Por que choramos tanto a morte do jornalismo que não morreu?

Jornalistas ainda sofrem por não se permitirem ter opções

Flávio Moreira
Suíte eterna
Published in
4 min readMay 29, 2015

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Desde que comecei a conviver com jornalistas e viver de jornalismo tenho dificuldade em entender o que faz de nós uma classe tão resistente à mudanças. Não sei se por orgulho, saudosismo ou prepotência, vemos outros profissionais atentos aos novos hábitos de consumo, interesses e tecnologias enquanto achamos que o jornalismo é intocável.

Em algum momento percebemos nossa importância para sociedade e nos permitimos sentar em um status de indispensáveis.

No meu terceiro ano no UOL, em 2011, presenciei discussões sobre a importância de profissionais de mídias sociais na Redação e se aquilo deveria ser uma competência desenvolvida também por redatores. E um paralelo feito por um gerente geral do portal me marcou muito.

“Há alguns anos, aqui na Redação, tinha um cara de interface só para cortar fotos no tamanho certo para usarmos nas matérias”

De lá para cá, os caras de interface cansaram de paparicar redator e criaram cortes automáticos de imagens direto no publicador. A mudança não fez designers e desenvolvedores dispensáveis. Pelo contrário, são cada vez mais necessários para criarmos novos formatos e facilidades para que nós possamos “preencher” com conteúdo.

Os amigos de interface não lamentaram o “fim do design” ou cravaram a “morte da programação”. Temos que admitir que eles têm um desapego muito maior em relação ao tradicional e comemoram com naturalidade as mudanças e evoluções da carreira.

Sempre olho com estranhamento o pesar com que colegas lamentam demissões em grandes redações ou tentativas desesperadas de conseguir audiência. Eles dizem que estamos presenciando a morte do jornalismo. Será?

Resistência ao novo

O que estamos fazendo para manter o jornalismo vivo? Os veículos de mídia brasileiros estão concentrados em poucas e grandes empresas há anos. A falência desses monopólios como modelo de negócio nos coloca de luto de tal forma que parece até que são as únicas opções de manter a nossa classe empregada.

A morosidade do mercado em acompanhar as mudanças é, de certa forma, compreensível. Quanto maior, mais custoso é inovar, mais difícil arriscar.

Se os modelos de publicidade tradicionais estão menos rentáveis, pensar exclusivamente em audiência não é algo sustentável. Se a conta não fecha, as redações têm que ser mais enxutas. Com menos gente, a corrida é mais ingrata ainda.

E isso é um problema? Se continuarmos fazendo o mesmo jornalismo acomodado e baseado nos mesmos modelos de negócio, sim. Se enxergarmos como uma oportunidade, abriremos nossas cabeças para ver que o jornalismo é muito mais do que esse modelo medroso e vaidoso que fazemos desde sempre. Manter o jornalismo vivo depende muito mais da nossa mentalidade do que de esperar mudanças dos veículos que dominaram o mercado até aqui. Se ficarmos querendo ser os bastiões do bom jornalismo, aquele resiste às mudanças, não vai ter mimimi que nos salve.

Enquanto muita gente ainda discute se o Buzzfeed faz jornalismo ou não, os caras dão uma aula sobre como entender a internet.

Enquanto lamentamos a existência de notinhas sobre o fato de Caetano Veloso ter estacionado o carro no Leblon, o podcast “Serial” tem mais duas temporadas de bom jornalismo bancadas por doações de ouvintes.

O jornalismo continua necessário? Sim! O jornalismo morreu? É claro que não, ele apenas mudou. E precisamos lidar com isso.

Enquanto olhamos passaralhos em redações como algo próximo ao que pode ser a morte, outros tomam isso como oportunidade, os caras do BRIO fazem conteúdo à la carte com paixão, qualidade e em um modelo de negócio justo.

A formação é limitada

Logo na faculdade percebi o quanto a formação de jornalista nos (des)prepara para sermos prepotentes e considerarmos poucas opções. Cursei a graduação no Mackenzie e tive professores que apontavam que carreiras de sucesso estavam nas redações da Folha de S. Paulo, Globo, Estadão, Abril… No máximo dez lugares na cidade de São Paulo.

Logo vi que este caminho não seria capaz de absorver os 100 formandos de cada semestre da minha faculdade. Tirando algumas exceções, os próprios professores eram jornalistas frustrados que, sem espaço no mercado, optaram dar aula por necessidade, não por vocação, e anunciavam sem medo a morte do jornalismo. Não havia um equilíbrio entre o acadêmico e a prática.

Ao mesmo tempo que cursei jornalismo, estudei na FEA-USP. E aquilo me deixava muito confuso. Mais do que a diferença entre uma universidade privada e outra pública, via professores que também eram diretores de bancos ou presidentes de multinacionais comemorando a pluralidade da carreira. Comemorava-se a capacidade dos alunos dali ganharem espaço em mercados em que antes economistas, contadores e administradores de empresas não eram nem imaginados. Até professores dedicados apenas à vida acadêmica apontavam para mais alternativas de sucesso profissional.

E por que o jornalista não consegue pensar assim? Fracasso é sempre algo diretamente relacionado com as expectativas que criamos. Esperar que o jornalismo se sustente da mesma forma que vem fazendo há décadas é vaidade ou inocência demais.

Se tecnologias, adaptações e inovações deixarem de ser vistas como adversários, o jornalismo não vai morrer.

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Flávio Moreira
Suíte eterna

Head of Content and Product do @torcedorescom. Ex-@EAFIFA e @UOL. Bem melhor aqui do que na vida real. Conforme-se.