Radialistas em risco no interior do Brasil

Casos de comunicadores do interior do país que sofreram por exercer sua função

Leonardo Kaller
Jornalismo não é  crime
5 min readNov 27, 2018

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Texto de Frederico Engel e Leonardo Kaller

Ao falarmos de falta de liberdade de imprensa, inúmeros países vêm à nossa mente, alguns dos relatados nesse Medium, por exemplo, como: Egito, Afeganistão, Mianmar, Angola ou Turquia. Já pensou em o que acontece de baixo de nosso próprio nariz? Entre os meses de janeiro e novembro de 2018, foram assassinados quatro jornalistas no Brasil, índice maior que a Síria no mesmo período, que vive em guerra civil desde 2011.

Muito se diz que a liberdade de imprensa é um fator importante da democracia, sendo o poder que os jornalistas têm de informar até elevado, certas vezes, como o quarto poder nacional. Todavia, o espaço para o livre trabalho destes profissionais é arriscado e pouco em diversos casos. Em 2013, a Repórteres Sem Fronteiras publicou um artigo chamado “Brasil: O país dos trinta Berlusconis” no qual mostrava a insegurança e perigos para a prática da profissão de jornalista no país. O Brasil ficou colocado na 102ª posição do ranking de Liberdade de Imprensa, também organizado pela RSF. Nações como Ucrânia (101ª), Libéria (89ª) e Costa do Marfim (82ª) ficaram melhor colocadas que o maior país da América Latina.

Segundo levantamento recente, divulgado no dia 29 de outubro de 2018, o Brasil é um dos dez piores países do mundo em termos de impunidade para assassinatos de jornalistas. Os dados foram disponibilizados pelo Centro para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), organização com sede em Nova Iorque e que busca promover a liberdade de imprensa ao redor do globo.

De acordo com o Índice de Impunidade, de 1º de setembro de 2008 até 31 de agosto de 2018, são 17 os casos em que os criminosos não foram condenados no Brasil. Desde 1992, 41 jornalistas foram mortos no país, sendo que 27 desses crimes ainda permanecem impunes. O índice do Brasil piorou em relação ao ano anterior, 2017, quando o país ficou em 8º lugar, com 15 casos impunes. Nos 11 anos em que o levantamento é divulgado, o Brasil ficou de fora em apenas dois anos.

Marlon de Carvalho Araújo

O jornalista era muito ativo em suas redes sociais, onde expunha a maior parte de suas denúncias.

O jornalista e radialista de Riachão do Jacuípe, interior da Bahia, Marlon de Carvalho Araújo foi um dos jornalistas brasileiros que perderam a vida em 2018. O jornalista foi assassinado dentro de sua residência a tiros em 16 de agosto. O comunicador atuava em duas rádios locais, a Gazeta e a Jacuípe, e também utilizava suas redes sociais para divulgar escândalos de corrupção praticado por políticos de Riachão do Jacuípe e região. Quatro homens armados invadiram seu domicílio por volta das 2h da manhã e o executaram. Ainda de acordo com a polícia, não houve registro de roubos na casa. Em sua última publicação nas redes, ele afirmou que teria descoberto um esquema de desvio de dinheiro na Câmara de Vereadores de Pé da Serra, município vizinho.

O jornalista e radialista do interior da Bahia, Marlon de Carvalho Araújo. (Foto: Divulgação)

“Eu condeno o assassinato de Marlon de Carvalho Araújo”, disse a diretora-geral da UNESCO, a francesa Audrey Azoulay. “Eu peço que as autoridades investiguem esse assassinato e garantam a que seus autores sejam responsabilizados. Os jornalistas devem ser capazes de abordar questões de interesse público e continuar a exercer o seu papel de cães de guarda da democracia e da boa governança, sem temerem pela própria segurança”, complementa a diretora-geral. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA divulgou uma nota na qual condenava o crime cometido contra o radialista: “O tipo de cobertura que o jornalista realizava sugere que o crime está relacionado ao seu trabalho. O Estado do Brasil deve seguir uma linha de inquérito ligada à sua cobertura”, afirmou Edison Lanza, Relator Especial da CIDH. Apesar de uma mobilização internacional em torno do caso, ele continua sem solução por parte da Polícia Civil da Bahia.

Último publicado pelo comunicador antes de sua morte.

Jefferson Pureza Lopes

Outro caso que passa por investigação é de Jefferson Pureza Lopes, 39 anos, morto em 17 de janeiro deste ano, 2018. O jornalista foi assassinado em sua casa, cidade com população de cerca de 4.000 pessoas, quando dois adolescentes o mataram.

Lopes era radialista da Beira Rio FM em Edealina, Goiás, e apresentava o programa Voz do Povo, em que tecia fortes críticas ao prefeito da cidade, Dr. Winícius Arantes de Miranda, do PSB, rival político da dona da estação, Dolores Cristina Leandro Neves, candidata à prefeitura da cidade em 2016 pelo DEM. Um dos casos mais recentes em que ambos se estranharam ocorreu cerca de três de meses antes da morte de Lopes, quando a rádio foi incendiada. O prefeito foi até o local para acompanhar a investigação e acabou discutindo com o jornalista.

O polêmico vídeo da discussão entre o jornalista e o prefeito do município de Edealina.

Sobre a situação do vídeo, de Miranda argumenta que estava em casa quando foi avisado pelo procurador jurídico da prefeitura de que a Beira Rio havia sido queimada. Segundo ele, o procurador afirmou que poderiam suspeitar do próprio. Em seguida, o prefeito conta que ligou para a Polícia Militar e para a Polícia Civil solicitando a perícia. Ele defende que foi até a rádio pois iria visitar uma obra. Chegando lá, acompanhado do advogado, de Miranda afirma que Lopes começou a agredir verbalmente o advogado. Sendo assim, ele desce do carro e revela ao radialista que havia chamado a perícia, argumentando que se deu início a discussão.

O que se seguiu após o assassinato de Lopes foi uma suspeita de que o prefeito estaria envolvido, o que não foi provado. Mesmo tendo suas desavenças, com o radialista abertamente apoiando a dona e diretora da rádio, Dolores Cristina, para prefeitura, de Miranda afirmava “estar tranquilo e que esperava que as investigações avançassem”.

O jornalista e radialista Jefferson Pureza Lopes. (Foto: Divulgação)

A investigação seguiu e identificou o vereador José Eduardo Alves da Silva como mandante do crime. Ele é responde por homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e mediante pagamento. Todavia, não foi o vereador que participou do ato da execução, tendo contratado dois menores de idade para tal.

Quem lhe introduziu aos jovens foi o lavrador Marcelo Rodrigues dos Santos, com a negociação ocorrendo no lava-jato de Leandro Cintra da Silva. Ele e o lavrador respondem por homicídio e também por corrupção de menores, enquanto que os executores respondem por ato infracional análogo a homicídio.

Amigos e colegas de Lopes contaram que o radialista, que frequentemente criticava os políticos locais em seu programa de rádio, enfrentou ameaças e outras formas de intimidação por mais de um ano antes de seu assassinato.

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