O mártir da imprensa colombiana

Henrique Engel
Jornalismo não é  crime
7 min readDec 10, 2018

Jornalista foi assassinado aos 61 anos de idade a mando de Pablo Escobar

Por Henrique Engel e João Pedro Argemi

O ano era 1986 e a Colômbia era o maior país exportador de cocaína no mundo. O Cartel de Medellín, como era conhecido o principal cartel de drogas do país, controlava diversos agentes da lei, políticos e até fiéis seguidores. Quem os comandava? Pablo Emilio Escobar Gaviria. Don Pablo para os íntimos.

Pablo Escobar Gaviria | Reprodução: Arquivo — Reuters / Corbis

Pablo já tinha feito milhares de vítimas em seus atos contra as medidas de extradição do governo colombiano. Na época os colombianos eram sujeitados a uma grande pressão por parte do governo norte-americano, que estava travando a guerra contra as drogas e Pablo Escobar. O narcotraficante, inclusive já tivera sido indiciado pela morte de Rodrigo Lara Bonilla, Ministro da Justiça da Colômbia, em 1984. E assim o que era de grande temor dos traficantes se tornou realidade, o tratado de extradição foi assinado.

No dia 17 de dezembro de 1986 a Colômbia recebia a notícia da morte do jornalista Amparo Hurtado, que era correspondente, em Miami, do jornal El Espectador. O jornal era na época um dos principais do país e seu diretor era Guillermo Cano Isaza. Naquela manhã, Guillermo chegou mais cedo do que o habitual, precisava escrever uma nota em homenagem ao correspondente morto em serviço longe de casa. Após a manhã, Guillermo voltou para a redação por volta das 15:00 horas.

Guillermo Cano na redação do El Espectador. | Reprodução: Arquivo — El Espectador.

Eram 19h10 quando ele saiu de sua sala, após dedicar-se ao seu último texto em seu caderno de anotações. Foi enfim trocar comentários com seus colegas, o dia parecia ter sido pesado. Passando pelo famoso Muro de la Infamia, mural na redação onde ele, assim como seu pai, circulava em caneta vermelha as “barrigadas“ das edições anteriores, percebeu que o seu editor da seção de justiça havia deixado pendurado a Polla Futbolera, como um “bolão”, e naquela noite se jogava a final colombiana. Era importante participar do bolão, jogavam America e Deportivo Cali, um clássico. Quem ganhasse o bolão se sentia o vencedor da loteria durante a semana, mesmo que eles jogassem pouco dinheiro.

Antonio Andraus Burgos, foi o último a ver Guilhermo com vida. Após se cruzarem nos corredores e comentarem sobre suas apostas na Polla Futbolera e certa corneta por parte do diretor que teria dito que o resultado apostado por Antonio era muito difícil de acontecer. Entre poucos minutos de diferença Guillermo deixou o prédio depois de Antonio, com sua caminhonete Subaru.

Carro de Guillermo Cano após o atentado. | Reprodução: Arquivo — Colprensa.

Antonio iria para casa com o motorista do jornal e antes mesmo de chegarem a rua 63, o filho mais velho de Guillermo, Juan Guillermo, chamou-o através de um rádio-telefone dizendo que seu pai havia sofrido um atentado. Antonio voltou ao jornal imediatamente.

Guillermo Cano foi retirado por seus colegas de dentro de sua caminhonete vermelho púrpura e colocado dentro do carro de um de seus colegas, e então Ricardo Luna e Rodolfo Rodriguez levaram o diretor do El Espectador ao hospital e dali ele não saiu mais com vida.

Capa do jornal El Espectador no dia seguinte após o assassinato de Guillermo Cano | Reprodução: Arquivo — El Espectador.

Guillermo Cano Isaza foi assassinado aos 61 anos de idade por dois homens em uma moto, a mando de Pablo Escobar. Segundo o jornal El Espectador, o motivo foi que Guillermo desafiava constantemente a Pablo, expondo-o e denunciando todo o seu Cartel. O jornalista lutava fielmente contra o crime organizado na Colômbia.

Pablo tinha uma personalidade muito forte e odiava ser desafiado ou “desrespeitado” pelas outras pessoas. O problema é como ele reagia a isso, agindo de maneira retaliatória. Como uma espécie de criança mimada, que gostava que as coisas agissem conforme ele queria.

A lista de ordem de assassinatos do Cartel de Medellín continha mais de 50 juízes, o Ministro da Justiça, Rodrigo Lara Bonilla, o juiz do Supremo Tribunal, Hernando Baquero Borda, o chefe da polícia de Narcotráfico, Jaime Ramírez Gómez e entre vários repórteres. No entanto, o assassinato de um diretor de jornal, num país onde tal cargo tem um peso muitas vezes considerável a de um ex-presidente, fez com que a sociedade colombiana sentisse que os chefões do tráfico iriam retaliar.

Pablo Escobar fichado pela polícia colombiana pela 1ª vez. | Reprodução: Twitter — @TheHistoryPosts

O fato era que Cano e Escobar já tinham uma história, em 1983 quando Pablo estava ingressando no Congresso, Guillermo reconheceu seu rosto e isso fez com que fosse procurar nos registros do jornal. Eis que encontrou uma foto de Pablito um pouco mais jovem, em 1976, quando era apenas um ladrão de carros e havia sido preso e fichado por estar carregando cocaína nos pneus de um carro roubado. O diretor do jornal pegou a foto e publicou uma reportagem contando a história e isso fez com que acabassem as chances de Escobar finalmente ter um cargo político. Desde então, o narcotraficante declarou “guerra” contra o jornal e seu diretor.

Pablo Escobar discursando. | Reprodução: Arquivo — Colprensa.

Escobar estava interessado em entrar na política para posicionar-se contra o tratado de extradição que estava acontecendo entre a Colômbia e os Estados Unidos. Pois estava afetando a tranquilidade do seu reinado no país. Isso fez com que Cano começasse a golpear ainda mais os traficantes e quem estivesse apoiando o fim do acordo, expondo a fraqueza do sistema judiciário colombiano. As sucessivas reportagens do El Espectador investigando e expondo o narcotráfico fez com que o jornal assumisse a liderança na mídia colombiana. Cano possuía uma coluna intitulada “Libreta de Apuntes”, ou Apontamentos, onde atacava ferozmente os líderes dos cartéis de drogas e alimentava a chamada “guerra às drogas”.

Após a sua morte, o jornal passou por períodos assombrosos. Pois o seu assassinato não fez com que as matérias parassem de ser publicadas, gerando raiva nos narcotraficantes que revidaram. As ameaças de retaliação fizeram com que alguns jornalistas fugissem do país, incluindo os dois filhos de Guillermo, Juan Guillermo e Fernando que tiveram que sair diversas vezes do país após a morte de seu pai. As entregas dos jornais estavam sendo sabotadas, de 1989 a 1990 forças militares estavam ajudando na circulação do jornal em Medellin. Esse talvez tenha sido o período onde os ataques foram mais severos,com o assassinato do advogado da família Cano que investigava o caso, Héctor Giraldo Gálvez, e um atentado a bomba no jornal.

Redação do El Espectador após o bombardeio em 1989. | Reprodução: Arquivo — Colprensa.

As investigações da morte do jornalista demoraram ao todo nove anos para serem concluídas. A família entrou com diversos processos contra os cartéis, porém Escobar possuía um forte grupo de advogados que fizeram com que o caso fosse para um sistema judiciário especial chamado “sem rosto”. Onde, ele poderia saber quem eram os juízes do caso e a partir disso, poder comprá-los ou matá-los.

Em 1995, quatro pessoas foram condenadas por homicídio qualificado, uma delas era Luis Carlos Molina Yepes, um ex sicário de Escobar que foi preso somente dois anos após. Os dois principais mentores do caso, os narcotraficantes Gonzalo Rodríguez Gacha e Pablo Escobar Gavíria, já haviam sido capturados e assassinados pelas forças policiais em 1989 e 1993.

Guillermo Cano | Reprodução: Arquivo — Colprensa.

Guillermo Cano Isaza virou um ícone para o jornalismo do país, em 1997 — A UNESCO criou o Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa — Guillermo Cano onde o objetivo principal é premiar uma pessoa, organização ou instituição que tenha realizado uma contribuição notável para a defesa e/ou promoção da liberdade de imprensa em qualquer lugar do mundo, especialmente em situações de risco, conforme a própria organização. Em 2010, o assassinato de Guillermo foi declarado como um crime contra a humanidade.

No próximo dia 17 de dezembro, irão fazer 33 anos da morte do jornalista e desde 1986, pelo menos outros 158 casos de jornalistas assassinados seguem na impunidade na Colômbia, conforme dados publicados pela Fundacion de Liberdade de Prensa. Atualmente, a Colômbia juntamente com o Brasil e o México estão entre os 14 países que mais matam jornalistas no mundo, de acordo com os dados levantados entre setembro de 2008 e agosto de 2018 pelo Comitê de Proteção aos Jornalistas.

A impunidade dos crimes contra a imprensa não podem passar despercebidas, é função do jornalismo alertar sobre e cobrar os órgãos legais a respeito dos casos. Realmente o jornalismo não é crime, mas sim, uma forma de incomodar e mostrar ao mundo o que de fato acontece, doa a quem doer.

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