Legado familiar: agricultura que consolida renda e economia brasileira

Camila Emil
Jornalismo Econômico UniRitter Zona Sul
8 min readSep 5, 2017
Espaços como a Expointer dão visibilidade a agricultura familiar. Foto: Camila Emil

Por Camila Emil, Giulia Medeiros e Isabelle Silva

Desde o plantio até chegar na mesa das famílias, o alimento passa por diversos processos. Boa parte dos insumos consumidos pela população brasileira vem da produção da agricultura familiar. Diferente do agronegócio em que a produção agrícola está diretamente ligada às indústrias, visando o lucro e a produção em grande escala, na agricultura familiar o foco é a sobrevivência e a qualidade do alimento, em uma produção de menor escala.

Hoje o pequeno agricultor ocupa um papel de grande destaque na cadeia produtiva. Ele é responsável por grande parte do abastecimento do mercado alimentício, além de representar, aproximadamente, 40% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Segundo o Censo Agropecuário de 2006, realizado pelo IBGE, foram identificados mais de 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Este numeroso contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros.

Neste mesmo ano, a Lei 11.326 definiu critérios para a formulação da Política Nacional de Agricultura Familiar. O agricultor não pode, a qualquer título, obter área maior do que quatro módulos fiscais, deve utilizar predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento, necessita de percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento e deve dirigir seu empreendimento com sua família.

Mirian Costa, 53 anos, agricultora familiar e estudante de desenvolvimento rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) acredita que houveram muitos avanços no campo desde a década de 90. “Foi onde eu me enxerguei, então graças às políticas públicas e de governo, a gente conseguiu se desenvolver. E hoje eu vejo que antes de 2000 não tinha essa visão do que era o agricultor familiar”, afirma.

Mirian tem uma agroindústria legalizada para produção de sucos, doces e conservas. Foto: Giulia Medeiros

Outro fator de grande influência na valorização deste trabalho, são as oportunidades de divulgação dos produtos que são cultivados. São elas que ajudam na visibilidade do trabalho realizado por essas famílias e ocorrem por todo o país. O Parque Estadual de Exposições Assis Brasil (Expointer) este ano realizou a 40ª edição da maior feira a céu aberto da América Latina e que, há 19 anos, conta com um espaço especial dedicado somente à agricultura familiar.

Maria da Costa, 61 anos, é agricultora e expositora na banca “Antonique”. Ela conta que sempre plantou, mas que demorou para legalizar. Atualmente ela e seu marido, Antônio, plantam Cana-de-Açúcar, de onde tiram o mel, melado, pé-de-moleque, geléias e rapaduras. “A gente planta ela e colhe só depois de um ano e, às vezes, deixa pra dois anos ainda. A plantação dela é normal, igual qualquer outra planta. Corta o pendão da cana, deixa ela dar mudinha e semeia, faz a estradinha dela, semeia e planta com terra”, explica Maria. Ela ressalta a importância que as feiras tem para sua renda familiar, mas também apresenta a dificuldade do dia a dia. “A gente sai pra essas feiras, dez dias fora de casa, inclusive meu marido está lá cortando cana, porque a gente tem feira no município hoje e amanhã. Ele ontem foi pra produzir, a nossa vida tá bem corrida, mas a gente precisa começar a separar, não tem como mais acompanhar tudo”, afirma.

O melado, a partir da produção de Cana-de-Açucar, é uma das apostas de Maria e Anônio. Foto: Giulia Medeiros

Produção livre de venenos

A procura por opções mais saudáveis e livres de quaisquer resíduo químico vem crescendo ao longo dos anos. Devido a esta preocupação do consumidor, a demanda pelos alimentos orgânicos aumentou a produção significativamente, fazendo com que o agricultor busque um equilíbrio entre o cultivo e o desenvolvimento sustentável.

O arroz irrigado e seus derivados vem ganhando espaço no mercado da agricultura orgânica. O seu plantio possui técnicas de manejo sustentáveis e conta com uma grande recuperação do solo após a colheita do grão. Além disso, o cereal, após um processamento, é utilizado também como base de panifícios com baixo percentual de glúten, substituto da farinha branca para doentes celíacos. Devido a esta busca por alimentos específicos, muitos dos produtores rurais precisaram se adaptar ao que era solicitado.

Gustavo Moraes, 21 anos, é filho de agricultor e conta como a simples lavoura de arroz de seu pai passou também a produzir bolos e pães sem utilizar glúten. “Nós da Cooperav, cooperativa de produtores orgânicos de Viamão, trabalhamos com diversos tipos de arroz: o arroz vermelho, o arroz cateto e o arroz branco. E o nosso maior desafio foi se adaptar aos derivados, como a farinha de arroz, para conseguir chegar a um resultado de qualidade e satisfazer os nossos clientes que necessitam de um alimento especial. Hoje já produzimos pães, bolos e cucas com pequeno teor de glúten”, explica Gustavo.

Família de Gustavo aposta em produtos orgânicos e livres de glúten. Foto: Camila Emil

Outro carro chefe dos produtos orgânicos são os sucos integrais feitos com frutas nativas, bebida que demonstra um sabor silvestre para quem a experimenta. Porém, pelo fato de ser um produto orgânico, há algumas dificuldades para a produção da mesma. Mirian, que tem como um dos seus principais produtos as frutas nativas, explica quais são os desafios diários para quem trabalha com esse tipo de alimento. “Pra mim a mão de obra e a matéria prima são as partes mais difíceis, porque como eu sou orgânico, certificada, tem toda uma restrição pra pegar matéria prima. E a mão de obra, como é familiar, tu até consegue algum diarista, alguma coisa, mas é a família que tem que trabalhar, e eu só tenho um filho. E é só eu e o meu filho e hoje minha nora, então é muito pouca gente trabalhando”, ressalta a agricultora.

O papel das instituições para a agricultura familiar

A agricultura familiar vem crescendo e conquistando cada vez mais a sociedade, o mercado e o seu devido espaço. Mas é importante lembrar que isso vem de uma luta iniciada na década de 1990. Para o auxílio no desenvolvimento em políticas públicas, leis e garantia de direitos o pequeno agricultor tem em seu lado entidades que tomaram a frente dessas reivindicações, entre elas estão a Fetag/RS, Fetraf e a Emater.

A Federação dos trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS) é responsável por coordenar e mobilizar a categoria dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, a fim de construir um modelo alternativo de desenvolvimento. Ela foi fundada em 1963, conta com 321 sindicatos dos trabalhadores rurais filiados, que integram uma estrutura composta por 23 regionais sindicais. Segundo a assessora de política agrícola, Carla Schuh, o maior desafio para quem depende da agricultura familiar é se manter na atividade, pois ainda há muita desvalorização. “Infelizmente ainda é um trabalho penoso de alguma forma. Não está tendo a devida valorização. Apesar dos movimentos estarem aí em defesa dos agricultores, é pautando o governo, fazendo mobilizações que a gente tem percebido que ainda há uma resistência e as coisas não avançam da forma que a gente gostaria”, lamenta.

A Fetag/RS também busca a inserção destes empreendimentos em espaços que possam trazer visibilidade para esta esfera do setor agrícola, bem como o espaço disponibilizado pela Expointer. Cada vez mais há luta para impulsionar a viabilidade econômica destas iniciativas produtivas e a aceitação dos produtos. Para Carla, uma das lutas atuais é pela garantia de direitos: “Uma luta em pauta hoje é da manutenção dos direitos adquiridos né? E aí, com certeza continuar construindo e buscando cada vez mais políticas públicas de fomento, para continuar gerando desenvolvimento na ponta e fazendo com que os agricultores possam se desenvolver e melhorar de vida cada vez mais”.

A Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf) é uma entidade de representação sindical. Ela nasceu de uma decisão tomada no I Encontro Nacional da Agricultura Familiar em Julho de 2004 em Brasília e busca cada vez mais por políticas públicas para melhores condições de vida e de trabalho para agricultores familiares. Para o presidente da Fetraf, Rui Valença, duas lutas foram de extrema importância para a consolidação do trabalho desses pequenos agricultores, entre elas a conquista da lei, em 2006, que criou a categoria de agricultor familiar. Outra foi a visibilidade e o o salto, em termos de percepção, que a sociedade tem sobre agricultura. “É que sempre foi aquela percepção de que sempre foi um atraso, o espaço do sofrimento. E acho que nós conseguimos, aqui na Expointer, demonstrar um pouco que a agricultura familiar é um espaço bom de se viver, não é um lugar de atraso. Tem tecnologia, tem cultura, tem gente que pensa, tem gente que trabalha e que produz coisas maravilhosas, é um exemplo mínimo né, que está aí no pavilhão”, afirma Rui.

O presidente da Federação também fala sobre o atraso na atualização dos dados em relação aos avanços e crescimentos da agricultura familiar. Mas acredita que a atividade vem crescendo cada vez mais, além de ganhar mais valorização e visibilidade. Porém, para Rui ainda existem muitos desafios a serem enfrentados quando se trata desta esfera. “Nós precisamos de um crédito qualificado que olhe todo contexto da unidade produtiva do agricultor, que isso contempla todo sistema de produção, de custeio, da casa, quer dizer, o conjunto né, esse é um grande desafio. Para a Fetraf as lutas ainda não acabaram e é preciso continuar garantindo direitos para que esses trabalhadores e trabalhadoras não deixem de serem contemplados pelas políticas implementadas. Rui acredita que ainda falte diálogo, “A democracia está com problemas, não a democracia, aquela tradicional, que a gente pega o título para votar, não. A democracia é um pouco mais que isso, a participação da sociedade, nós estamos fazendo, está acontecendo todo um debate a nível nacional para fazer a reforma da previdência social. O que na nossa visão é um desastre pra todo mundo, mas para agricultura familiar mais ainda e a gente não consegue discutir isso com o senador, com deputado, com ministro ou presidente da república. E democracia é isso, é tu debater as propostas, opiniões e não se faz mais isso aí, esse debate, esse espaço”, relata.

Representante da Emater de Porto Alegre estava presente na Expointer. Foto: Camila Emil

A Emater é encarregada pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Rural e Super-Ativismo a dar assistência técnica e fazer a extensão rural as famílias que trabalham no campo, buscando desenvolver a produção e produtividade deles, tornar a área dele mais rentável. Também dar cuidados a questão do meio ambiente e da água e fazer com que a sobrevivência das famílias se torne viável. Para o Gerente Regional da Emater de Porto Alegre, Air Nunes, a agricultura familiar é de grande importância, visto que boa parte da alimentação da população vem dessas pequenas propriedades. Além de ser significativa para a economia do país. “Isso é muito significativo né? Não tem nenhum outro setor que tenha ou que forneça tanta riqueza como o da agricultura familiar e essa é a importância que ela tem”, ressalta. A Emater tem por objetivo promover o desenvolvimento rural sustentável no Rio Grande do Sul. Segundo Air existem hoje no Rio Grande do Sul cerca de 450 mil famílias que são consideradas agricultores familiares e são mais de 300 expositores que vendem desde o queijo até bebidas como o vinho e a cachaça.

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