Saúde Pública em Porto Alegre: o financiamento e a ameça de privatização

Camila Emil
Jornalismo Econômico UniRitter Zona Sul
9 min readNov 29, 2017
O investimento no Sistema Único de Saúde tem sido reduzido. | Foto: divulgação

O Sistema Único de Saúde (SUS) é considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Ele abrange desde o simples atendimento ambulatorial até o transplante de órgãos, garantindo acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país.

Por Camila Emil, Giulia Medeiros e Isabelle Silva

Amparado por um conceito ampliado de saúde, o SUS foi criado, em 1988 pela Constituição Federal Brasileira, para ser o sistema de saúde para mais de 180 milhões de brasileiros. Uma conquista de décadas de lutas sociais, a saúde passou a ser “Direito de todos e dever do Estado” regulamentado em 1990. Com a lei 8.080, o SUS tem como princípios a Universalidade (saúde como direito de todos e dever do Estado, com base em um sistema único, público e gratuito), Equidade (mais cuidado e atenção para quem menos tem, no sentido da construção da igualdade e da justiça social), Integralidade (integralidade das ações e serviços, desde a promoção da saúde e a prevenção de doenças e agravos ao tratamento, cura e reabilitação) e a Participação Popular (marca distintiva do SUS frente a todos os demais sistemas públicos de saúde do mundo, desde a formulação das políticas até o seu controle). Assim, o Sistema Único de Saúde incluiu e acolheu todas as brasileiras e todos os brasileiros, ao contrário do que ocorria até então, quando somente os trabalhadores com registro em carteira, assegurados pelo antigo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), tinham direito aos serviços de saúde credenciados pela Previdência.

Mesmo com o grave quadro de subfinanciamento e a necessidade de avanços na gestão pública, o Sistema Único de Saúde se desenvolveu, tornou-se referência em tratamentos de alta complexidade, sendo reconhecido mundialmente pela atuação da Estratégia Saúde da Família (ESF), pela ampliação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), pelo Programa de HIV/AIDS, entre muitos outros.

O Sistema Único de Saúde em Porto Alegre

Os serviços do SUS de Porto Alegre estão distribuídos nos territórios dos 17 Distritos Sanitários (DS), que formam as Gerências Distritais (GD). Os DS são: Ilhas, Humaitá/Navegantes, Centro, Noroeste, Norte, Eixo Baltazar, Leste, Nordeste, Glória, Cruzeiro, Cristal, Sul, Centro-Sul, Partenon, Lomba do Pinheiro, Restinga e Extremo-Sul. Já as GD são estruturas administrativas e gestoras regionais e também espaços de discussão e prática onde são operacionalizadas todas as estratégias para a atenção à saúde na esfera do SUS. Na cidade, estão distribuídas em oito regiões de saúde: 1) Centro, 2) Noroeste /Humaitá /Navegantes /Ilhas, 3) Norte /Eixo Baltazar, 4) Leste /Nordeste, 5) Glória /Cruzeiro /Cristal, 6) Sul /Centro-Sul, 7) Partenon /Lomba do Pinheiro, 8) Restinga /Extremo-Sul. São compostas por Unidades de Saúde, Centros de Especialidades e Serviços Especializados Ambulatoriais e Substitutivos.

O município possui 54 UBS, com atendimento a populações que variam de 5.336 a 115.656 habitantes nas suas áreas de atuação. Destas, 36 possuem entre 5.336 e 17.460 habitantes nas áreas de atuação, sendo consideradas unidades de porte adequado para UBSs, conforme orientação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).

Rosa Maris Rosado, servidora da Secretaria Municipal de Saúde, explica que a organização do Sistema Único de Saúde e a estipulação de onde serão investidos recursos se dão na elaboração do Plano Municipal de Saúde, realizado de a cada quatro anos. “O plano nacional é elaborado com os dados de saúde de toda população brasileira. Esses dados são repassados pelos estados e municípios e/ou acessos por meio de programas de informação utilizados nos serviços de saúde de todos país. Em porto alegre, as prioridades são estabelecidas por meio do plano municipal de saúde, dele são extraídas metas de gestão da saúde e construídos os planejamentos anuais” explica.

Para facilitar o acesso dos usuários às ações e serviços que venham a necessitar ao longo da vida, o Cartão Nacional de Saúde tem como objetivo cadastrar todos os cidadãos ao Sistema Único de Saúde (SUS), visando a organizar a Rede de Atenção à Saúde.

Financiamento do SUS em Porto Alegre

Os investimentos na área da saúde vem de distintas origens, pois são pactuados entre os entes federados: governo federal, estados e municípios. os recursos do SUS são distribuídos de acordo com as prioridades estipuladas no plano nacional de saúde, a partir das necessidades da população, demonstradas pela análise situacional que reflete as condições de saúde da população, definidas por região, estado e municípios e por segmento populacional.

A gestão do SUS é municipal. Desde a sua criação foi descentralizado e os municípios têm a responsabilidade de prover de atendimento primário, especializado e hospitalar a todos de seu município e ainda quem estiver na cidade e porventura vir a adoecer. “A capital gaúcha não foge a regra, foi a primeira do país a ter a gestão plena do SUS, isto é, a organização do SUS em Porto Alegre é atribuição da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), toda a gestão de serviços do SUS, próprios ou conveniados, passa por lá”, afirma Rosa.

O plano nacional é elaborado com os dados de saúde de toda população brasileira. Esses dados são repassados pelos estados e municípios e/ou acessos por meio de programas de informação utilizados nos serviços de saúde de todos país. Em porto alegre, as prioridades são estabelecidas por meio do plano municipal de saúde que é elaborado a cada 4 anos. Dele são extraídas metas de então da saúde e construído os planejamentos anuais.

Por financiamento em saúde, compreende-se o aporte de recursos financeiros para viabilidade das Ações e Serviços Públicos de Saúde, implementados pelos Estados, Municípios e Distrito Federal com recursos próprios da União, Estados e Municípios e de outras fontes suplementares de financiamento, todos devidamente contemplados no orçamento da seguridade social. Cada esfera governamental deve assegurar o aporte regular de recursos ao respectivo fundo de saúde de acordo com a Emenda Constitucional nº 29, de 2000. As transferências (regulares ou eventuais) da União para estados, municípios e Distrito Federal estão condicionadas à contrapartida destes níveis de governo, em conformidade com as normas legais vigentes (Lei de Diretrizes Orçamentárias e outras). Esses repasses ocorrem por meio de transferências ‘fundo a fundo’, realizadas pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS) diretamente para os Estados, Distrito Federal e Municípios, ou pelo Fundo Estadual de Saúde aos municípios, de forma regular e automática, propiciando que gestores estaduais e municipais possam contar com recursos previamente pactuados, no devido tempo, para o cumprimento de sua Programação de Ações e Serviços de Saúde.

Seguindo a Emenda Constitucional 29, Porto Alegre aplica mais que 15% em saúde mesmo antes da aprovação da referida Emenda. O Gráfico 1, a seguir, evidencia a aplicação em saúde dos últimos 10 anos.

Gráfico 1: Percentual de aplicação municipal em Saúde em Porto Alegre, RS, na série histórica de 2003 a 2011

Na análise per capita, o município gastou 651,28 e 569,77 R$/habitante/ano em 2011 e 2010 respectivamente, apresentando, da mesma forma, aumento do gasto na mesma proporção da aplicação dos recursos municipais para a área. Também no comparativo do gasto per capita com outras capitais Porto Alegre se destacou como a quarta (4ª) capital brasileira que mais aplica em saúde, conforme apresentado na Quadro 46, a seguir.

Quadro 1: Ranking das 10 capitais brasileiras com maior aplicação per capita dos recursos na saúde — comparativo 2011 e 2012.

A existência de recursos disponíveis nas três esferas de gestão do SUS também acompanha os desafios para a sua utilização plena. Neste quesito, destaca-se o formato da disponibilidade dos recursos a partir de blocos de financiamento do MS e seus projetos prioritários, bem como as regras para uso dos recursos estaduais e municipais, considerando os sistemas orçamentários e financeiros de ambos.

Os blocos de financiamento não são fatores de dificuldades para a aplicação, uma vez que os recursos de cada bloco devem ser aplicados, exclusivamente, nas ações e serviços de saúde relacionados a ele, que tem esfera ampla, por exemplo: Atenção Básica. Entretanto, por questões regulamentares estaduais, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) enfrenta impedimentos acentuados para aplicação dos recursos de transferências mesmo federais, pois o entendimento da Secretaria Estadual da Saúde (SES) em relação à prestação de contas impede a livre transferência de recursos entre vínculos, mesmo que provenientes de um mesmo bloco de financiamento. Isto leva ao engessamento dos recursos orçamentários, com uma visão em “caixinhas” que geram “sobras” de recursos em determinados vínculos e esgotamento de recursos noutros vínculos que, por vezes, são fundamentais para a execução da política municipal de saúde.

Investimentos em saúde

O Sistema Único de Saúde busca atender o maior número de pessoas diariamente, mas a falta de médicos acaba prejudicando a população. “Não acho que o SUS peca no atendimento médico. Maus profissionais existem até na saúde privada. O que tem é carência de médicos e os honorários não são atrativos. Isto é, as filas se formam por falta de profissionais e demanda crescente de serviços”, ressalta a servidora da Secretaria da Saúde, Rosa Maris Rosado.

O Governo Federal, através da Emenda Constitucional 95/2016, congelou os investimentos na área da saúde por vinte anos. Por consequência o Estado e os municípios acabam por investir de forma reduzida. Os recursos que serão aplicados, passam pelo Fundo Municipal de Saúde (FMS) e por uma decisão feita pela gestão em exercício. Porém, se a gestão decide investir em outras áreas que não sejam prioridade para a população, o Controle Social, por meio do Conselho Municipal da Saúde, pode questionar tais investimentos.

Anualmente mais de 1 bilhão de pessoas fazem consultas médicas e 4 bilhões de procedimentos ambulatoriais, com apenas um investimento de menos de R$ 120 bilhões, o que de acordo com o Organização Mundial da Saúde, é abaixo da média anual.

SUS como mercadoria

O Sistema Único de Saúde busca atender o maior número de pessoas, entre elas a população de baixa renda que não tem acesso a saúde privada. Segundo Coordenadora das ações específicas em equidade da SMS, Elaine Oliveira, “as políticas de equidade não tem sido um determinante, mesmo com os dados epidemiológicos mostrando que é população negra, indígena e em situação de rua está em piores condições”.

Os princípios fundamentais do SUS que foram construídos através de gestores, trabalhadores e usuários estão sendo afetados nestes ataques. Pois, por exemplo, a universalidade, quando há poucas pessoas para serem atendidas, não há garantimento de que o serviço privado, que tem como o foco o lucro, irá possibilitar o acesso em áreas com baixa densidade populacional. Com todos estes ataques, o princípio da equidade é o primeiro a ser afetado, pois os serviços privados não têm flexibilidade para abarcar as diferenças. Rosa Maris ressalta que a saúde não é mercadoria e que “o foco da iniciativa privada é encarar a saúde como negócio, então a pessoa é um número.”

Privatizar é a solução?

O SUS está sob a ameaça de privatização dos serviços de saúde. O financiamento público das políticas públicas democraticamente consensuadas na Constituinte, foram drasticamente atingidos pela PEC 95/2016 de congelamento dos gastos públicos.

Para Rosa Maris, a população será afetada de diversas maneiras com a privatização, entre elas a assistência de urgência. “ Quanto a assistência de urgência, consegue imaginar porto alegre se tivéssemos que pagar para ser atendidas pela SAMU ou no HPS? O caos. Não é possível imaginar Porto Alegre sem a possibilidade de acesso gratuito aos serviços do hps que atende diariamente dezenas de pessoas vítimas acidentes de trânsito ou domésticos.”

Segundo Gislaine Mendes, 49 anos, enfermeira do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre há 7 anos, a privatização pode assustar a população pelo fato do quanto irá prejudicar a saúde. “A privatização é um passo para trás que estamos dando, pois imagina o número de pessoas que podem ser prejudicadas com essa nova política”.

Entretanto, população brasileira não está suficientemente informada em relação ao SUS e como podem ser afetados com o desmonte da política pública, haverá impactos negativos em todas as áreas. Por exemplo, afetará a vigilância da qualidade da água e dos alimentos que compramos, bem como as vacinas que são tomadas na infância e idade adulta vem de um laboratório que são passadas também pela vigilância do SUS.

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