O jornalista com a maior sentença de prisão do mundo

Após 19 anos, Yusuf Ruzimuradov é finalmente solto.

Lucas Ferreira
Jornalismo não é  crime
4 min readJun 20, 2018

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Um marco na história da liberdade de imprensa ocorreu em março deste ano. O repórter Yusuf Ruzimuradov, é libertado aos 64 anos de idade, após 19 anos preso por uma decisão do governo uzbeque. A notícia surgiu com o comunicado do pesquisador da Human Rights Watch, Steve Swerdlow. “Hoje, eu recebi uma mensagem via Skype que vou comemorar: o governo do Uzbequistão finalmente soltou o jornalista Yusuf Ruzimuradov após 19 longos anos na prisão”, ele contou.

Mas, antes de conhecer o caso de Yusuf, é preciso entender o contexto político em que estava inserido.

Uzbequistão: governo autocrata

A história de repressão da imprensa e do povo uzbeque começa com a ascensão de Islam Karimov ao poder. Nascido na cidade de Samarcanda em 1938, Karimov viveu a guerra fria e as consequências dela para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Apesar do território ser conhecido há milhares de anos, o Uzbequistão se tornou um país independente apenas em 1991.

Como Karimov tinha muita força política e, em junho 1989 tinha se tornado o primeiro secretário do comitê central do Partido Comunista do Uzbequistão, naturalmente subiu ao poder foi eleito o primeiro presidente do país. “Ele é o estado e o estado é ele, e tem sido dessa forma por pelo menos 25 anos”, conta Steve Swerdlow ao jornal The New York Times.

Islam Karimov (Foto: Radio Free Europe)

O governo de Karimov foi um dos mais brutais dos países desmantelados da URSS. Em seu governo, houve inúmeras infrações aos direitos humanos, como tráfico humano e escravização para impulsionar o comércio de algodão do país — atualmente o 28º maior exportador de algodão do mundo, conforme Abrapa — , bem como silenciamento de inimigos políticos e de veículos da mídia. Um desses veículos silenciados era o jornal Erk, no qual Yusuf era repórter.

Vídeo da Anti-Slavery International sobre a economia de algodão Uzbeque

O jornal liberdade

Certificado de registro do Partido Erk (03/09/1991)

O jornal Erk — liberdade, em uzbeque — foi um jornal derivado do partido com o mesmo nome. O partido nasceu em 1991 e foi o primeiro partido da história do país, seu principal objetivo, conforme consta no certificado de registro, é “a fundação da república democrática e independente do Uzbequistão”.

Erk sempre foi um partido contra o governo e suas decisões, portanto, o jornal era sua forma de comunicação. Apesar de Karimov já possuir sua fama de silenciar oposições desde o início de seu governo, jornalistas como o repórter Yusuf Ruzimuradov e o editor-chefe Muhammad Bekjanov continuaram dando apoio ao jornal e ao partido. Em 1994, porém, Karimov baniu o partido e seu jornal, em resposta ao acontecimento, Yusuf e Muhammad fugiram para a Ucrânia e continuaram o movimento.

Yusuf em uma foto da Human Rights Watch

Distribuindo o jornal clandestinamente, não demorou para que os membros do movimento fossem considerados inimigos do governo. Em 1999, ocorreram diversas explosões em Tashkent, capital do Uzbequistão. O presidente culpou os membros do Erk e ordenou suas prisões.

Yusuf e Muhammad foram capturados na Ucrânia, levados de volta para o Uzbequistão e receberam uma sentença de 15 anos, mas, em 2014, suas sentenças foram prolongadas por violação de regras na prisão. De acordo com o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), eles foram torturados antes mesmo de serem levados a julgamento.

Dezenove anos se passaram

O cenário político do Uzbequistão mudou com a morte do presidente Karimov, aos 78 anos de idade. Em 27 de agosto de 2016, Karimov teve um acidente vascular cerebral que causou a falha de múltiplos órgãos. A notícia foi mantida em segredo por uma semana até que as autoridades decidissem quem ia continuar o governo, que mais tarde seria o primeiro-ministro Shavkat Mirziyayev.

O novo presidente, Shavkat Mirziyayev (Foto: Uzlidep)

A mudança presidencial representava uma mudança de fase para a história do país. Em 23 de janeiro de 2017, o Comitê de Proteção aos Jornalistas enviou uma carta aberta ao novo presidente, pedindo a eliminação da restrição midiática e a liberação de Yusuf Ruzimuradov e Muhammad Bekjanov. Felizmente, Bekjanov foi libertado em 22 de fevereiro, após 18 anos encarcerado. Ele disse em setembro ao CPJ que procurou informações a respeito de Ruzimuradov, mas não encontrou nada.

Vídeo da Anistia Internacional em que a família de Beknajov fala sobre sua história

Em 2 de março de 2018, pouco mais de um ano da libertação de Bekjanov, a CPJ divulga a notícia que marca o fim da repressão de Karimov ao Erk, Yusuf Ruzimuradov, após 19 anos, tinha sido libertado.

Apesar de não haver fotos e vídeos acerca da liberação de Yusuf, Abdurakhmon Tashanov, da Ezgulik (Sociedade dos Direitos Humanos do Uzbequistão), diz que Yusuf “se sente bem” com a liberação. De acordo com o jornal The New York Times, até 2018 o novo presidente libertou pelo menos vinte prisioneiros políticos do governo Karimov. Apesar da liberação de Yusuf Ruzimaridov ser um marco na história da liberdade de imprensa no Uzbequistão, ainda há outros prisioneiros políticos — incluindo jornalistas — a serem liberados no país.

Vídeo da Human Rights Watch a respeito da liberdade de imprensa no Uzbequistão

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