O jornalismo tradicional vai descobrir os podcasts em 2017?

O conteúdo jornalístico já chegou e atrai uma audiência engajada e sedenta por um mundo que faça sentido

O jornalismo no Brasil em 2017
6 min readDec 6, 2016

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Se estivéssemos nos Estados Unidos e isso fosse um podcast, começaríamos a projetar 2017 com o som de caixa registradora. É aquele barulhinho bom, que deixa saudades em muitas empresas tradicionais de mídia:

A avaliação não é minha. Quem diz é o consultor de mídias digitais e referência sobre negócios e jornalismo Ken Doctor em um relatório para o Nieman Lab sobre o desempenho e os desafios das empresas de podcasts norte-americanas em 2016. O autor descreve o crescimento “explosivo” de receita de publicidade no formato e projeta incrementos de 25% ao ano até 2020, apesar de a fatia do bolo ainda ser muito pequena em relação aos outros meios.

Só uma coisa parece ser maior do que as expectativas de retorno financeiro de quem está investindo em podcasts nos EUA: a barreira da tecnologia. Facilitar a vida do ouvinte e gerar métricas confiáveis são os grandes desafios a serem vencidos em 2017, abraçados por empresas como Art19 (lançada oficialmente em agosto deste ano, tendo o New York Times como parceiro de conteúdo de mais expressão) e Panoply (mais antiga no mercado, parceira do Wall Street Journal, Vox, Sports Illustrated, Gimlet Media, entre outros).

Por lá, redes de podcasts que nasceram a partir de veículos mais tradicionais já começaram a dominar o mercado e concentrar a audiência. Seus produtos têm alto nível técnico, conteúdo qualificado e relevante e, muitas vezes, a presença de vozes consagradas pelo rádio ou pela produção jornalística, cultural ou intelectual.

E no Brasil? Qual a representatividade da mídia tradicional nesta disputa?

Fiz uma análise rápida dos rankings, no Brasil e nos EUA, nos 15 primeiros dias de novembro, usando dados do iTunes. Métricas de audiência de podcasts são (ainda) pouco precisas. O agregador da Apple nos dá uma referência que, se não espelha a realidade do consumo, ao menos nos oferece algum parâmetro. A tabela abaixo materializa uma intuição de muitos dos que acompanham a área: enquanto nos EUA a liderança já passou para os produtores mais tradicionais de conteúdo, por aqui, o campinho ainda é dos independentes.

Será que 2017 será o ano em que o mercado brasileiro de podcasts também irá amadurecer, com a entrada de empresas mais tradicionais? Embarcaremos no saudável ciclo de crescimento de audiência, investimento em conteúdo de qualidade, consolidação de modelos de negócios, evolução de tecnologia e retorno financeiro para quem produz?

Alguns insights logo abaixo da tabela.

Como jornalista, entusiasta do formato e produtora de um podcast, eu adoraria projetar um 2017 em que o ranking nacional do iTunes fosse um pouco diferente, com mais diversidade de temas. O ouvinte brasileiro é tão apaixonado assim por dicas de empreendedorismo, humor geek e aulas de inglês? Como a audiência responderia a outros assuntos? Existe espaço para produtos com viés mais jornalístico? Novas abordagens não trariam mais ouvintes? Vale a pena experimentar?

É bom lembrar que, nos Estados Unidos, a primeira temporada do Serial (uma longa reportagem produzida por parte da equipe do This American Life/WNYC) é considerada por muitos a responsável pelo surgimento de uma nova “era de ouro” dos podcasts, atraindo milhões de novos ouvintes. É possível repetir o fenômeno no Brasil?

Os sinais indicam que, por aqui, a produção de conteúdo com caráter mais jornalístico, focado em informar ou explicar notícias locais, nacionais e internacionais, seguirá dominada por players independentes.

Um bom exemplo é o podcast Mamilos, que aparece no ranking acima. Juliana Wallauer e Cris Bartis são publicitárias e apresentam o programa que se propõe a entregar um “jornalismo de peito aberto”, ou “as polêmicas da semana discutidas com inteligência, empatia, tolerância e bom-humor”. Elas trazem jornalistas, especialistas, cases e apresentadores de outros podcasts para destrinchar temas da atualidade com um grande esforço para tentar compreender os diversos lados de cada história, por mais polêmica que seja. De acordo com esta reportagem da Vice, o programa tem uma média de 50 mil ouvintes por semana (os episódios são semanais).

É um conteúdo completamente diferente dos outros integrantes do ranking brasileiro. E parece sinalizar que o ouvinte está, sim, sedento por jornalismo neste formato que, de novidade, não tem nada. O Café Brasil, em 9º lugar na tabela, tem 10 anos de estrada, destacando-se pela qualidade técnica e apostando em crônicas que procuram provocar reflexões sobre comportamento, trabalho e sociedade. O Mamilos faz parte do B9, empresa que produz conteúdo para a web desde 2002, informa ter 1,3 milhão de visitantes únicos/mês em seu site e publica outros nove podcasts. E ela não é a única produtora independente a se destacar com produtos jornalísticos em áudio originais para o digital.

O pessoal do Anticast, que surgiu dentro do B9 e decidiu recentemente desvincular-se da empresa de origem, produz um programa de debates sobre atualidades com o mesmo nome e também experimenta no Projeto Humanos uma abordagem mais inspirada em áudio storytelling, aproximando-se do estilo de This American Life ou Serial. No total, são oito programas produzidos pelo grupo.

O Xadrez Verbal, da produtora Central 3, é referência em política internacional. Dois dias depois da vitória de Trump, publicou um episódio de quase quatro horas analisando os resultados e projetando o futuro. No dia seguinte à publicação, o programa chegou ao 11º lugar no ranking geral do iTunes. São 24 programas no portfólio da Central 3, sobre temas bastante variados.

Onde existe conteúdo que nos ajude a dar algum sentido ao mundo, lá vamos nós, os consumidores.

O Nexo Jornal larga na frente como uma empresa jornalística dedicada a explorar o formato neste momento de renascimento dos podcasts. Já as empresas de mídia tradicionais (como a CBN) marcam território reproduzindo trechos ou íntegras do que foi ao ar no rádio. Não parece provável que o cenário mude muito ao longo do próximo ano.

Enquanto isso, o interesse da audiência e das marcas deve seguir avançando em passos mais lentos do que o ideal. É claro que a não participação dos grandes torna a caminhada mais lenta. Por outro lado, diferentemente do cenário americano, ainda não temos o jogo concentrado em poucas estrelas com origem no modelo de mídia tradicional. Ouvimos vozes com sotaques diversos e níveis de qualidade técnica mais díspares ainda, desde que o conteúdo seja relevante. Nada está definido e há alguma igualdade de oportunidades: é o momento em que estúdios com equipamentos caros, os melhores softwares de edição ou a relativa fama de um apresentador ainda não são capazes de ganhar do bom conteúdo.

O podcast está aí há mais de 10 anos, mas aqui no Brasil as possibilidades como produto jornalístico estão recém começando a serem exploradas.

Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2017. A opinião dos autores não necessariamente representa a opinião da Abraji ou do Farol Jornalismo.

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O jornalismo no Brasil em 2017

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