Jornalistas precisam entrevistar o futuro antes de empreender

Brechas na cobertura local deixadas por grandes veículos são oportunidades para novas iniciativas, que requerem planejamento

Sérgio Lüdtke
O jornalismo no Brasil em 2017
5 min readDec 6, 2016

--

diferentes perspectivas para o jornalismo e para os jornalistas no Brasil. O jornalismo sofre ameaças de todo o tipo, que vão da incipiência dos modelos de negócios, e do consequente desmonte das redações, ao risco da perda da credibilidade, seu bem maior. Essa trajetória descendente fragiliza o jornalismo na luta cada vez mais árdua pela atenção dos leitores num mundo de informação abundante.

Os jornalistas, por sua vez, padecem com a diminuição dos postos de trabalho, com a necessidade imperiosa de incorporar novas competências e repertórios e com as incertezas dos cenários social, político e econômico do país. Porém, contam com oportunidades profissionais ampliadas tanto em um ambiente no qual empresas, instituições e personalidades também são produtoras de conteúdo quanto no universo das redes, espaços em que há demanda crescente por contadores de histórias, curadores, gestores de relacionamento e até por analistas de riscos e tendências.

Se optar por continuar trabalhando com jornalismo na sua definição mais clássica, o jornalista profissional vai enfrentar um segundo dilema: permanecer no ambiente cada vez mais inóspito e desesperançoso do mercado de trabalho tradicional ou criar seu próprio negócio.

A popularização da tecnologia torna a segunda opção mais atraente. Ela colocou o controle dos meios de produção nas mãos dos jornalistas e aproximou do zero o investimento necessário para começar um empreendimento jornalístico. Sem barreiras de entrada ou com obstáculos fáceis de transpor, a opção por criar seu próprio veículo e seguir pelo caminho do empreendedorismo é cada vez mais popular.

Além da falta de alternativas e perspectivas limitadas no mercado de trabalho, há outras razões que levam um jornalista a iniciar uma trajetória como empreendedor.

Entre elas, o empenho em fazer jornalismo com mais autonomia, o desejo de tratar profissionalmente de temas que domina e a intenção de defender causas. Qualquer que seja a razão na origem, o trajeto para cada uma delas está repleto de oportunidades e armadilhas.

As armadilhas costumam se esconder atrás das facilidades:

  • É fácil criar um veículo, mas costumamos deixar de lado o planejamento.
  • É barato manter uma iniciativa, mas não contabilizamos o custo das horas que dedicamos a ela.
  • Conseguimos medir a audiência, mas nos tornamos escravos dela.
  • Temos as melhores fontes e sabemos fazer o melhor conteúdo, mas esquecemos que esse diferencial não é suficiente para sustentar um negócio.
  • O digital é um ambiente próprio para opinião e para causas, mas corremos o risco de deixar de lado o jornalismo e nos tornarmos ativistas.
  • As redes sociais nos conectam rapidamente às nossas comunidades, mas acabamos abandonando a interação na nossa vizinhança e ficamos reféns dos algoritmos.

As oportunidades estão no vazio deixado pela derrocada ou pelo enfraquecimento da cobertura da mídia, na compreensão das especificidades do mercado digital, na capacidade de inovar e na habilidade de dominar novas tecnologias. Estão aí brechas na cobertura local deixadas por veículos que passam a ter pretensões nacionais e precisam fazer isso com equipes menores, demandas por contexto, dados e checagem de informações. Todos esses casos são oportunidades para iniciativas jornalísticas que se preocupem mais com contextos e com a experiência dos usuários e para empreendimentos que saibam lidar com diferentes formatos, como podcast, newsletter e visualização de dados.

Ainda que tenhamos pouca pesquisa, o que se percebe é que há mais curiosidade, mais informação, e as experiências são mais compartilhadas. Com isso, quem vai empreender está mais precavido e mais alerta para riscos e oportunidades.

No horizonte do empreendedorismo em jornalismo, sobretudo no digital, é preciso dedicar mais tempo ao planejamento. A pesquisa que realizei recentemente com empreendedores digitais revelou que dois terços das iniciativas pesquisadas não elaboraram nenhum plano de negócios antes de iniciar as atividades. Essa etapa, no entanto, é fundamental. E começa com uma entrevista com o futuro. É a hora de fazer todas as perguntas para as quais o empreendedor deve buscar respostas. Da qualidade dessas perguntas pode surgir um plano que garanta a maturidade do negócio e a independência do jornalismo.

Em 2016, as empresas de comunicação continuaram demitindo. Mas o fizeram no varejo, aos poucos, só que constantemente. Se os cortes de profissionais com salários mais altos ou mais tempo de casa, por um lado, empobrecem os veículos, por outro, podem tornar o jogo mais previsível. O profissional percebe que está chegando a sua vez. Se o fim das relações de trabalho parece algo inexorável, a previsibilidade pode ser uma aliada de quem souber se preparar para ter seu próprio negócio num futuro próximo.

Para 2017, os empreendedores do jornalismo digital no Brasil terão muitos desafios. Cada vez mais, a responsabilidade por fazer o jornalismo que a sociedade brasileira necessita estará nas mãos desses novos empreendedores. Entendida a necessidade de se fazer um bom planejamento, talvez o mais importante para a sobrevivência dos negócios seja a compreensão de que a independência financeira continua sendo a base para um jornalismo independente. Para isso, acredito que os jornalistas terão que fazer alianças com outras disciplinas, procurar associações com profissionais de outras áreas, de gestão, do marketing, da engenharia, em busca de sustentabilidade.

No saturado mercado da atenção, a inovação é outro tema fundamental. Está na hora dos novos empreendedores do jornalismo tomarem a frente na adoção de metodologias que ajudem na criação de novos formatos para a informação. Está na mão das novas iniciativas a experimentação de novos modelos de distribuição que se adaptem ao contexto de seus leitores, o desenho de sites que substituam os antiquados e desinteressantes portais de notícias e — por que não? — a definição de como será a notícia do futuro.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2017. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

--

--

Sérgio Lüdtke
O jornalismo no Brasil em 2017

Jornalista especializado em mídias digitais, diretor de interatores.com e editor do Projeto Comprova.