Investigação jornalística tem pela frente desafios conjunturais e estruturais

Falta de transparência e foco no hard news são desafios para o jornalismo investigativo crescer em 2017

5 min readDec 8, 2016

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A extensa cobertura da Operação Lava Jato e de seus desdobramentos jurídicos e políticos impacta negativamente o oferecimento e o desenvolvimento de pautas próprias investigativas nas redações dos principais jornais. Nunca houve nada igual no país e a imprensa procura abraçar essa realidade intensificando a cobertura diária, seja para as edições impressas, seja para o noticiário online.

Novas delações projetam meses igualmente atribulados, como tem sido a regra desde que a investigação veio a público no primeiro trimestre de 2014. A imprensa deverá continuar concentrando dinheiro e mão de obra no noticiário quente. A consequência lógica é a redução do investimento editorial em busca de temas e enfoques surpreendentes, fora da pauta óbvia diária, que formam a identidade do jornalismo investigativo.

Poderia ser diferente? É difícil dizer que sim. Seria um desrespeito ao leitor voltar as costas ou reduzir a equipe da cobertura do escândalo que tem potencial explosivo sobre alguns dos principais partidos brasileiros. Um jornal que fizesse corpo mole a essa grave crise seria como um nadador a enfrentar um tsunami. Um suicídio editorial.

Setores do Executivo e do Judiciário que comandam a Lava Jato controlam hoje informações de grande interesse público, como dados bancários e fiscais, trocas de mensagens eletrônicas e depoimentos de delatores sobre agentes públicos protagonistas em vários setores da vida nacional. É natural, portanto, que a prioridade dos jornalistas seja obter essas informações a fim de trazê-las a público para conhecimento geral. Resgatar informações sob controle secreto do Estado para o debate mais amplo é um trabalho jornalístico legítimo e legal feito ao longo de toda a história.

A prioridade das redações à cobertura diária coincide com um período severo da bem conhecida crise financeira dos principais jornais, com muitas demissões e queda brutal de receita. Porém, não são apenas aspectos conjunturais que dificultam o exercício do jornalismo investigativo no Brasil e certamente continuarão dificultando em 2017. Há problemas de fundo, de conceito e de realização.

Por alguma ou várias razões, a respeito das quais muito se poderia debater, as redações brasileiras nunca colocaram em prática núcleos de reportagem investigativa, comuns nos Estados Unidos e em países da Europa e da América Latina. Como tão bem exposto no filme Spotlight, essas equipes trabalham fechadas por longos meses com poucos temas. São comandadas por editores investigativos que não se confundem com os editores que já vivem sobrecarregados pelas obrigações do fechamento diário. O desenho blinda a equipe das exigências diárias e torna sua ação menos dispersa. Sem foco, sem saber de onde partiram e aonde querem chegar, jornalistas tendem a encerrar sua apuração antes que ela esteja suficientemente madura. Uma equipe nesses moldes, se existisse no Brasil, poderia ter atuado na própria Lava Jato, abrindo novas linhas investigativas ou revendo o trabalho investigativo oficial.

No mundo virtual, os esforços investigativos ainda são mínimos. O problema de fundo, que é encontrar novas formas de financiamento sem afetar a independência do veículo, não foi resolvido. O apoio do público, muitas vezes de grande importância, não se revela, a longo prazo, suficiente para sustentar uma operação jornalística mais aprofundada, que inclui muitos gastos com transporte, alimentação, hospedagem, telefonia, tecnologia e informação e principalmente salários. Permanece uma incógnita se empresários e governos brasileiros vão passar a entender a importância de uma imprensa virtual independente, não submetida a agendas políticas ou empresariais de ocasião, para a contínua construção da democracia brasileira. A experiência infelizmente indica que não.

Ao mesmo tempo, jornalistas de blogs e sites deveriam se eximir da busca direta de recursos. Revela-se urgente a criação de um sistema de captação que inclua um cordão sanitário que separe o anunciante ou investidor da atividade jornalística.

Mas o nó financeiro não é o único desafio de curto prazo: blogs e sites brasileiros ainda não compreenderam a necessidade de uma divulgação radical de suas fontes de renda e métodos de trabalho. Para todo lado que se olhe, surgem dúvidas e áreas de sombra sobre a receita desses veículos. Por exemplo, um site ocultar do leitor que também trabalha com assessoria de imprensa é um atentado jornalístico. Avançando nesse raciocínio, tais páginas deveriam urgentemente publicar códigos de ética e relatar seus métodos de apuração tanto quanto fosse possível. O leitor tem o direito de saber quem paga esses veículos. Os jornalistas que não resolverem essas dúvidas com determinação e coragem tendem a perder credibilidade, que continua a ser um importante ativo financeiro. Tudo está interligado. Não é possível criar um ambiente propício ao jornalismo investigativo sem que os próprios veículos ponham suas finanças a limpo.

O mesmo raciocínio se aplica a veículos tradicionais. Não basta dizer que as fontes de renda são os anúncios que as páginas dos jornais estampam diariamente, seria correto explicitar se há outras fontes de renda. Esse não é um debate com respostas simples, mas torna-se urgente numa sociedade em que a transparência é um valor fundamental.

PS.: Logo após concluir este texto, no final de novembro, eu soube que o Grupo RBS acaba de criar um grupo de jornalismo investigativo. Longa vida à iniciativa.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2017. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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Rubens Valente
O jornalismo no Brasil em 2017

Repórter desde 1989, trabalha na sucursal da “Folha de S Paulo” em Brasília. Autor de “Operação Banqueiro” (Geração Editorial, 2014)