Mianmar: um conflito étnico coloca dois jornalistas na prisão

Mariana Barcelos
Jornalismo não é  crime
4 min readJul 3, 2018

No século XIX o Império Britânico incorporou um país chamado Birmânia à sua colônia da Índia, porém, em 1937, o país tornou-se uma colônia à parte, passando a se chamar Mianmar ou Myanmar. Durante a 2ª Grande Guerra Mundial (1939–1945), o país foi invadido por japoneses e conseguiu sua independência nacional em 1948. O país faz limite com Bangladesh (a oeste), Índia (a noroeste), China (a nordeste) e Tailândia (a sudeste e leste).

O mapa acima indica o Estado de Rakhine, em Myanmar, onde está localizado a maior população de rohingyas. (Google Fotos)

A principal atividade econômica do país é a agricultura, sendo responsável por 70% da mão de obra nacional. Considerado um dos países economicamente pobres do sudeste Asiático, durante o período que ficou sob dominação britânica Mianmar era considerado um dos países mais ricos da região. Hoje em dia, o país se encontra em uma situação econômica difícil.

O confronto em Mianmar

Mais de 200 mil muçulmanos da etnia Rohingya vivem no Estado de Rakhine, em Mianmar, um país com maioria de origem budista. O choque entre os muçulmanos de origem rohingya e budistas no país acontece há décadas fazendo com que a minoria seja perseguida, torturada e assassinada no país. Porém, a crise agravou em setembro de 2017, quando mais de 200 mil muçulmanos de origem rohingya fugiram rumo a Bangladesh, na Índia, para escapar da violência. De um lado tem um governo que se recusa a reconhecer uma etnia presente no país e do outro uma milícia — que não representa a população muçulmana. Os rohingya são mais de um milhão de pessoas e no Estado de Rakhine — localizado no oeste de Myanmar — representam mais de um terço da população. Eles possuem sua própria linguagem, mas ela também não é reconhecida pelo Estado.

Mulçumanos de origem rohingya. (Google Fotos)

O Governo do país se recusa a reconhecer os rohingyas como cidadãos legais com plenos direitos no país alegando que os muçulmanos fazem parte de Bangladesh, na Índia. Foi por conta desse e outros fatores, como a crise por questões políticas e econômicas, além da xenofobia que, em outubro de 2016 um grupo da etnia rohingya foi acusado de matar nove policiais, fazendo a partir daí o conflito com o restante da sociedade reacender. Porém antes já haviam tido conflitos representativos, como em 2012 em choque com nacionalistas budistas causaram muitas mortes, forçando dezenas de rohingya a fugir para Bangladesh, Malásia, Tailândia e Indonésia.

Para as Organizações Unidas (ONU) o que acontece hoje em Myanmar é uma “limpeza étnica e diáspora da origem rohingya”, tendo como consequência um possível genocídio em massa.

Kiaw Soe Oo e Wa Lone

A chamada era: “Dois jornalistas da agência Reuters são presos em Myanmar”. Wa Lone, de 31 anos e Kiaw Soe Oo, de 27 anos, foram presos em Myanmar acusados de portar documentos com segredos de Estado. Wa Lone e Soe Oo produziam uma reportagem sobre o assassinato de dez homens de origem muçulmana rohingya. Os fatos descobertos pelos dois repórteres davam conta de um massacre perpetrado pelas forças de segurança e também por cidadãos budistas de um vilarejo em Inn Din, localizado no Estado de Rakhine.

Os repórteres trabalhando na redação improvisada da Reuters.
Wa Lone (à esquerda da imagem) e Kyaw Soe (à direita da imagem), na saída de uma de suas audiências.

Depois de muita pressão internacional. a polícia birmanesa afirmou que o assassinato de fato aconteceu, mas que as vítimas eram terroristas. Mas por outro lado, Kyaw e Wa Lone afirmam que possuem provas que mostram o contrário da versão da história contada pelas autoridades. Imagens e documentos dão peso as provas obtidas pelos repórteres da Reuters, entre as provas também estão imagens e depoimentos de pessoas que participaram do crime, que relatam as atrocidades que aconteceram. Kyaw e Wa Lone foram detidos em dezembro de 2017, as autoridades afirmaram que eles estavam sendo detidos por “possuir documentos governamentais secretos e de suma importância ligados ao Estado de Rakhine e às forças de segurança”.

Os prisioneiros momentos antes de serem mortos

As Organizações das Nações Unidas (ONU), através de seus porta-vozes, disseram que pode ter ocorrido um genocídio. Já porta-vozes do governo de Myanmar afirmam que a operação de vigilância é uma resposta legítima aos ataques à população dos rohingya. No mês de junho de 2018 completaram seis meses que os repórteres estão presos e o caso se tornou um marco para a liberdade de imprensa, o tribunal em Yangon tem realizado audiências desde janeiro para decidir se Wa Lone e Kyaw Soe Oo serão julgados sob a Lei de Segredos Oficiais, que data da era colonial do país e prevê pena máxima de 14 anos de prisão. A pressão de outros países e também de autoridades internacionais é grande e foi essa pressão que fez com que a matéria dos repórteres fosse publicada na íntegra no site da Reuters.

A história da prisão dos jornalistas

Até início de julho de 2018, os repórteres ainda aguardavam julgamento sem data prevista para acontecer e também não tinham previsão de saída da prisão para responderem em liberdade.

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