Agora sim: chegou quem faltava ao paradesporto brasileiro!

Jornalismo em Pé
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7 min readSep 15, 2016

A torcida espetacular e outros 4 fatos marcantes que talvez você não saiba da primeira semana das Paralimpíadas

Torcida no RioCentro, no domingo à noite, vibrando, mesmo com a derrota do Brasil para o Egito no vôlei sentado masculino. Foto © Washington Alves/MPIX/CPB

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a torcida

Demorou, mas a torcida, finalmente, ocupou o lugar que a ela era desejado por cada paratleta brasileiro: as arquibancadas. Nada fazia mais falta do que isso. O investimento, a excelência esportiva, as imagens e histórias tocantes já estavam todas aqui. Mesmo assim, os assentos, campeonato após campeonato, permaneciam vazios, mesmo com ingressos gratuitos. A diferença do público presente é fundamental. E todos os atletas deixam isso claro. Há algumas semanas, acompanhar as redes sociais de nossos representantes era uma lista de convites — quase súplicas — pela presença do público nos Jogos. Entrevistar os atletas, era certeza de ouvir “sonho com o apoio do público”. O clima positivo da reta final das Olimpíadas (com ouro no futebol e no vôlei) e, especialmente, a redução do preço dos ingressos (alguns ingressos para estudantes chegaram a R$5) certamente pesaram na imensa presença. A Rio 2016 anunciou que, no primeiro sábado de competição, o Parque Olímpico bateu recorde de público, mesmo contando os dias das Olimpíadas: foram quase 170 mil pessoas. No domingo, 160 mil. Somando-se a isso principalmente o público do atletismo do Engenhão, que beirou os 20 mil lugares ocupados no sábado e no domingo, foram quase 200 mil pessoas em cada dia. Detalhe adicional, fundamental para análises cariocas: tratou-se de um fim de semana de sol e calor, no fim do inverno, ou seja, condições ideais de temperatura e densidade demográfica para a fruição das praias da orla. Talvez nem se o Maracanã ainda suportasse 200 mil pessoas, com promoção de ingresso e com o Flamengo na liderança do campeonato, tanta gente apareceria. A multidão faz muita diferença. Na quinta-feira, nas arquibancadas do estádio da natação, conversei com o simpático Caio Amorim, garotão carioca de 23 anos, que havia recém terminado em quarto na sua disputa. Ele disse que mesmo sem a medalha estava feliz, “porque a galera me deu uma força incrível nos 50 metros finais”. Se na natação, com água sobre os ouvidos, a torcida importa, imagina no atletismo. “Deu aquela alegria a mais nas pernas”, disse Petrúcio Ferreira, campeão dos 100 metros rasos T45.

Em relação às Olimpíadas, uma nova presença fundamental de público pôde ser vista nas Paralimpíadas — e comemorada: excursões escolares, de escolas públicas, com alunos imparáveis, dançando funk a qualquer oportunidade; muitos gritando “Fora, Temer”. O lugar deles é a arquibancada. É claro que essa realidade não se repetirá nas etapas do brasileiro daqui em diante. Mas a semente está plantada. A Olimpíada que arrancou tantas árvores (leia-se também casas e famílias e estádios de atletismo) também tem o compromisso do plantio.

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o atleta mais incrível dos jogos

É tão difícil encontrar palavras para descrever a habilidade de Ibrahim Hamadtou como foi para os classificadores funcionais encontraram a classe adequada para o egípcio. O tênis de mesa paralímpico tem nada menos que 11 classes: uma para deficientes intelectuais e outras cinco divididas entre andantes e cadeirantes. Mesmo assim, Hamadtou não tem similares. Todos os outros mesa-tenistas têm, pelo menos, um braço. Por isso, o gênio do esporte que levanta a bolinha para o saque com os pés e a rebate com o movimento de chicote do pescoço foi incluído na Classe 6, reservada aos andantes com menos mobilidade.

Ibrahim Hamadtou impressiona RioCentro. LEvanta a bola com os pés, saca com a boca. ©Alexandre Urch/MPIX/CPB

Hamadtou nasceu em 1973 na histórica cidade de Domyat, local de mais de 15 séculos de história, localizado pertinho do Mar Mediterrâneo. Aos 10 anos de idade, ele perdeu os braços quando foi empurrado acidentalmente da plataforma em direção aos trilhos do trem, bem quando a composição chegava na estação. No Rio, realizou seu sonho, germinado desde que começou no esporte, há mais de três décadas: participou de uma Paralimpíada ao lado dos maiores jogadores do mundo. O feito durou 31 minutos. 14 na derrota de 3 sets a 0 para o alemão Thomas Rau, mais 17 na derrota de 3 a 0 para o britânico David Wetherill.

Durou pouco, mas é eterno. A cena mais incrível do Rio veio do Egito.

Assista a íntegra da partida de Hamadtou contra Thomas Rau ‹‹‹‹

©Daniel Zappe/MPIX/CPB

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os jovens fenômenos brasileiros

Petrúcio Fereira dos Santos nasceu há 19 anos em São José do Brejo do Cruz, onde o calor do interior da Paraíba encontra o calor do interior do Rio Grande do Norte. Perdeu parte do braço com uma máquina de moer capim aos dois anos de idade. É uma sujeito adorável, baixinho, simpático, risonho. O rapaz está apenas em seu segundo ano de carreira. Chegou para desbancar outro nordestino especial: o alagoano Yohansson do Nascimento, que ficou famoso por ter pedido sua esposa Talita em casamento, para as câmeras, logo depois de ter sido campeão paralímpico nos 200 metros rasos em Londres 2012. Yô, que não tem os dois antebraços, ficou com o bronze (perdeu a prata nos milésimos) e se diz tranquilo com a dinastia brasileira nas provas de velocidade na classe T45. “A medalha está em boa mão. Só temos uma mão. Então, ela está em boa mão”, já disse Yô uma vez. Nordestino é orgulhoso do nordeste. O respeito e admiração de um pelo outro fica claro em cada entrevista. O sábado só não foi perfeito para Petrúcio porque os pais não vieram ao Rio. “Não sei se foi medo de andar de avião, mas minha mãe não quis vir”, disse em entrevista ao Comitê Paralímpico Brasileiro.

Nas paralimpíadas Rio 2016, Petrúcio bateu duas vezes o recorde mundial dos 100 metros rasos. Na final do sábado, ele marcou 10 segundos e 57 centésimos. Ainda com 19 anos, está a 41 centésimos do índice olímpico da prova. A falta dos membros superiores dificultam sobretudo a largada, fundamental na prova dos 100 metros.

Assista à final dos 100 metros rasos classe T47‹‹‹

Petrucio Ferreira teve o público que mereceu: um Engenhão lotado para ver um fenômeno de 19 anos. foto: ©Daniel Zappe/MPIX/CPB
No evento-teste, no mesmo Engenhão, há dois meses, Daniel Martins Tavares já havia dado provas do que mostraria na Rio 2016. foto: ©Daniel Zappe/MPIX/CPB

Daniel Martins Tavares, de 20 anos, é mais um filho ilustre de Marília, de onde também vem Thiago Braz, campeão olímpico do salto com vara. Não que Marília dê a Daniel vida fácil. Filho de um pintor e de uma dona de casa, ainda vive numa casa pequena, na periferia mariliense. E isso, todos sabem, faz uma diferença enorme no contexto brasileiro.

Ao contrário dos pais de Petrúcio, no entanto, a família de Daniel esteve perto para ver o filho fazer história na classe T20, reservada para quem tem deficiência intelectual. A fera foi outro a assombrar o Engenhão com o recorde mundial, no caso, na prova dos 400 metros rasos, distância conhecida por exigir muito dos atletas, que chegam exaustos. Daniel não. O sorrisão de aparelho vem acompanhado de leveza nos movimentos do corpo e da face. Nem parece o esforço de alguém que correu para 47s22. Embora bem humorado em qualquer entrevista, Daniel admite que não ficou plenamente satisfeito. Queria ter corrido na casa dos 46 segundos.

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o fantástico 1.500m T13

Os quatro primeiros colocados da prova paralímpica seriam campeões olímpicos no Rio 2016 (Photo: Bob Martin for OIS)

É isso mesmo que você leu na legenda da foto. Os 1.500 metros paralímpicos para quem tem baixa visão está mais veloz do que a prova olímpica. Aliás, bastante mais veloz. Enquanto o campeão paralímpico, o argelino Abdellatif Baka terminou a prova em três minutos, 48 segundos e 29 centésimos, o campeão olímpico, o americano Matthew Centrowitz, fez, no mesmo Engenhão, 3 minutos e 50 segundos cravados. Parte desta diferença, certamente, veio nos últimos 100 metros da prova paralímpica. Baka disputava passada a passada com o etíope Tamiru Demisse. Bem próximo da linha de chegada, Demisse desacelerou cruzou os braços sobre sua cabeça e repetiu o gesto de Feyisa Lilesa, vice-campeão olímpico da Maratona. Trata-se de um protesto contra o presidente etíope Mulatu Tshome e do primeiro ministro Hailemariam Desalegn, que, segundo os atletas, têm reprimido violentamente diversas manifestações. “Eu não volto para a Etiópia. Se eu voltar, sou um cara morto. Quero ir para a América, para os Estados Unidos. Sou totalmente contra o que estão fazendo na Etiópia, contra o governo. No nosso país nós não somos livres…” disse Demisse ao jornal Extra.

Para complementar as informações dessa prova maluca: o terceiro colocado, o queniano Henry Kirwa e ainda o quarto, o Fouad Baka (irmão do campeão Abdellatif) também fizeram tempos inferiores à marca olímpica de 2016. Em uma frase, o resumo deste resultado incrível: Fouad Baka seria campeão olímpico, mas não ficou nem no pódio paralímpico.

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um golaço e um raquetaço

Os grandes atletas, suas grandes histórias ficariam mudas não fossem suas grandes jogadas. São através delas, afinal, que o paradesporto se expressa. Momentos mágicos que nos trazem convicção de que estamos diante do maior espetáculo do esporte.

Behzad Zadaliasghar, 28 anos, é o protagonista principal do mais lindo gol do torneio de Futebol de 5 (para cegos). Foi o segundo gol do Irã sobre a equipe do Marrocos. Ele passa por todos os quatro jogadores de linha do adversário para marcar um golaço. Mas não se engane: Behzad não marcou esse gol sozinho. Atrás do gol, Mohammadreza Shaddelbasir, o chamador iraniano, teve papel fundamental. É ele quem orienta o ataque do time.

A segunda lindeza é da holandesa Kelly van Zon, que anotou um ponto de extrema dificuldade para vencer a turca Kubra Korkut, justamente na final feminina da classe 7, para atletas andantes. Van Zon se jogou numa bola quase perdida e festejou como se deve, com um berro de alegria, enquanto Korkut olhou perplexa, quase sem acreditar.

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