A marca do artesão na economia gaúcha

Aline Eberhardt
Jornalismo Econômico UniRitter Fapa
6 min readSep 7, 2017
A tecelã Maria Terezinha Luck lucrou aproximadamente 15 mil reais em peças vendidas na Expoargs 2016. Crédito: Aline Eberhardt

Para complementar a renda ou ser a fonte principal de sustento: como a Exposição de Artesanato do Rio Grande do Sul, durante a 40ª Expointer, se tornou uma boa saída para driblar a crise

Por Aline Eberhardt, Ariadne Kramer e Tainá Flores

Simultaneamente à Expointer, acontece o maior evento de artesanato do estado, a Exposição de Artesanato do Rio Grande do Sul (Expoargs). Neste ano, a 34ª Expoargs contou com 240 artesãos de 49 municípios gaúchos, distribuídos em 118 estandes. Segundo dados da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), os números de peças vendidas nos primeiros seis dias de feira ultrapassaram 16 mil.

Bijuteria, argila, biscuit, crochê, couro trançado, bichos e bonecos, patchwork, tecelagem, entalhe em madeira, cutelaria, pintura em tecido, escultura em gesso, tricô, típico regional, macramê, marchetaria, resina e dobraduras são algumas das peças comercializadas na feira.

"Comprei facas artesanais, um poncho, um chapéu", conta sorridente o consumidor Lênio Geiger. Natural de Novo Hamburgo, morou no exterior por dez anos e agora, "para recuperar", veio mais de duas vezes na semana passada. Com diversas sacolas na mão esquerda, Geiger relembra os tempos em que o pavilhão de artesanato era algo muito menor. "Agora está mais diversificado, tem mais variedades".

A maior feira da América Latina, recebe visitantes de todo o estado e também do Brasil inteiro. A lei que regulamenta a profissão de artesão no país foi sancionada em outubro de 2015. Desde então, os profissionais têm apoio da Secretaria de Turismo e do poder Executivo.

Com as vendas, os artesãos não só movimentam a economia local como o mercado de turismo brasileiro. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o mercado de artesanato movimenta anualmente 50 bilhões de reais.

O casal Aloísio e Íria Hastenteufel veio à feira pela terceira vez e, de lá para cá, também vêem aumento significativo nos estandes e no público que frequenta o pavilhão. Quem não compartilha da mesma opinião, é a tecelã artesanal Maria Teresinha Luck, que expõe há oito anos na Expoargs.

A visão do artista

“O artesão aqui, não está criando. Sei que as pessoas procuram uma fonte de renda, mas acabam invadindo o espaço do outro. Sinto que a habilidade manual é copiada. Dá pra perceber que aqui dentro tem uns 30 expositores de incenso, por exemplo. A feira acaba ficando monótona para o visitante. Eu ouço muito isso pelos corredores, os clientes reclamando da mesmice. Acaba ficando mais difícil para vender”, conta a tecelã.

No levantamento do ano de 2016, dona Maria Teresinha arrecadou 5 mil reais em peças e 10 mil reais em ferramentas para tecer. A tecelã afirma que todo o dinheiro investido na produção é revertido para seu bolso e que ainda sim vale à pena entrar na disputada fila para expor na Expoargs. “A seleção é bem rigorosa, precisa ser filiado ao FGTAS, se inscrever e ser avaliado. É preciso não só peças criativas, mas um bom acabamento”, afirma.

Toucas, casacos, ponches, roupas para bebê, toalhas de mesa, coletes, entre outras peças, compõem o colorido estande da orgulhosa tecelã que trabalha com fios industrializados. Além de todos esses produtos, a máquina de tear de pente silício também está à venda, como também é oferecido pela dona Maria um curso para aprender a tear.

Com experiência de mercado de anos, Maria é rápida para afirmar que as vendas já foram melhores. “O movimento vem caindo de dois anos para cá. Não foi bom, mas não foi bom pra ninguém, né? Apesar disso, ainda venho vendendo bem”, diz a artesã. Do lado direito do estande colorido de dona Maria, outro artesão acredita no artesanato.

Romildo Habitante atendendo clientes na Expoargs 2017. Crédito: Ariadne Kramer

“Tendo produto, tu vende”, conta Romildo Habitante. Morador de Santa Rosa, percorreu 485 km para estar presente pela primeira vez na Expointer. Em seu estande, na área leste do pavilhão de artesanatos, estão facas campeiras, com cabos de tatú sintético, cabos de alpacas chilenas, madeira, chifre, folhados em ouro ou prata. Bombas para chimarrão e espetos também fazem parte do catálogo. A renda de Habitante se dá totalmente pelo artesanato.

Oportunidade de dinheiro extra

Próximo das “Facas Habitante” está Marli Pereira, expositora de Gravataí. Há cinco anos ela e dois amigos montam o estande com bonecas de pano, panos de prato bordados e vasos de flores. Para ela, estar na feira é a melhor oportunidade para divulgação do trabalho. O trio responsável pela confecção dos produtos faz parte da Associação Regional de Artesãos Solidários (Arasol). Para eles, o artesanato não chega a ser sua principal fonte de renda. “Eu trabalho, mas as empresas não estão pagando bem, então isso acaba sendo um complemento”, diz.

Arasol é um dos três grupos de artesãos em Gravataí, região metropolitana. Crédito: Aline Eberhardt

Marco Antônio Cardona trabalha com artesanato há mais de 20 anos. Ele e a esposa Cláudia, funcionária pública, produzem, entre outros produtos em cerâmica, miniaturas de gado e pequenas esculturas de gaúchos com chimarrão e tudo. O casal de Alegrete percorreu mais de 500km para chegar até o Parque de Exposições Assis Brasil. Donos da marca MC Artesanato, participam da feira pela 8ª vez consecutiva. “Aqui é uma vitrine”, explica Marco. Ele, que expõe só na Expointer, preza pelas conexões feitas com o varejo, já que também vende seus produtos para lojistas.

A 40ª Expointer recebeu, em nove dias de feira, mais de 382,6 mil pessoas e movimentou mais de 2 bilhões em negócios. Para Marlene Leal, coordenadora da Fundação Gaúcha do Trabalhador e Ação Social (FGTAS), a importância do artesanato para a economia gaúcha se dá porque “o artesão não concorre com nenhuma outra profissão, ele trabalha e vive de sua renda que é um salário mínimo e meio, então, sabendo que hoje o salário mínimo é de R$ 937,00 reais, eles ganham muito mais do que isso”. É necessário ressaltar também que, através dessa produção artesanal, oportunidades de emprego são geradas.

Marco e Cláudia Cardona viram na paixão do artesanato um auxílio nas despesas financeiras. Crédito: Aline Eberhardt

Segundo a lei

Também responsável pelo Programa Gaúcho de Artesanato (PGA), projeto desenvolvido pela FGTAS, Marlene é quem cuida do cadastro dos artesãos. Há seis anos na área, ela explica que para o candidato expor sua manufatura na Expoargs, é preciso passar por alguns testes.

“Para um artista ser considerado artesão, ele tem que provar seus talentos manuais, demonstrando técnica e habilidade em qualquer tipo de matéria prima”, diz Marlene. Assim que for aprovado, recebe a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) carimbada como artesão, o que garante todos os benefícios perante a lei. Todo o trabalho produzido se vende com nota fiscal e isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS).

O PGA possui 31 casas, mais de cinco feiras fora do Estado e a feira de maior exposição, a Expoargs. Para participar, o artesão tem que se inscrever a partir de março em qualquer posto FGTAS Sine, que está na FGTAS há 38 anos, passar por uma seleção e os melhores trabalhos serão escolhidos e estarão expostos na feira.

Em 2015, o lucro alcançado pela Expoargs foi de quase 1,2 milhões de reais. No último ano, o valor caiu para 1 milhão devido à crise econômica do Brasil, o que dificultou a venda e o pagamento do salário, que está sendo parcelado. Para a coordenadora do programa, não era possível alcançar a meta, mas com o decorrer da Feira, o número esperado foi atingido.

67% dos municípios no país tem o artesanato presente na economia. Crédito: Aline Eberhardt

“Dificuldades como conseguir materiais e equipamentos para a produção dos produtos são fatores que levam ao reconhecimento do trabalho manual”, explica o artesão Marco Antônio, de Alegrete. A Expoargs deste ano contou com a presença de 10 artesãos que estiveram expondo pela primeira vez na feira. Passar pela triagem é um processo difícil, porém de valorização de trabalhos bem feitos e de qualidade.

A técnica de transformar matéria-prima em peças únicas por meio do trabalho manual é utilizada pelo homem desde o início da sua história, no período neolítico (6.000 a.C). De acordo com o IBGE, mais de 8,5 milhões de pessoas fazem do artesanato seu pequeno negócio.

Para incentivo do crescimento desse setor, a FGTAS promove cursos de diversas áreas. Tecelagem, entalhe em madeira, desenho artístico e patchwork são algumas das oficinas oferecidas. “O artesanato tende a crescer ainda mais, por isso é de fundamental importância esse apoio”, ressalta Marlene, responsável pelo Programa Gaúcho de Artesanato (PGA).

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