Três quartos das condenações femininas são por tráfico de drogas

A estatística reflete a realidade das unidades prisionais de Porto Alegre e segue a tendência nacional, em que delitos relacionados a drogas representam 68% das prisões femininas — Por Larissa Pessi e Luísa Meimes

Larissa Pessi
Jornalismo de Dados — UniRitter
3 min readMay 26, 2017

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Hoje no Rio Grande do Sul, a população carcerária feminina corresponde a 5,2% da total. Das 35.903 pessoas em cárcere no Estado na última semana, 1.875 eram mulheres. Com base no último relatório disponibilizado pela Susepe (Superintendência dos Serviços Penitenciários), em dezembro, 69,7% dos enquadramentos do Presídio Madre Pelletier, em Porto Alegre, foram por tráfico de drogas. O mesmo padrão foi constatado no Instituto Penal Feminino - unidade do Madre Pelletier para detentas do regime semiaberto -, onde 79,27% dos enquadramentos foram por este crime. No Instituto Psiquiátrico Forense, todas as seis mulheres internas também foram enquadradas por tráfico.

Nas três unidades prisionais de Porto Alegre que recebem mulheres, 287 das 395 condenações (72,6%) tiveram como causa o tráfico de drogas. Esse crime se mostra como um padrão histórico nacional. No levantamento feito em 2014, o Infopen constatou que 68% das condenações femininas no Brasil foram por tráfico de drogas não relacionado a organizações criminosas — a maioria apenas realizava serviços de transporte de drogas e pequeno comércio.

Segundo o IBGE, entre os anos 2000 e 2014, a população de mulheres cresceu 17% no Brasil, enquanto o número de presas aumentou 567%. “A tendência é que, a medida que as mulheres angariam espaços sociais — o que felizmente está acontecendo numa velocidade mais rápida, por conta das redes sociais que permitem engajamento, estruturação de coletivos e diálogo — (…), as mulheres alcancem espaços em todas as áreas, e no crime não seria diferente”, afirma Francisco Amorim, jornalista e doutorando em sociologia especializado em narcotráfico. Entre os principais motivos para este aumento está a substituição do controle das “bocas”, geralmente baseado em laços sanguíneos ou em estruturas menores de pessoas. Quando o traficante é preso, quem assume seu espaço, garantindo a manutenção de suas vendas, é, na maioria das vezes, alguém mais próximo, como familiares, incluindo sua companheira. Outra causa é a prisão em flagrante, quando a apreensão ocorre, muitas vezes, dentro das próprias residências, onde a companheira ou mãe do suspeito se faz presente. No julgamento, então, é avaliado se a mulher tinha ou não conhecimento da existência das drogas, e se tiver, é julgada por associação ao tráfico.

O tráfico de drogas, assim como atividades que exigem muita força, intimidação e violência extrema, geralmente é realizado pelos homens. “Como qualquer (outro) crime organizado, (o tráfico de drogas) é muito patriarcal. As relações de poder ainda se dão pela força, não só pela arma de fogo, mas pela imposição física, e ainda é um ambiente muito masculino”, esclarece Francisco. Por isso, este tipo de delito não apenas é o que mais encarcera mulheres, mas também os homens. “Hoje cerca de 52% da população carcerária do (Presídio) Central está (lá) por tráfico. (…) A partir de 2006, o volume de prisões por tráfico eleva rapidamente colocando o Brasil entre as 4 maiores populações carcerárias do mundo”, explica o especialista. Desde 2000, a população carcerária cresceu, em média, 7% ao ano no Brasil, totalizando um crescimento de 161% — valor dez vezes maior que o crescimento total da população brasileira, que apresentou apenas 16% de aumento no período.

Evolução da taxa de aprisionamento por 100 mil habitantes de 2000 a 2014. Fontes: Ministério da Justiça — a partir de 2005, dados do Infopen/MJ, e IBGE.

De acordo com Francisco, esse aumento do encarceramento por tráfico se deve a sanção da lei 11.343/06, conhecida como Lei das Drogas. “O entendimento das autoridades policiais e também do judiciário sobre o que é e o que não é tráfico ficou muito mais subjetivo, as provas circunstanciais e a análise ganharam um caráter mais subjetivo”, esclarece. Segundo o especialista, o crime entra como uma alternativa para superar a escassez de meios. Pelo tráfico ser um mercado socialmente construído e baseado em um interesse de consumo, as mulheres muitas vezes são obrigadas a manter o negócio, já que esse é um meio de obter renda. Francisco afirma que, mesmo muitas mulheres estando envolvidas neste crime, elas geralmente não estão no topo.

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