sem motivo nenhum, a gente sabe que não é a violência comum de todos os dias. É xenofobia”, declarou Mor Ndiaye, presidente da Associação de Senegaleses de Porto Alegre.

Quando perguntados se desejam retornar ao país de origem, poucos dizem que não. Faye, enche o peito e conta da chamada homesick — saudades de casaque o assola todos os dias. “Não tem um dia que eu não pense nos meus amigos, familiares, minhas raízes”.

São jovens, têm escolaridade e só querem ir para casa. À exceção de Matar Diakrate, que não pensa em retornar ao Senegal e sim ir para a Europa, todos os outros entrevistados anseiam pela volta. Mas não querem voltar do jeito que saíram, ou para as mesmas condições. O sonho é, no conforto de suas origens, proporcionar qualidade de vida aos seus familiares.

A Avenida Júlio de Castilhos, no centro de Porto Alegre, acolhe mais de quinze comércios informais em toda sua extensão. Foto: Aline Eberhardt

Por que deixar o Senegal?
Após períodos de guerras e muitas disputas por terras, o Senegal conquistou sua independência apenas em 1960. Colonizado pela França, o país hoje vive o seu “melhor” momento. Mesmo assim, a economia local é muito fraca, fazendo com que não possa ser acolhida toda mão de obra do país. Com uma moeda muito desvalorizada, como o franco CFA, a alternativa que muitos senegaleses encontram é migrar para outros países, em busca de uma condição melhor de vida e oportunidade de emprego, mas nem sempre é o que encontram.

Por que deixar o Haiti?
O Haiti passou por uma grande tragédia no dia 12 de janeiro de 2010. Um terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter atingiu o país, causando a destruição da metade das construções, além de deixar cerca de 250 mil pessoas feridas, 1,5 milhão desabrigados e mais de 200 mil mortos. Além disso, o país é economicamente o mais pobre da América, com condições de vida extremamente precárias. Por conta deste fenômeno, muitos haitianos vieram para o Brasil em busca de melhorias, visto que, água potável, alimentação e remédios não são suficientes para suprir as necessidades. No país onde mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza, com menos de US$ 1,25 por dia, a solução foi vir para o Brasil para vender produtos nas ruas, em busca de uma condição de vida melhor do que a encontrada lá.

Confira detalhadamente as dez principais rotas realizadas pelos imigrantes entrevistados

** Todos os dados utilizados na matéria foram coletados pelos estudantes de Jornalismo de Dados da Uniritter — Aline Eberhardt e Rafael Martins. A reportagem entrevistou 30 imigrantes residentes em Porto Alegre e região metropolitana.

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