As sócias Thais Silveira e Renata Lopes no lançamento da Revista Pretas em 26 de agosto deste ano na Casa de Cultura Mario Quintana.

A coisa tá preta em Porto Alegre

Cris.Vargas
Jornalismo Econômico UniRitter Fapa

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O lançamento da Revista Pretas na capital gaúcha tornou-se um novo incentivo para contar histórias pelo olhar de mulheres negras.

Por: Rebeca Souza e Cris Vargas

Desde o período estudantil, Thais Silveira de 32 anos, jornalista e empresária sentiu a necessidade de falar sobre temas direcionados ao público afrodescendente “Quando eu comecei a trabalhar na área de comunicação, percebi que as pautas que conduzia nunca eram sobre assuntos afros. E independente do evento que eu fosse assessorar, fosse saúde, moda ou qualquer outro setor, dificilmente as fontes seriam negras, então houve o questionamento “Porque não estamos ali?”. Levar visibilidade as pessoas negras, esse era o objetivo desde a faculdade, juntamente com sua sócia Renata Lopes.

Para trazer voz e destaque a essas pessoas que lutam para ocupar um espaço na sociedade e tornar os negros protagonistas e contadores de suas próprias histórias, Thais e Renata, criaram a Revista Pretas que surgiu em 2013. Porém as dificuldades financeiras, a resistência dos investidores, e a preocupação de achar espaço no mercado, tornaram seu lançamento possível em 26 de agosto deste ano.

A Revista Pretas com linguagem simples mas de rico conteúdo, mostra o empoderamento da mulher negra com sensibilidade. Trazendo para a sociedade informações sobre esse público que também merece destaque sem ser vitimizado ou apontado pelo olhar do preconceito. Seu primeiro exemplar já teve grande aceitação, onde comprovou que o seu objetivo foi bem aceito por todos os públicos sem definir sua cor, assim como movimentos que lutam a favor da causa. Esse é um assunto que merece ser pautado, pensado e mostrado com positividade.

Para poder contar a história de acordo com seu olhar e importância, a população negra precisa perder uma imagem construída a base de estereótipos e generalizações para ocupar o papel de protagonista. “Apesar de muitas empresas falarem de diversidade e apoiar a causa, houve muitas dificuldades quando íamos fechar um acordo e surgiam as “desculpas”, relembra Thais Silveira.

O mundo empresarial mostra muita resistência em abraçar a causa a favor dos negros, no entanto as sócias começaram a trazer eventos importantes para Porto Alegre. Além da revista Thais e Renata são também proprietárias da Editora A Coisa Tá Preta, com a ideia de dizer que se “a coisa tá preta, então a coisa tá boa”, trazendo o lado positivo aos assuntos ligados a população negra.

Com determinação e coragem essas mulheres negras e empreendedoras, trouxeram o Encrespa, movimento da cidade de São Paulo, evento que acontece no Brasil e também no exterior. “É um encontro de pessoas para falar da valorização do cabelo natural, mas não como um posicionamento e sim para que as pessoas se enxerguem em suas raízes com o cabelo natural, entendendo que o processo não é só voltar ao cabelo natural e sim que é uma questão histórica, pois desde pequenas somos ensinadas a seguir um padrão”, afirma a jornalista.

A intenção era de promover encontros, e também trazer para a sociedade todas as temáticas raciais para as pessoas obterem informação. O evento teve excelente resultado, a organizadora explica o porque: “Vimos ali a necessidade que as pessoas tinham de falar sobre o assunto, não só negras como não-negras”. As empresárias foram surpreendidas com um público três vezes maior ao esperado por elas no evento que haviam trazido de São Paulo — o Encrespa — cuja idealizadora ambas conheceram na Feira Preta, maior feira de Afro Empreendedores da América Latina, e completou 15 anos

A Coisa Tá Preta também responsável por conduzir e produzir os eventos Afromeeting e o Negritude na Praça, são essas as formas de trazer evidência para o assunto.

Uma Porto Alegre desigual

A capital gaúcha lidera o ranking de desigualdade social no país com maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) entre negros (0,705) e brancos (0,833), ou seja 18,2% de diferença — sendo que a média nacional é de 14,42 — segundo dados do desenvolvimento humano para além das médias, revelados pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Os dados levantados a partir do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre os anos 2000 e 2010, foram baseados em fatores como educação, longevidade, renda, cor e situação domiciliar, considerando os estados, 20 regões metropolitanas e 111 municípios com população igual ou maior a de Palmas (capital menos populosa).

Áreas como educação e mercado de trabalho são as mais afetadas pela hierarquia, ou pirâmide hierárquica onde um homem branco ganha 46% mais que um homem negro; um homem negro 79% a mais que uma mulher branca; e uma mulher branca 40% a mais que uma mulher negra.

Mas na capital gaúcha, há um viés histórico vergonhoso dos nomeados “heróis”, entre eles Duque de Caxias, que explica porque os negros sempre são colocados a margem. O Manifesto Porongos, conta a história dos Lanceiros Negros que se juntaram aos gaúchos na Revolução Farroupilha em troca de sua liberdade. Mas na calada na noite, seguindo ordens de Duque de Caxias e David Canabarros, seus aliados foram desarmados e massacrados sem chances de defesa. Uma ferida aberta no povo gaúcho negro, que com a voz de Rafa Rafuagi por meio da música Manifesto Porongos, torna-se mais forte em novembro quando assuntos voltados a cultura negra tornam-se destaques.

A população negra ainda apresenta números expressivos ao que diz que levam ao preconceito, racismo, baixo nível de escolaridade, com menos oportunidades e pouco crescimento no mercado de trabalho. Mesmo estando na base da pirâmide da nossa classe social, ainda precisam ultrapassar as barreiras impostas pela sociedade durante 365 dias do ano. Estudos apontam que são os mais atingidos pela violência, discriminação e precisam mostrar ao mundo que o seu conhecimento está além da sua cor.

Da Sala de Aula Para a Moda

A estilista Claudia Campos, divulgando sua marca Clau na 4ª edição da Domingueira no Lago em Viamão, RS.

Claudia Campos, 38 anos, é formada em história, ela conta que depois de lecionar em escolas por 10 anos decidiu cursar moda, decidiu investir em sua marca Clau. Porém durante o tempo que procurava emprego não conseguia inserção no mercado de trabalho. “Meu objetivo não era ser professora, funcionária pública, sempre foi trabalhar no privado. E como eu já trouxe essa decepção da licenciatura, de buscar emprego, bater de porta em porta e não conseguir, eu não queria que acontecesse o mesmo na área da moda”, conta a estilista.

Desde as salas de aula a professora sempre procurou falar sobre a cultura negra para seus alunos. Essa era sua forma de sempre levar conhecimento e mostrar a riqueza dos Afro Brasileiros. “Eu sempre pensei dessa forma, se eu enquanto professora de História e negra não fizer isso, quem vai fazer?” questiona Claudia. Adotou então essa política durante os 10 anos que lecionou, fazendo com que a cultura afro, não fosse falada e pensada somente nas suas datas do dia 13 de maio, (Abolição da Escravatura) ou no 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra).

As especializações em história Africana e Afro Brasileira juntamente com o mestrado, agregaram em sua formação em design de moda. A ex-professora decidiu pegar temas dentro dessas culturas para reproduzir em suas estampas. Sempre resgatando as questões políticas e sociais do negro no Brasil.

O plano de negócio inicialmente foi pensado na área de Personal Stylist, área que trabalhou como freelancer. Ao desenvolver a cadeira de design de superfície, descobriu sua paixão, tornando então o diferencial da marca Clau. Com o desenvolvimento das estampas em tecidos sustentáveis, utilizando a fibra da garrafa pet, a empreendedora atualmente participa de feiras de economia lucrativa do estado, para vender e divulgar suas peças.

As dificuldades iniciais fortaleceram a estilista a tomar frente do seu negócio. “Houve um retorno daquela coisa do negro no trabalho braçal. Porque eu produzia, depois eu saia com diversas sacolas. Enquanto montava toda a estrutura e pensava que minha mãe dizia para mim estudar, para que eu não precisasse fazer força, mas sim trabalhar em um lugar no qual eu precisasse utilizar somente o intelectual, ela queria que eu fosse um ser pensante. Então para mim foi difícil, mas eu me dei conta de que existia um espaço, um retorno as coisas manuais”, lembra Claudia.

Ao longo desses três anos, desenvolvendo seu trabalho na moda, e ganhando destaque, surgiram as associações ReAfro (Rede Brasil Afro Empreendedor) e ANAMAB (Associação Nacional da Moda Afro-Brasileira), com objetivos sociais de estimular os afro empreendedores. O mercado de trabalho mostra a diferença devido a população branca possuir os melhores cargos e salários. Para os negros é possível analisar que esses dados ainda permanecem em baixa, devido possuírem cargos menores e também salários inferiores aos dos brancos.

Segundo os dados divulgados no início desse ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) as taxas de desemprego são de 14,4% entre negros e 9,5% entre brancos. A diferença salarial também é um indicador de desigualdade entre as raças. Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) a população negra tem maior dificuldade em conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Quando surge a oportunidade a diferença salarial fica para os brancos acima de R$ 2.500,00 e para a população negra em média de R$ 1.400,00 e as vezes até menor que isso.

O empreendedorismo negro surgiu a muito tempo por uma questão de sobrevivência, a necessidade de entrar no mercado de trabalho e de crescer na carreira independente da área, uma outra maneira de obter sucesso. Quando se trata de economia, 38% dos empreendedores brasileiros são negros, sendo um número superior aos empreendedores brancos, porém o desconhecimento dos empreendedores sobre esse fato gera dificuldades para que se coloquem no mercado de trabalho.

Desigualdade Brasileira

Quando começamos a pensar na construção da nação brasileira, é possível definir o lugar de cada um na sociedade, onde textos, legislações e leis ligadas aos intelectuais mais importantes desde a Proclamação da República Brasileira definem o lugar do negro como a margem, “Os negros vão ser entendidos nesse processo, e no processo de transição da mão de obra escravizada para mão de obra remunerada, como não adequados ao trabalho assalariado”, afirma Deivison Campos, coordenador do curso de jornalismo e do núcleo dos Afro-Brasileiros da Ulbra.

Devido a essa dificuldade de encontrar portas abertas onde pudessem pensar em construir uma carreira profissional que vem aumentando o número de negros empreendedores no país. Nos dias atuais, é possível ver eles saírem da margem do desemprego e ocupar lugares de destaque.

A desigualdade social tem sido por anos um assunto complexo que afeta grande parte dos países atualmente. O Brasil, segundo pesquisas da PNAD 2011 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), encontra-se em oitavo lugar dentre os países com maior índice de desigualdade social e econômica do mundo. Pesquisas da ONU (2010) indicam que as principais causas são:

  • Acesso à educação de qualidade;
  • Má distribuição de renda;
  • Disponibilidade de serviços básicos como: saúde, transporte e saneamento básico.

Os afro-brasileiros já saem em desvantagem no quesito educação. Estudos mostram que brancos permanecem em média de dez anos há mais que negros nas escolas e universidades. Os dados divulgados pelo IBGE em 2016 mostram que mais de 80% da população branca conclui o ensino fundamental.

Enquanto para os negros essa média fica mais ou menos entre 65%, respectivamente. Essa desigualdade é o reflexo da condição de vida, muitos negros já começam a trabalhar antes mesmo dos dez anos de idade permanecendo por menos tempo na escola. Dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), indicam que o atendimento de crianças negras de 4 e 5 anos em pré -escolas é de 5,7% a menos que de crianças brancas.

No ensino fundamental, 82,6% dos concluintes são brancos de até 16 anos, enquanto 66,4% são negros, e de acordo com com a Síntese de Indicadores Sociais, 12,8% da população negra chega ao ensino superior, enquanto 26,5% já estão cursando.

Essas diferenças tem incomodado alunos e professores da faculdade UniRitter Zona Sul, entre eles a estudante de psicologia Monique Machado de X anos. “Nossa professora — Viviane Buriol (coordenadora do NUPSIS — Núcleo de Psicologia Social UniRitter) — estimulou várias alunas negras, que já militavam de alguma maneira. E juntas nós criamos o INTERFACES ”.

O projeto trabalha o empoderamento negro nas profissões com atividades que sugerem discussões sobre causas raciais, negros no mercado de trabalho, primeiros movimentos que trouxeram o tema para as questões trabalhistas por meio da arte, da cultura e da música. Um movimento cultural que envolve alunos em formação ou conclusão acadêmica.

Uma Porto Alegre mais justa

N a busca por igualdade no mercado de trabalho e na vida social, movimentos criados por aqueles que ainda são excluídos e condenados pela sociedade historicamente, tentam reverter tal situação com eventos, revistas, debates, músicas e demais maneiras de demonstrar que ser negro não é um demérito, é uma luta diária por aceitação, por menos discriminação, por mais oportunidades.

Os negros estão em maior número como empreendedores por falta de oportunidade, são donos de seus próprios negócios, dando a volta por cima daqueles que muitas vezes lhes fecham as portas do conhecimento devido as preconceitos já entranhados por baixo da pele. Para quem acredita na igualdade, a melhor maneira de ajudar é participando, tomando conhecimento sobre o assunto, para as empresas, tornar igual o número de funcionários negros e brancos pode ser um ponta pé inicial. Para faculdades e instituições de ensino, chances de ingresso igualitário seria primeiro passo nesse processo.

Mas indo mais embaixo, melhorando o ensino público e tornando-o um ensino de qualidade para que haja uma competição justa entre pobres e ricos, seria um bom começo para que com o tempo, negros e brancos se encontrem num mesmo patamar.

Relatório

Responsável pelo agendamento das entrevistas com Deivison Campos, Cláudia Campos, Thaís Silveira e Monique Machado: Cris Vargas.

Entrevistas realizadas por: Rebeca Souza e Cris Vargas.

Edição: Rebeca Souza.

Revisão: Cris Vargas.

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