No front, o repórter é só mais um

Camila Oliveira
Jornalismo não é  crime
6 min readJun 28, 2018

No ano de 2016, as escolas e os estudantes viviam uma relação diferente. Após o presidente Michel Temer (MDB) promulgar a PEC 241, que congela os investimentos do governo pelos próximos 20 anos, alunos começaram a ocupar escolas em todo o Brasil para lutar contra o sucateamento da educação — que seria ainda mais afetada pela PEC. Conforme dados da União Brasileira dos Estudantes Secundarista, mais de 1100 escolas foram ocupadas em 22 estados.

No dia 15 de junho, mais de 40 estudantes ocupavam o prédio da Secretaria Estadual da Fazenda do Rio Grande do Sul (RS) para exigir uma reunião com o governador José Ivo Sartori (MDB) e rever a negociação pelo fim das ocupações, decidida sem o consenso de todas as organizações estudantis envolvidas. A reunião não aconteceu. Os alunos não foram ouvidos pelo governador e ainda foram presos.

O repórter Matheus Chaparini, do Jornal Já, que exercia a profissão enquanto acompanhava a situação na Secretaria Estadual da Fazenda, também foi levado ao presídio sob a acusação de desobediência civil e dano qualificado. Em uma entrevista feita por telefone, Chaparini contou um pouco mais sobre o momento da prisão, o andamento do processo e a forma como percebe a prisão de jornalistas.

Foto: Ramiro Furquim / Jornal Já

. Como foi o momento da prisão?

Quando estava rolando a ocupação da SeFaz (Secretaria da Fazenda), eu tava gravando. A ideia, minha e do Kevin Darc, que era um cineasta independente que tava filmando, era ficar até o final. Só que depois que retiraram os estudantes, retiraram a gente junto e nos levaram com a mesma condução, como um militante de movimento. Desde o momento em que fui empurrado para a viatura na frente da Secretaria da Fazenda, que pode se estabelecer como sendo o momento da prisão, porque em nenhum momento eu tive voz de prisão, foi uma peregrinação. A gente foi para a 3ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento do bairro Navegantes, de lá, para o Palácio da Polícia, de volta para a delegacia, de lá, no camburão, algemados, fomos largar as gurias no Madre Tereza de Pelletier e os homens no Presídio Central.

. Havia mais jornalistas cobrindo a desocupação da Secretaria da Fazenda?

Na pauta tinha bastante gente da imprensa, mas lá dentro do prédio acho que só eu entrei, além do Kevin, que é o cineasta independente que estava fazendo um documentário sobre as ocupações.

. Ano passado aconteceu uma campanha de crowdfunding para o pagamento da sua defesa. Qual a situação atual do processo?

No primeiro momento, quando foi feito o flagrante, chegaram a relacionar seis crimes, que envolviam até corrupção de menores, agora a gente responde por dano qualificado e desobediência civil. A gente é reu, o processo existe, está rolando, mas não tem muita novidade. Não está em andamento há um bom tempo… Teve só uma audiência que foi para fazer uma suspensão condicional do processo, era fazer um acordo para parar o processo. Mas eu não aceitei, para poder fazer a defesa e provar inocência. Por mais que, na minha opinião, militância e ato político também não sejam crimes, é diferente a situação. Eles estavam participando de um movimento político e eu estava a serviço, em uma pauta. Trabalhando, como tentei explicar diversas vezes ao longo daquelas 12 horas que passamos naquela função toda.

. Depois de ter passado por isso, o que mudou (ou não) em você enquanto jornalista?
Com certeza alguma coisa muda. O que eu acho mais complicado é ver que nem de longe é um caso isolado, que isso acontece, que não é só comigo e que continua acontecendo.

. Ao mesmo tempo que você foi preso por estar trabalhando, a pressão que rolou por ter um jornalista preso também colaborou, de alguma forma, para você ser solto. Como você enxerga/avalia a prisão de jornalistas?

É uma forma de censura. E censura de uma forma meio didática e pedagógica, vamos dizer assim. Porque prende um só, enquanto os outros estão ali, estão vendo. Fica um recado bem marcado. Essas pautas que envolvem manifestação política e polícia, a gente normalmente vê a cobertura de um mesmo local, que é de trás da Brigada Militar. E acaba ficando como um aviso pra quem ousa sair do chiqueirinho.

Violência contra jornalistas

A situação vivida por Chaparini, por mais chocante que seja, não está nem perto de ser um caso isolado no Brasil. Em 2013, ano em que as ruas do país foram tomadas por protestos contra aumentos de passagens, mais de 130 jornalistas sofreram agressões verbais e físicas durante a cobertura dos mesmos.

A polícia passou a ser a principal autora dos ataques contra jornalistas — antes protagonizados, principalmente, por políticos, seus familiares e assessores. Dos 189 casos registrados de violência contra jornalistas, a polícia foi responsável por 117 casos, o equivalente à 61,9%, conforme dados da FENAJ no relatório Violência e Liberdade de Imprensa no Brasil, publicado em 2013.

Fonte: Relatório Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil. FENAJ — 2016

Três anos depois, os dados catalogados pela FENAJ não apontam um cenário muito diferente. A polícia foi responsável por 41 dos 161 casos de violência registrados em 2016, seguida pelos manifestantes, com 20 casos, e dos políticos, seus familiares e assessores, com 25 casos.

A região Sul, que costumava registrar baixos índices de violência contra jornalistas, foi classificada com a segunda região mais violenta. Foram registrados 30 casos de agressões contra a categoria, divididos igualmente entre Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina — dez em cada. O estado mais violento para jornalistas, entretanto, continua sendo São Paulo, que registrou 44 casos. O menos violento, por sua vez, foi o Espírito Santo.

Fonte: Relatório Violência contra jornalistas e liberdade de imprensa no Brasil. FENAJ — 2016

Liberdade de imprensa

Os altos índices de ataques aos jornalistas, por sua vez, reflete a situação da liberdade de imprensa no país. Conforme levantamento anual da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil ocupa a 102º posição no ranking de liberdade de imprensa, com 31,20 pontos. A primeira posição é ocupada pela Noruega, com 7,63, pontos, e a última pela Coreia do Norte, com 88,87 pontos.

“O Brasil ainda é um dos países mais violentos da América Latina para a prática do jornalismo. A ausência de um mecanismo nacional de proteção para os repórteres em perigo e o clima de impunidade — alimentado por uma corrupção onipresente — tornam a tarefa dos jornalistas ainda mais difícil.” Repórteres Sem Fronteiras

A concentração da mídia ao redor de poucas famílias também é um entrave à liberdade de imprensa no país. Os 50 meios de comunicação com maior audiência no Brasil pertencem a 26 grupos econômicos, conforme dados levantados pelo Quem Controla a Mídia. Além de muitos desses grupos serem, com frequência, dominado por grandes famílias industriais ou próximas da classe política, a pequena quantidade de empresas também prejudica a pluralidade de opiniões e posições na mídia brasileira.

Distribuição, por grupo econômico, dos 50 meios de comunicação com maior audiência no Brasil. Fonte: Quem controla a mídia (site)

Guia de segurança para cobertura de protestos

Diante do cenário de violência contra jornalistas em 2013, principalmente durante a cobertura de manifestações, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) elaborou no ano seguinte, a partir de entrevistas com repórteres agredidos, presos ou hostilizados durante os protestos, um manual de segurança para coberturas de manifestações no Brasil.

O manual traz recomendações para antes, durante e após as manifestações, além de dicas de primeiros socorros e para lidar com situações específicas - como tiros de bala de borracha, spray de pimenta ou gás lacrimogêneo.

Embora as informações trazidas nele não sejam uma garantia de que situações como a vivida por Matheus Chaparini possam ser evitadas, é preciso que os jornalistas conheçam seus direitos e sejam treinados, tanto na faculdade, quanto nas redações, para minimizar os danos desses ataques.

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Camila Oliveira
Jornalismo não é  crime

Uns textinhos que já escrevi e fizeram os olhinhos brilhar por aí