Longform, a qualidade como protagonista

Brasil tem público e profissionais qualificados para investir ainda mais no formato

5 min readDec 6, 2016

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O jornalismo longform tem futuro no Brasil? O que isso tem a ver com qualidade? Tem sido difícil separar o que se entende por jornalismo longform de jornalismo de qualidade. Dentre outras características, a qualidade está implícita tanto na concepção das pautas como no resultado final, fato atestado por séries de grandes reportagens como Tudo Sobre, da Folha de S.Paulo, e Uol Tab, ou ainda, em especiais como os publicados pelo Estadão, para falar na grande imprensa, além de iniciativas como o Brio Stories e o coletivo Repórter de Rua. Qualidade é o que se quer manter em um jornalismo que enfrenta uma crise gigantesca, que enxuga redações e desafia sua própria sobrevivência.

Há alguns anos, a partir de meados da década de 2010, pelo menos, o jornalismo brasileiro nos meios digitais vem apostando em conteúdos que prezam por uma apuração mais aprofundada e uma edição mais meticulosa. Em termos de linguagem, explora os recursos multimídia nos meios digitais, como vídeo, fotografia, infográficos e som, e um texto caracterizado por uma dimensão mais longa, cuja extensão ultrapassa as quatro mil palavras, pelo menos. Tudo isso, dentre outros aspectos, define o que tem sido chamado de jornalismo longform.

Inserida a qualidade nesta discussão, passa-se a outra questão que não quer calar: há público para esse tipo de jornalismo? E mais: como fica a sustentabilidade? As respostas à primeira pergunta são unânimes. Sim, há um público consumidor de longform no país, diz Marcelo Leite, jornalista da Folha responsável por grandes reportagens como a “A Batalha de Belo Monte”, “Crise da água” e “Desmatamento Zero”, da série Tudo Sobre. “Tivemos uma resposta muito boa, em todos os casos — diz Leite — então, eu diria que sim, há público. Mas você também tem que formar o público”. No ambiente digital, que permite agregar conteúdos multimídia, segundo Leite, abre-se um campo enorme para utilizar elementos como vídeo, foto, infográficos, dentre outros, que atraem um leitor que não está tão acostumado com um texto de mais “fôlego”: tais atrativos, para ele, não apenas têm a capacidade de informar em si mesmos, como também funcionam como chamarizes para o texto longo.

Para o jornalista, há campo para crescer. “Digamos que é quase uma cruzada, uma mistura de convicção e desejo. Eu acho que um dos problemas do jornalismo em geral é uma certa superficialidade, inclusive nesta época de diminuição drástica das equipes de redação, por força das dificuldades econômicas do país e a estiagem dos recursos de publicidade. Você tem pouco investimento em jornalismo de profundidade e menos ainda — e isto é uma falta de tradição no Brasil, — em jornalismo narrativo. E acho que é algo que faz falta”.

Engajamento e conexão com o leitor são aspectos fundamentais para se pensar a relação deste com o longform, segundo Daniel Tozzi, editor do Uol Tab. Métricas que aferem o tempo de permanência na página, ou a taxa de rejeição a um conteúdo (bounce rate), são prioritárias para sinalizar o quanto o público leitor tem se engajado com o formato. “Tem sido positivo desde o início, com tempo de permanência na página maior”, conta Tozzi, que, no entanto, atenta para a necessidade de se criar mais conexão com o leitor. O Uol Tab, nesse sentido, mantém-se como uma alternativa criativa dentro de um cenário em crise. Semanal desde outubro de 2014, está chegando a sua centésima edição no mês de dezembro.

O texto continua sendo o elemento principal de uma narrativa, na opinião de Esdras Marchezan, do Repórter de Rua. O modelo do longform, para ele, é fundamental para ajudar no processo de aproximação com a leitura. “É um movimento de resistência do jornalismo”, conclui.

Mercado? “Sim, temos”, responde Breno Costa, um dos criadores do Brio Stories, nascido em 2015 para publicar grandes reportagens em textos longform. “O longform gera uma concepção de muito mais valor do que o texto tradicional, por assim dizer, porque denota para o leitor um produto que demanda mais qualidade na sua produção”, analisa. O Brio, após passar por problemas estruturais que quase custaram sua sobrevivência, termina 2016 com uma programação de três ou quatro grandes reportagens garantidas para publicação em 2017 e um novo produto, o Brio Hunter. Misto de coaching, consultoria e espaço de qualificação de profissionais, a empreitada tem como um de seus objetivos fortalecer o Brio Stories. A ideia é ainda que o Brio Hunter crie uma equipe de reportagem investigativa, com talentos identificados no próprio grupo. Quanto ao Brio Stories, de acordo com Costa, trata-se de uma marca que “vai continuar viva, tentando maneiras de continuar ativa, mas não deve publicar nada até que se consiga financiamento para este modelo”.

Casos como o do Uol Tab ainda são escassos no Brasil, mas apontam para um incremento na produção desse tipo de conteúdo, especialmente do ponto de vista da periodicidade. O conteúdo sai toda segunda-feira e conta com patrocínio, mantendo-se como um formato que tem dado certo, segundo Tozzi, mas que ainda tem muito pela frente. “O futuro deste modelo passa obviamente pelo futuro do jornalismo, sempre partindo-se do pressuposto de informação de qualidade”, observa o jornalista. Vai abranger, de certa forma, tudo o que tradicionalmente envolve o engajamento da sociedade em julgar se aquilo é realmente importante. “E entender que aquilo tem um custo, que tem uma roda a ser girada, como em outras indústrias, como a musical, por exemplo, que já passou por essa readequação”.

Todos esses exemplos representam modelos de conteúdo criativo e inspirador, envolvendo o longform. Sinalizam, por isso mesmo, projeções positivas neste panorama, onde a inovação e a mente inventiva de editores, fotógrafos, repórteres e demais profissionais do jornalismo desafiam a crise apostando no jornalismo de qualidade.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2017. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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Raquel Ritter Longhi
O jornalismo no Brasil em 2017

Pesquisadora. Professora. Coordenadora do Grupo Hipermídia e Linguagem/CNPq e do Nephi-Jor/UFSC. Apaixonada por tudo isso.