Gonçalenses desafiam a miséria, capinam entre ratos e cobras e conseguem mais mil unidades do Minha Casa, Minha Vida.

Jornalismo em Pé
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26 min readNov 13, 2014

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+ Moradia: Imenso matagal no norte de São Gonçalo (RJ) transforma-se em poço de esperança para famílias que fogem do aluguel, da violência e da insegurança das áreas de risco.

- Ódio: Mesmo com reintegração de posse deferida, ocupação dura 12 dias, reúne pelo menos 500 pessoas, fecha acordo com a Prefeitura e termina pacificamente.

por Caetano Manenti

É um aviso divino repetitivo do árido ano de 2014 no Rio de Janeiro: chove, quando algo de importante está para acontecer. Foi assim minutos antes de terminar a greve dos garis no fim da tarde de 8 março. Foi assim quando, às 19h40 do dia 26 de outubro, Dilma virou sobre Aécio Neves.

No anoitecer da quinta-feira, 6 de novembro, a chuva também serviu como prenúncio de capítulos emocionantes — pelo menos, para o povo pobre do interior de São Gonçalo. Afinal, não é todo dia (nem mesmo todo o ano), que tanta figura importante aparece na vizinhança. Quem subia — com microfone na mão — sobre a mesa azul que servia de palco já tinha casa decente para morar. Quem ouvia, não. Quem falava calçava tênis ou botina fechada, dessas propícias para andar em terreno molesto. Quem ouvia, chinelo de dedo.

Deputados, advogados, lideranças universitárias e sindicais despejavam, com palavras, gasolina na fogueira da esperança. Deu para sentir o frenesi do público quando o deputado federal Chico Alencar — que fez questão de vestir o boné do MTST — contou que, naquela tarde, havia conversado por telefone com o governador Luiz Fernando Pezão sobre a invasão. Para Chico, Pezão teria dito que já sabia da ocupação e que queria “tratar disso com muito cuidado, respeitando o povo que tá aqui”. Para os espectadores, que passaram o dia capinando — alguns assustados com as cobras —, era uma sucesso ter a certeza de que até o governador já sabia de suas existências.

É possível que os lemas da esquerda, as frases de apoio e, especialmente, os gritos de guerra (de conteúdos tão antigos) cheguem agora sem força aos olhos do leitor. Bem diferente da energia emanada pela turma de, pelo menos, 580 pessoas que se mobilizavam na entrada da ocupação naquela noite. Quando Flávio Serafini, deputado estadual eleito, pediu para o povo acompanhá-lo em coro, a espinha do repórter arrepiou:

“Criar, criar…
poder popular!

Criar, criar…
poder popular!”

A emoção não era sinal de uma rompante crença no socialismo. Não tinha a ver com a esperança de uma revolução nacional ou mundial, como sonharam os soviéticos no início do século passado. A emoção surgia da revolução pessoal que cada brasileiro que ali estava demonstrava naquele momento: uma vontade essencial de se engajar. Com a surpreendente irreverência que resta em corpos tão sofridos pela dureza do trabalho pesado da vida pobre e com a surpreendente coragem que resta de mentes tão sofridas pela ameaça de poderosos de todas as correntes e patentes, um outro canto fez ainda mais sucesso. Bradado através de sorrisos de dentes faltantes, eles ameaçavam:

“Pisa ligeiro, pisa ligeiro…

Quem não pode com formiga
Não atiça o formigueiro”.

São Gonçalo é a segunda cidade mais populosa do estado do Rio. Entre os municípios que não são capitais, apenas as paulistas Guarulhos e Campinas têm mais gente. É a 16ª da lista de 16 cidades brasileiras que já contam mais de um milhão de habitantes: 1,025 milhão de pessoas espalhadas por uma imensa área, que fica entre a Baía de Guanabara (a oeste), Niterói e Maricá (ao sul) e Itaboraí (a leste e ao norte).

É quase chegando em Itaboraí, numa “avenida” que parte do quilômetro 303 da BR 101 (trecho conhecido como Niterói-Manilha), onde foram fincadas as estacas e os bambus da ocupação do MTST, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto. Oficialmente, é uma avenida, mas o asfalto da via Sampaio Corrêa só alcançou os três grandes empreendimentos da rua: um posto Shell, um centro distribuidor da Votorantim — ambos ainda na esquina com a estrada — além da empresa Shulz Importação e Exportação.

Asfalto só para quem pode.

Passado o portão de ferro da Shulz, o vivente só encontrará a pobreza do chão de terra, sempre ladeado pela desgraçada onipresença de valões de esgoto a céu aberto, de onde uma ninhada de ratos constrangeu a reportagem, a poucos metros dos barracos.

Trata-se de uma rua quase igual a quase todas da região, nos limites dos bairros Jardim Catarina e Santa Luzia. Uma área que cresceu, como boa parte de São Gonçalo, sem um planejamento urbano adequado. Prova disso é o lixo acumulado nas ruas, mesmo no centro, o esgoto escancarado e as repetidas reclamações por transporte de qualidade.

Para ficar no exemplo do transporte, São Gonçalo é a cidade fluminense que mais perde dinheiro com a imobilidade urbana, segundo um estudo lançado em julho deste ano pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com as horas perdidas por seus trabalhadores, especialmente no caminho à cidade do Rio, calcula-se que um valor relativo a 7,2% do PIB municipal fique parado no trânsito. No início da manhã, a viagem de 30 quilômetros que separa o centro das duas cidades, frequentemente, demora mais de duas horas.

Falta moradia em São Gonçalo também. O que não falta são terrenos gigantes, como um de 10.000 m², à venda logo no primeiro trecho da Sampaio Côrrea — ou como outro, de 60 000 m², o palco principal da nossa trama.

Foto de satélite dá a ideia do tamanho do terreno ocupado.

Antes do último dia de outubro passado, antes da ocupação, toda essa área era um matagal fechado, abandonado, verde em sua maioria, sem cerca de proteção ou aviso de propriedade. Deduzia-se que o terreno era de uma antiga fábrica de plástico vizinha, a G Bastos Comércio e Indústria de Embalagens Plásticas LTDA, falida em 1997. As ruínas do prédio da fábrica, somadas ao terreno abandonado, cultivam a degradação da área a base de muitas pedras, tijolos quebrados, entulho de ferro, lixo e até mesmo embalagens velhas de remédios.

Carro depenado e ruína de fábrica compõem cenário de abandono total.

Um carro abandonado, aparentemente um Fiat Tipo, depenado, sem rodas e sem vidros é o detalhe que resume um lugar que “para boa coisa não servia”, como me disse um dos novos ocupantes da área. Ele ratificava o discurso de outros vizinhos que garantiam que aquele capim alto servia de guarida para estupros e para a “desova” de corpos assassinados.

Encontrei Douglas, um bombeiro hidráulico, na terceira visita que fiz à região, já no décimo primeiro dia da ocupação. Ele cruzava a Sampaio Correa a trabalho, a pé, apressado, mas, ainda assim, espantado com a quantidade de barracos levantados sobre o terreno abandonado.

— Estou procurando vizinhos deste terreno, que foi ocupado pelo Movimento dos Sem-Teto. Você é aqui da região?
— Não. Sou de longe. Se fosse daqui, também estaria nessa. Também não tenho casa. Moro de aluguel.
— Valeu!

Após caminharmos mais alguns metros em direções opostas, ele me chamou.

— Só uma dica, talvez você não esteja muito ligado. Já trabalhei aqui algumas vezes e sei que essa região, dali para cima, é muito, muito perigosa. Cuidado!
— Obrigado.

Poucos passos a frente, conheci Dona Sônia — esta sim, vizinha antiga do terreno.

— Moro há 20 anos aqui e esse terreno sempre foi abandonado. Meu marido mora há 30 e diz que a situação sempre foi essa. Essa não! Era pior. Tá vendo que a entrada do terreno está capinada? Foi um mutirão que todo o pessoal dessa rua fez para melhorar a situação.
— O pessoal da ocupação diz que esse terreno sempre foi perigoso. A senhora confirma?
— Sim! Uma vez, um homem, lá dentro, baixou as calças e ficou mostrando as partes. Eu sei disso porque isso aconteceu comigo. De noite mesmo, a gente evita ir para aquele outro lado porque é muito escuro.
— Como vizinha, qual sua opinião sobre essa ocupação?
— Sou a favor. Pelo menos, fica movimentada a rua.

Foi no dia das bruxas, nessa rua, que um pequeno grupo inaugurou a primeira ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto no estado do Rio. Uma atitude que demonstra o ímpeto do MTST em 2014. Depois de 17 anos de vida, o movimento conquista um espaço inédito no cenário da disputa urbana brasileira. Fortalecido após vitórias emblemáticas em São Paulo — como na votação do Plano Diretor — , espalha-se pelo país e talvez possa se considerar o movimento social mais influente do momento.

+ Assista ao vídeo do Mídia Ninja, logo nos primeiros dias da ocupação

Moradores da região usam enxada e facão para capinar terreno. (Foto: Santiago Serrano/ Mídia Ninja)
Pouco a pouco, o capim se transforma em reinvindicação. (Foto: Santiago Serrano/ Mídia Ninja)
A primeira bandeira do Brasil não demora a aparecer. (Foto: Santiago Serrano/ Mídia Ninja)
Alguns surgem sozinhos. Outros trazem a família inteira para a ocupação. (Foto: Santiago Serrano/ Mídia Ninja)

É Felipe Brito, doutor em Serviço Social, o mais velho entre as lideranças do MTST presentes em São Gonçalo, quem relata como o terreno do bairro Santa Luzia foi escolhido pelo grupo:

— A gente organizou essa ocupação em resposta a pressões muito intensas aqui de São Gonçalo — o déficit habitacional aqui de São Gonçalo é um problema crônico. Com a ocupação, a gente objetiva fomentar uma organização e uma mobilização coletiva e continuada para pressionar os governos a implementar iniciativas de habitação popular.

— Quem procurou quem? O Movimento procurou os habitantes desta região ou foram eles que procuraram o movimento?

— O movimento ganhou uma notoriedade e uma visibilidade nacional por meio do aprofundamento da luta. Usa, de modo intenso, e procura usar, de modo hábil, as redes sociais. Houve a procura de moradores e de lideranças comunitárias. O movimento também fica atento a esses problemas. Em relação a procura de áreas, há um encontro, um casamento de expectativas. Uma área como essa se encaixa no que nós classificamos como “latifúndio urbano”. São grandes áreas ociosas, em geral, com irregularidades tributárias e outras formas de irreguralidades, que são usadas como forma de especulação imobiliária e, por conseguinte, não cumprem sua função social. Logo, podem ser classificadas como “propriedades em condição de irregularidade”. Essa área aqui, há décadas ociosa, foi apontada por moradores do entorno como uma área nessa situação — o que me causa muita revolta. E o movimento também faz suas pesquisas para avaliar a situação jurídica da área; o movimento tem seu critério. (Felipe Brito, liderança do MTST)

Ao microfone nas assembléias e na linha de frente da organização das ações do movimento no dia a dia em São Gonçalo, Felipe tem a companhia de mais três integrantes do MTST: Henrique Sater, Vitor Guimarães e Guilherme Simões. De São Paulo, o grupo foi reforçado com uma figuraça, Luiz Cláudio dos Anjos, de 27 anos, morador da imensa Ocupação Nova Palestina, na zona sul de São Paulo.

Passei a manhã de quinta-feira (6/11) ao lado dele. Vestindo uma camisa da corintiana torcida Gaviões da Fiel, saíra empolgado de uma reunião no barraco que serve de escritório da ocupação, ao lado do barraco que faz as vezes de cozinha. Partiu com o missão de divulgar boas notícias sobre o movimento, contar das experiências em São Paulo, empolgar novos vizinhos e espalhar algumas diretrizes básicas para a ocupação que, no segundo dia, recebera do grupo o nome de Zumbi dos Palmares.

O sorridente Luizinho saiu de São Paulo para mobilizar a luta por moradia em São Gonçalo.

As palavras de Luiz se repetiam a cada encontro. Lembrava todos da importância de ajudar o vizinho a levantar as barracas.

— Viu que tá precisando? Ajuda, pô.

Pedia que evitassem brigas dentro da ocupação, assim como o corte de árvores e o uso de drogas.

— Se for para dar um jam que seja fora daqui.

Tropeçando em pedras e galhos, espalhava a mensagem de que era preciso evitar o tráfego de motos dentro do terreno: poderia ser perigoso para as muitas crianças ou uma brecha para a oposição depositar um veículo irregular na área.

Aí a polícia entra e vão estar no direito deles.

A maioria se empolgava ao ouvir as palavras de sotaque meio paulistano/meio baiano de Luizinho. Afinal, ele só contava maravilhas do movimento, no qual ingressou em 2013. Dizia ele a um grupo grande:

— Esse movimento não luta só por moradia — quando vocês estiverem dentro dele vocês vão ver. Luta por educação, por saúde. Por exemplo: você leva seu filho num posto (de saúde) e é mal atendido. Aí você vai para a ocupação fala ‘ó, gente, meu filho foi mal atendido’. Chama a reunião aqui. Chama todo mundo, cara! Aí a gente vai para a frente do posto e ele vai atender nós. Vamos lá reclamar: “por que está atendendo mal as pessoas? Tem que atender bem, isso e aquilo.” Mesma coisa a educação. Vamos bater lá, vamos martelar. É assim que funciona.

— Temos que buscar atividade para as crianças. As crianças ficam na rua porque não têm atividade. Vai achar atividade na boca!, acrescentou, preocupada, uma mãe que puxava seu filho ainda criancinha pela mão.

— Mente vazia é a entrada para o mal, concordou um colega de ocupação.

Tentando dar uma guinada completa na conversa, Luizinho puxou um papo de economia.

— Vocês sabem quanto está a dívida pública hoje? Vocês sabem quanto o Brasil pagou da década de 70 até agora? O brasileiro não sabe! E esse dinheiro deveria ser investido aqui. Sabe quanto, do dinheiro da União, vai para a habitação? 0,02%. Sabe quanto vai para o pagamento da dívida pública? 45,05%! E aí? Vai falar o quê? A gente tem que saber tudo isso! E tem o direito de se expressar! A gente tem direitos pra caramba, mas o cidadão fica acomodado. É por não ter informação!

— Mas sem quebrar nada! Ter direitos não significa ter direito a tudo, senão perde a razão. Nada de briga, hein!

Vibraram todos, em coro, de acordo. Nesse exato momento de apoio absoluto, um homem acompanhado de três crianças se aproximou do grupo. Era mais um vizinho querendo entender o que se passava.

— Como faz para entrar com vocês aí, rei?

— Ele é o cabeça aqui, disse uma outra criança, apontando para Luizinho.

— Não, não. Nós todos somos cabeças, nós estamos organizados. Mete um plástico aí. De noite, tem assembleia para deixar o nome.

— Eu vou ter que ir ali na rua de baixo resolver um problema e depois eu volto.

— Não demora muito. E traz a foice para capinar.

— Não demoro!

Em um ano de luta, Luizinho garantia a todos que já tinha conseguido o seu lugarzinho ao sol no Programa Minha Casa, Minha Vida, que pagaria apenas R$50 mensais para ter o seu apartamento em São Paulo: “chega de aluguel!”, repetia, sempre que podia. Não era apenas com o discurso de fé em pagar pouco por uma casa digna que Luiz cativava seus interlocutores. Quem ouvia o recado balançava a cabeça positivamente como se acreditasse num outro mundo, uma comunidade diferente: sem brigas, sem drogas, sem motos roubadas, com teto, com água, com poder político e ainda com uma cozinha comunitária.

Um jovem negro, de cabelo loiro, destoava e desconfiava das palavras de Luiz. Não achava possível que o forasteiro de São Paulo pudesse dar, só com um papo otimista daquele, um choque de dignidade naquela porção da zona norte de São Gonçalo. Para o jovem, que segurava uma cavadeira, era preciso uma articulação muito mais espinhosa, era preciso costurar as regras com as forças poderosas da região. Luiz perguntou, então, quem era a pessoa certa a falar; o jovem mostrou-se acostumado com medo e negou-se a responder: “aí você vai me complicar”.

De qualquer forma, era o otimismo que reinava. Afinal, na véspera, uma manifestação dos ocupantes tomara as ruas do centro de São Gonçalo, forçando a Prefeitura a receber representantes do grupo mobilizado. Quem havia protestado na tarde anterior ainda estava com a adrenalina no corpo, em êxtase por terem aparecido nos principais sites, jornais e telejornais do Estado. “A essa hora até a Dilma já sabe”, garantia Luiz.

13 km até a Prefeitura: a ocupação foi protestar. (Foto: Mídia Ninja)
Gritos de guerra serviam como combustível para a jornada. (Foto: Mídia Ninja)
Movimento considerou encontro imediato com o secretariado uma vitória. (Foto: Mídia Ninja)
Segundo os líderes do movimento, reunião mostrou boa vontade da Prefeitura de São Gonçalo. (Foto: Mídia Ninja)

+ Assista ao vídeo do Mídia Ninja, do protesto na Prefeitura.

Ainda mais celebrado que o espaço na mídia era, segundo o grupo, a boa vontade demonstrada pela Prefeitura. Segundo as lideranças do MTST, inclusive Luiz, e ainda de acordo com o publicado no portal Ninja, que fez cobertura ativista permanente da ocupação, a administração municipal acenou com a possibilidade de negociar o terreno com o proprietário para a construção ali mesmo de casas populares. Em alternativa, o secretariado gonçalense teria ainda prometido empenho na análise de outros terrenos da cidade para o mesmo fim. O povo estabelecido na avenida Sampaio Côrrea estava, então, alvissareiro e dedicado à construção da ocupação.

Na manhã de quinta-feira, dia 6/11, pelo menos, 150 pessoas levantavam seus humildes espaços no terreno ocupado. Eram construtores todos: de velhinhas de braços frágeis a pequenas crianças que saltavam sobre o esgoto exposto e, comoventemente, ajudavam seus pais a transportar o bambu de um terreno vizinho até o local do barraco. As lideranças do MTST admitiam a dificuldade de contabilizar quantas pessoas estavam no local. Em uma estimativa imprecisa, dia 6/11, chegaram ao número de 500 famílias. Em 11/11, a liderança do MTST falava em “mais de 743" inscrições — ou 743 barracos.

Não significa que todas as pessoas que construíram suas barracas passaram a viver dia e noite no terreno. Não são apenas cidadãos “em situação de rua” que procuram as ocupações do MTST. A maioria das pessoas com quem falei vivia de um aluguel “impagável” nas cercanias da área, como na favela do Cano Furado ou num imenso loteamento chamado Jardim Catarina. Pesquisando ali o preço da mensalidade na região, recebi a seguinte resposta: “para morar humilde — humilde mesmo! — num barraco dentro de uma favela por aqui, está R$350".

Em ocupações como essa, comum também é encontrar pessoas que vivem na embaraçosa situação de “morar de favor”. É um estrato do déficit habitacional que parece um pouco esquecido dos debates, na mídia, sobre moradia digna, mas que ganha força e peso dentro da ocupação.

Nascido e criado em São Gonçalo, Seu Carlos já precisou muito da caridade de seus parentes, que já receberam também sua mulher e seus três filhos sob o mesmo teto. Hoje, Carlos e sua esposa (que preferiu não revelar seu nome na reportagem) pagam R$650 de aluguel, mais uma estranha conta de luz que, muitas vezes, ultrapassa os R$230, mesmo que vivam num imóvel de “menos de 30 m²”. A esposa de Carlos não tem coragem de reclamar da conta. Disfarçadamente, diz desconhecer quem se beneficia da situação. A reportagem também não tem coragem de investigar o caso.

Só para o aluguel e para a luz, a família de seu Carlos precisa, então, de R$880 mensais. Acontece que seu Carlos, aposentado por invalidez, recebe apenas R$550 do INSS. Como na maior parte da vida trabalhou sem carteira assinada — quase sempre na construção civil — contribuiu pouco para a Previdência e hoje recebe essa micharia. A esposa de Carlos, uma simpática baiana, trabalha nos serviços gerais de um hospital de São Gonçalo. O salário, claro, também é curto.

A minha esperança é deixar de pagar aluguel. A gente já passou por muita dificuldade. E por quê? Porque os proprietários aproveitam daqueles que não têm casa para cobrar o preço que eles querem no aluguel. Você não encontra uma casa decente, do centro para cá, por menos de R$600. Pergunta pro meu marido.

— Esse movimento veio dar uma força aos gonçalenses necessitados, como eu e minha família. Aposentado, sofredor. Terreno abandonado tem que ser ocupado. Tô dando apoio ao pessoal do movimento. Tô ocupando a área também. Eu, com a minha família, vou ficar aqui até conseguir minha casa.

Seu Carlos, de 51 anos, mexe as pernas para subir e descer da escada melhor que muito rapaz de 30, mas aparenta mais idade que muito senhor de 65. É a herança de uma vida dura. Marmorista quando jovem, tinha uma “condição boa” até os 25 anos de idade, quando descobriu que estava com catarata. Operou, mas não deu resultado. Hoje enxerga “tudo embaçado” e não consegue mais trabalhar na construção civil, afinal,”não adianta construir uma casa torta”.

A esposa de seu Carlos, quase no fim da conversa, deixou escapar o que realmente a aflige. Já faz uma década que se inscreveu na fila do programa habitacional da Prefeitura; nunca foi chamada. Segundo ela, o Município dá preferência a quem mora em áreas de risco de enchentes (em abril de 2010, uma terrível enxurrada matou 16 e desabrigou milhares de gonçalenses). Ela garante que também mora numa área de risco.

Risco de quê? Enchentes?, perguntei.

A resposta dispensou as palavras. A baiana ergueu o dedão da mão direita para cima, o indicador para frente e disparou um revólver imaginário. A família de Seu Carlos vive sob o risco da guerra urbana.

Eram quase três da tarde quando cheguei à Prefeitura de São Gonçalo. A pintura, em azul de canto a canto, já está desgastada. A portaria trabalhava intensamente, credenciando os visitantes. Identificado como jornalista, fui encaminhado a um corredor secundário, que me levou até a Secretaria de Comunicação.

Esperando a entrevista com a secretária de Habitação, conversei com uma das assessoras de imprensa, que me contava sobre a recente mudança de postura da segurança pública da cidade, área do 7° Batalhão da Polícia Militar. No final de julho, o coronel Fernando Salema assumiu o comando. Após liderar o vizinho 35° BPM (Itaboraí), Salema desembarcou em São Gonçalo com um ímpeto de maior enfrentamento com a criminalidade local. Segundo O São Gonçalo, principal jornal da cidade, o oficial sofre retaliações por conta da linha dura.

Tráfico de São Gonçalo faz plano para matar coronel da PM (31/08/14)
Revoltados com a determinação do comandante do 7º BPM (São Gonçalo), coronel Fernando Salema de “tolerância zero” (proibição) para a realização de bailes funks patrocinados por traficantes em comunidades de São Gonçalo, líderes da facção criminosa Comando Vermelho (CV) realizaram uma reunião na semana passada, onde planejaram a morte do oficial. “Eles estão perdendo muito dinheiro com a venda de drogas nesses bailes, principalmente nas comunidades da Chumbada e da Coruja. Isso está deixando os chefões do tráfico desesperados”, disse um dos policiais que investiga a denúncia repassada ao disque-denúncia.

Pelo celular, o coronel Salema comunica diariamente as ações de seu batalhão para cerca de três dezenas de jornalistas de São Gonçalo e Itaboraí. A dureza das operações e a atividade pró-ativa de comunicação parecem estar agradando a parcela de jornalistas (e da comunidade) que desejava mais ação da policia militar em São Gonçalo. Afinal, há 3 anos, o batalhão ficou manchado pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli. 11 policias, então lotados no 7°, foram condenados pelo crime. Inclusive um dos antecessores da cadeira de Salema, o tenente-coronel Claudio Luiz Silva de Oliveira.

O prestígio que Salema tem com gonçalenses encontrados no centro da cidade não coadunam com a reputação que ele possui entre os invasores do terreno abandonado no bairro de Santa Luzia. Justamente na quinta-feira da primeira visita da reportagem, o coronel também foi conhecer a ocupação. Foi até lá sem operação, apenas para “confirmar uma ordem judicial”. Foi com essa expressão que o coronel contou que visitou os ocupantes: “apenas 20 pessoas quando eu fui lá”. Um dos ocupantes do terreno me disse que o coronel havia orientado os líderes do MTST a “não iludir todo esse povo”. Já os líderes do MTST contaram que a visita serviu como ameaça. Segundo eles, o policial teria dito que não adiantaria apoio dos parlamentares, esperado para aquela noite, e que, em breve, todos seriam removidos, já que já existiria uma decisão pela reintegração de posse deferida pelo Tribunal de Justiça do Rio. Para confirmar todas essas informações, liguei para o coronel no fim da tarde de quinta (6/11).

— O pessoal da ocupação me disse que o senhor esteve aqui, colocando a eles que esta ocupação está irregular, em propriedade privada.

— Eu não. Olha as palavras. É a Justiça (que decidiu isso). Eu falei? Não. Eu não sei quem é ninguém. Não conheço nada. Só vim cumprir uma ordem judicial.

— Esta ordem judicial está na sua mão?

— Está na mão de um oficial de justiça. No dia em que ele vier aqui, eu vou acompanhá-lo para dar conferimento a ordem judicial. Só isso.

— Então vocês têm a previsão de uma desocupação ainda hoje (6/11)?

A qualquer momento. Quem tem que fazer essa desocupação são os invasores. Eles é que têm que desocupar. Eu não tenho que desocupar nada.

Quando a secretária de Habitação de São Gonçalo, Evangelina Andrade, me recebeu, também não sabia da decisão judicial. Parece que pouco importaria. Ela, ao contrário do que me disseram lá na ocupação, não demonstrava muita empolgação com a compra da área para um programa de habitação popular.

— Primeiramente, eu gostaria de dizer que é a primeira experiência nossa com um movimento como esse. A gente entende a causa. É uma causa nossa também. A Prefeitura luta por melhores moradias, por moradias mais dignas para aqueles cidadãos que ainda estão em áreas de riscos, em áreas que não são consideradas salubres. Então, a gente tenta, em parceria com o Governo Federal, implementar várias ações sociais, inclusive, o Minha Casa, Minha Vida. Temos uma demanda aprovada pelo Governo Federal de 12 mil habitações aqui na cidade de São Gonçalo. Essas 12 mil habitações foram uma vitória. Há muito tempo São Gonçalo vinha batalhando por isso. Só que a gente sabe que o nosso déficit é um pouco maior do que isso.

— De quanto é o déficit?

— Cerca de 20 mil. E a gente precisa buscar mais e mais recursos para estar diminuindo esse déficit. Ontem, quando recebemos essa comissão (de lideranças do MTST), nossa intenção era de ouvir as demandas, ver quais as propostas e começar a analisar o caso de maneira mais concreta, mais real. De longe é difícil falar. Então, constituímos um grupo de trabalho, composto pelas secretarias de Habitação, Planejamento e Desenvolvimento Social, mais os coordenadores do movimento. Com esse grupo, buscaremos encontrar soluções viáveis. E quando eu digo soluções viáveis, eu digo para ambos os lados. A gente tem que entender que lá é uma propriedade privada. Não é uma área pública. Isso traz outros obstáculos. Não há uma tendência da Prefeitura de comprar esse terreno.

Segundo a secretária, a lista do Minha Casa, Minha Vida em São Gonçalo conta com 44 mil inscrições. Porém, ressalta ela, “nem todas essas famílias mantêm o perfil do programa”.

Professor Josemar é o nome político de Josemar Pinheiro de Carvalho. Gonçalense, concorreu a prefeito da cidade em 2012. Em 2014, foi o 134° candidato mais votado a deputado estadual no Rio, mas só não se elegeu na última vaga do PSOL porque faltaram 700 votos. No ato de apoio político à ocupação, declarou que o déficit habitacional da cidade de São Gonçalo é de 50 mil moradias.

Voltando aos números da Prefeitura, das 12 mil unidades aprovadas no Minha Casa, Minha Vida, segundo Evangelina, até então 1,4 mil já foram entregues — nos bairros do Arsenal, do Mundel e do Jóquei. A promessa da secretária é que, até o primeiro semestre de 2015, mais 2.500 unidades serão entregues. Para fechar as 12 mil, a Prefeitura tem um prazo de 4 anos.

Os invasores do matagal, certamente, não queriam esperar tanto assim. A ocupação crescia.

Foi o líder Felipe Brito quem abriu a chuvosa assembleia da quinta-feira.

A Polícia Militar disse que só tinham 20 pessoas aqui. Ou eu não sei contar, ou são eles que não sabem! Vamos começar nossa assembleia aqui, então, para mostrar que não têm só 20 pessoas aqui, não. Tem 20 vezes 20.

— MUITO MAIS!, gritou uma enfezada espectadora, que tinha aderido à luta por moradia há apenas pouco mais de uma hora atrás.

Vitor Guimarães sucedeu Felipe ao microfone. Celebrou ao espalhar a notícia de que “três das maiores avenidas de São Paulo estão, nesse momento, enquanto estamos na assembleia, fechadas pelo MTST”.

Foi a deixa para um novo grito de guerra,

UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO, MIL
OU DÁ A NOSSA CASA, OU PARAMOS O BRASIL.

Guilherme Simões foi o terceiro e o mais enfático.

Apareceram muitas famílias que não aceitam mais viver de aluguel. Muita gente que não aceita mais a humilhação que é morar de favor. Muita gente que não quer mais passar a humilhação que é viver em área de risco e que encontrou na bandeira do MTST e na Ocupação Zumbi dos Palmares uma alternativa de luta e uma solução para seus problemas. Nós começamos na sexta-feira e não vamos parar por que uma juizinha deu uma reintegração. Juiz não sabe o que é viver com um salário mínimo e ter que pagar aluguel. Juiz não sabe o que é viver perto de rato e ter que alimentar os filhos num barraco de madeira. Juiz não sabe o que é viver em um país que a Polícia Militar quer violentar os mais pobres e entra na comunidade atirando à toa. Juiz tem salário alto. Juiz tem privilégio. E é contra eles que nós vamos lutar também.

(((APLAUSOS)))

Nossa vitória é uma questão de tempo. Não é uma reintegração de posse — um documentinho — que vai fazer a gente desistir. (…) Companheiros, a nossa integração é fundamental para a nossa vitória. Existe sim uma reintegração de posse. Com nossa luta de ontem (na Prefeitura) e com a pressão que de hoje, que fizemos com nossos aliados, conseguimos suspender essa reintegração. Mas ela ainda existe. Eles querem executar.

De fato, a articulação ao fim da primeira semana de ocupação foi fundamental para mantê-la em pé a partir de então. Os deputados federais Chico Alencar e Jandira Feghali tiveram participação fundamental nesse processo.

Na quarta-feira, dia 5/11, segundo me relataram o coronel Salema e as lideranças do MTST, foi deferida pela desembargadora Helda Lima Meireles a reintegração de posse do terreno, tanto que Salema esteve no local para avaliar a situação de uma possível remoção.

Acontece é que a decisão até agora não está disponível no site de consultas de processos do Tribunal de Justiça do Rio, o que dificulta o conhecimento da reportagem. Referente a G Bastos Comércio e Indústria de Embalagens Plásticas LTDA, os resultados encontrados on-line são muitos. A maioria trata do imbróglio referente ao processo de falência.

Ainda segundo os advogados do MTST, o terreno está sob guarida da massa falida da G Bastos. O apelante pela reintegração, no entanto, não foi o síndico dessa massa falida, o advogado Iamazak Barbosa Tavares, mas sim um dos sócios da empresa, Valter Gonçalves Bastos. Valter não foi encontrado. Por telefone, na manhã de quarta (12/11), conversei com Iamazak por telefone.

— Acredite ou não, ontem eu estive em São Gonçalo para fazer uma audiência de um cliente meu. E foi só ontem (11/11) que eu tomei ciência dessa ocupação.

— Só ontem?

— Fui informado pelo escrivão da 5ª Vara Cível de que essa ocupação teria ocorrido e que, por conta do Tribunal de Justiça ter requerido a remessa do processo inteiro para o Tribunal (originário, em São Gonçalo) essa desocupação teria sido requerida e determinada pela desembargadora e relatora. Para eu dar um juízo de valor, preciso dar uma olhada mais a miúde.

(..) — Não teria que ser a massa falida ou o síndico da massa falida quem apelasse com uma ação ou um recurso de reintegração de posse por uma área ocupada?

— Não. Eu tenho convicção de que sócio falido também tem legitimidade para fazer. E o fez por que teve notícia. Eu não tinha notícia.

— Senão, faria também, né?

— Eu teria obrigação legal de ter feito. A massa paga as despesas e paga pela manutenção e vigilância do imóvel. Isso é feito mensalmente.

No meio da entrevista, descobrimos um desencontro de informação. Iamazak disse que sob sua custódia estava o terreno murado, onde ficam as ruínas do prédio abandonado da empresa falida; não o imenso matagal ao lado.

Mesmo assim, Iamazak trouxe mais informações importantes sobre a situação da G Bastos.

— Os credores trabalhistas na sua totalidade foram pagos há bastante tempo. Pelo menos, cinco anos. Evidentemente, existem outros credores, que são os bancos e a União, que é detentora de um crédito perto, na época, de R$5 ou R$6 milhões. Ainda tem os bancos, o Banco Itaú, o Bradesco…
— E esse montante deve girar em torno de quanto?
— O total deve girar em torno de R$7 ou R$8 milhões.

No dia seguinte à expedição da reintegração, os parlamentares articularam para se dar um prazo maior o cumprimento da decisão. Neste mesmo dia, os advogados do MTST foram até a sala da desembargadora no Rio de Janeiro. Ficaram à espera, enquanto o próprio coronel Salema conversava com a desembargadora. Atendidos, os advogados do movimento voltaram à São Gonçalo com o acordo de que Justiça e a PM aguardariam a primeira reunião do grupo de trabalho, marcada para a quarta-feira, dia 12, na sede da Prefeitura.

Do dia 6 ao 12, a ocupação viveu uma ebulição de sentimentos. Do nervosismo de tanto esforço terminar numa ação violenta da PM à esperança de vencer, de conquistar uma casa e, pelo menos, livrar-se do problemaço do aluguel.

Talvez para ajudar a almas tão desassossegadas, no sábado pela manhã, um culto ecumênico foi celebrado no terreno. Um dos organizadores do ato foi o vereador de Niterói Henrique Vieira, teólogo protestante e pastor ecumênico da vertente da Teologia da Libertação.

— A moradia é um dos direitos fundamentais. Fui lá para dar solidariedade. São Gonçalo tem um déficit habitacional muito grande, o que revela um modelo de cidade que não garante o direito à moradia. O tempo inteiro, eu gostaria de ressaltar a moradia enquanto um direito. Nossa cidades precisam ter políticas públicas para garantir moradia para as pessoas. O Brasil tem, nacionalmente, o programa Minha Casa, Minha Vida, mas se você reparar o déficit habitacional não está caindo de forma relevante. Ao mesmo tempo que se constrói casas, as nossas cidades estão cada vez mais caras, aprofundando o processo de segregação sócio-espacial, elitizando espaços e periferizando as camadas populares. Nós temos no Brasil como um todo — e Niterói e São Gonçalo são exemplos disso — um processo de encarecimento dos aluguéis.

Na tarde de domingo, foi a vez da Zumbi dos Palmares receber um ato cultural, com apresentações de Jongo, Bloco de Carnaval, apresentações de Hip Hop e oficina de vídeo, entre outros.

Jongo na ocupação Zumbi dos Palmares. (Foto:MTST)
Evento cultural aconteceu na tarde de domingo (9/11) na ocupação, na zona norte de São Gonçalo. (Foto: MTST)
Bloco “Nada Deve Parecer Impossível de Mudar”, tradicional em protestos do Rio de Janeiro, também visitou a ocupação. (Foto: MTST)

Finalmente, chegou a quarta-feira, dia 12/11, data da primeira e mais importante reunião entre o MTST, o secretariado gonçalense e representante do Governo Federal.

Pelo manhã, Vítor Guimarães, um dos líderes do MTST, resumia a pauta em apenas uma frase.

— Nossa proposta é a mesma: ou desapropria aquele ou indica outro que possa ser construído via Minha Casa, Minha Vida, (na modalidade) Entidades.

A assinatura de acordos do Minha Casa, Minha Vida na modalidade Entidades é uma das questões centrais da lutas dos grupos mobilizados por moradia no Brasil.

É assim que o Governo Federal explica o caso em seu site:

O Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, foi criado em 2009, com o objetivo de tornar a moradia acessível às famílias organizadas por meio de cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos.

O programa, ligado à Secretaria Nacional de Habitação do MInistério das Cidades, é dirigido a famílias de renda familiar mensal bruta de até R$ 1.600,00 e estimula o cooperativismo e a participação da população como protagonista na solução dos seus problemas habitacionais.

O processo de escolha das famílias deve ser transparente, sendo obrigatória a publicização dos critérios de seleção nos meios de comunicação do Município. Para participar do Programa, a entidade precisa estar previamente habilitada pelo Ministério das Cidades e a proposta deve ser selecionada, após a análise e aprovação dos projetos pela CAIXA.

Em outras palavras, o Entidades tira da mão das grandes construtoras o protagonismo da construção das habitações populares. Assim, segundo o MTST, torna-se possível, por exemplo, a viabilização de unidades maiores e com melhor acabamento. Sem contar na possibilidade da participação coletiva da própria comunidade interessada e mobilizada, o que pode ser considerado um fio de esperança numa democracia mais participativa, luta essencial de alguns grupos da esquerda brasileira.

Foi Fernando Matos, diretor de Diálogos Sociais, o enviado da Secretaria-Geral da Presidência República para tratar do imbróglio em São Gonçalo. Evitou conversar com a reportagem antes da reunião. Pelo celular, ao entardecer, trouxe a notícia:

— A reunião foi muito bem sucedida. Nós chegamos a assinar um termo de compromisso entre a Prefeitura e o MTST, com a participação do Governo Federal. Nós apresentamos à Prefeitura de São Gonçalo a modalidade do Minha Casa, Minha Vida Entidades, que era o desejo do MTST. A Prefeitura ficou com o compromisso de localizar terrenos viáveis. A partir do momento em que houver o projeto aprovado pela Caixa, de acordo com a legislação, a Prefeitura vai ajudar com o que for de competência dela, como o edital. Houve um acordo. Eles vão desocupar o terreno. O acordo parte deste princípio. Quando o terreno for identificado, o movimento vai apresentar o projeto Entidades para a Caixa. A Caixa vai analisar e, aprovado, segue em frente.

— As famílias que fizeram a ocupação podem ter preferência na hora da escolha dos contemplados neste novo terreno?

— São duas listas totalmente diferentes. A lista da Prefeitura não é atingida pelo programa Entidades. A ideia do Entidades é esse. Diminui o déficit habitacional, mas não mexe na lista da Prefeitura.

Também pelo celular, Vitor Guimarães, líder do MTST, comemorou a vitória.

— 1000 casas serão construídas pelo Minha Casa, Minha Vida Entidades, onde nós (MTST) apresentaremos o projeto.

— E já saíram do terreno?

— Saímos. A luta é pela moradia, que tem agora garantia oficial. A vitória foi alcançada. Decidimos sair.

— E agora, como seguem acompanhando o cumprimento do acordo?

— A comissão, que é um grupo de trabalho, seguirá se reunindo. E as famílias organizadas têm que se manter organizadas.

Olhando essa foto, da desocupação em marcha, é possível acreditar.

(Foto: Mídia Ninja)

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