Não há lugar para humanos no jornalismo do futuro

Igor Nishikiori
Suíte eterna
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3 min readFeb 25, 2015

Recentemente li dois artigos que provam por A + B que o futuro do jornalismo na internet será cruel, estranho e esquizofrênico.

Primeiro, uma matéria do The Verge falando que a Associated Press já está há algum tempo usando jornalistas-robôs para escrever seus artigos sobre informes financeiros empresariais. Pelo que eu entendi, assim que os dados entram no sistema, o software reúne as informações e as coloca dentro de um texto com a formatação padrão da agência.

São cerca de 3 mil textos por trimestre escritos sem qualquer presença humana. E segundo a AP, isso liberou tempo e espaço para os repórteres fazerem matérias mais aprofundadas e bem apuradas sobre outras notícias de economia.

Mas é questão de tempo até que esses softwares ganhem melhor capacidade de processamento de informações. Uma companhia chamada Narrative Science fez uma experiência cobrindo partidas de beisebol infantis e, para ser bem sincero, o texto ficou uma bosta, mas pelo menos conseguiu captar as nuances dos jogos, como o rebatedor que menos errou e o número de roubadas de base por equipe. Futuramente, com uma programação mais avançada e a entrada da inteligência artificial na jogada, pode crer que qualquer notícia que envolva números e estatísticas será facilmente digerida por um desses softwares.

E então entra em cena o segundo fator desta equação diabólica: bots programados para gerar falsos pageviews com cliques automáticos em anúncios da internet já são uma realidade fora de controle. Há uma estimativa de que em 2015 as empresas anunciantes perderão cerca de US$ 6,3 bilhões com essa pilantragem.

E o maior problema que elas enfrentam é que custa muito pouco para contratar esses programas, mais precisamente US$0,002 por clique, segundo um texto de 2013. E ainda tem a questão de que não é tão simples detectar esse tipo de fraude, o que fortalece a péssima imagem da internet como uma terra de ninguém e de que leva a melhor quem for mais esperto.

O ponto é que no final das contas o que sobra é um cenário pós-apocalíptico, com robôs-jornalistas escrevendo artigos direcionados para bots programados para clicar. Um círculo vicioso sinistro para qualquer profissional que trabalhe com comunicação. Para os seres de espírito empreendedor, será uma mina de ouro inexplorada, uma Serra Pelada no seu auge. Neste período de transição em que as máquinas tomarão conta de tudo, muita gente ganhará dinheiro – essa é minha única certeza. E a profissão de jornalista como conhecemos não será nada além do que lembranças perdidas de um velho senil; um trabalho esmagado pela lógica do tempo, como aconteceu com os telefonistas, os datilógrafos e os entregadores de leite.

O lado triste é que há pouco a se fazer para mudar esse destino. A invasão dos robôs-jornalistas será uma realidade uma hora ou outra e nem o ludismo poderá impedir. Os operários menos talentosos perderão espaço e o jornalismo opinativo será a linha de frente das publicações, enquanto os softwares girarão as rotativas da linha de produção de notícias. Isso quer dizer que tanto faz onde você vai ler uma informação, pois todas serão rigorosamente iguais. Logo, os pauteiros serão tirados das cinzas e ganhará quem souber capturar melhor o zeitgeist da web. Se isso será bom ou não, não faço a menor ideia.

O fato é que o jornalismo (ou o que sobrou dele) continuará rastejante enquanto a lógica de cliques a qualquer custo continuar dominando o meio. Reverter o sangramento causado pelos bots passa obrigatoriamente pela mudança no sistema do mercado de audiência. Mas isso não deve acontecer tão cedo. Continuaremos nos enganando e escrevendo para robôs.

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