“Ni una a menos” chega ao Rio, e primavera feminista floresce outra vez no Centro.

Jornalismo em Pé
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6 min readOct 26, 2016
Com sangue nas mãos, dor na alma e raiva no grito, mulheres tomaram o centro do Rio de Janeiro em movimento continental. Foto Mídia Ninja

A reportagem a seguir é uma colagem de falas de 10 mulheres latino-americanas* que estiveram lutando nesta terça-feira (25), em homenagem à jovem argentina Lucía Pérez, drogada, violentada e assassinada em Mar del Plata.

Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, 18h30

Pretendemos partir em meia-hora, a ideia é sair antes da chuva. Vamos marchar com nosso sangue escorrendo. Não só pelas nossas pernas, mas também pelos nossos olhos. Nós estamos sofridas pelo ocorrido, mas também estamos dispostas a seguir lutando por todas nós.

Chega de mulher sendo assassinada todos os dias na América Latina. E no Brasil! O Brasil é o quinto país com maior número de feminicídio no mundo. Nós não vamos aceitar que a cada duas horas uma mulher seja assassinada no nosso país. Nós temos que parar com tudo isso! Temos que lutar, não vamos descansar, não vamos parar! Temos que reclamar sempre. Isso tem que acabar já! E vai acabar com a união das mulheres: chega! Basta! Nenhuma vida de mulher a menos!

Nós estamos fazendo um movimento de mulheres latino-americanas. Somos todos hermanas, somos todas irmãs. Vamos para a rua, com nossos balões e com nossas roupas pretas, porque estamos de luto sim. O luto das mulheres não é o luto que se cala. Não é um luto que vai chorar sozinha em casa. É um luto que chora, mas chora junto, chora lutando. O nosso luto é luta. É uma nova primavera das mulheres. Assim como a gente fez ano passado, esse ano vai florescer de novo aqui no Rio e vai ocupar as ruas de todo o país.

1, 2, 3, 4, 5, mil é contra o machismo que paramos o Brasil!

Em espanhol, em português, com sangue nas mãos e em seus balões. Fotos Mídia Ninja

Em 2016, 113 mulheres já foram assassinadas no município do Rio de Janeiro. 51 são agredidas por dia nesse município. A cada dia, quatro mulheres são estupradas. O Rio de Janeiro, nesta eleições, deu uma resposta para o PMDB, quando nós mulheres botamos para correr um agressor de mulheres, o Pedro Paulo, o candidato do prefeito Eduardo Paes. Isso nos mostra que, quando nós vamos a luta, já que somos a maioria da população brasileira, não tem ninguém que passe pela nossa frente. Podemos dizer que esse segundo turno, sem o Pedro Paulo, tem vitória nossa, que fomos à rua contra a Cultura do Estupro, depois de um estupro de 33 homens contra uma menina na zona oeste.

Mais de 50% da sociedade é composta por mulheres, mais de 50% engravida, mais de 50% pode abortar, mais de 50% pode morrer porque um homem olhou para cara dela e decidiu que ela tem que morrer. É por isso que a gente tá aqui hoje. Esse é um levante latino-americano de mulheres que estão cansadas de serem mortas. Morei no Uruguai, morei no Chile. A violência é muito grande em todo lugar. Dá medo de sair na rua. O assédio é enorme. Nós temos direito de subir no ônibus sem nenhum engraçadinho passar a mão na nossa bunda. Ni una a menos, viva nos queremos.

A nossa luta é todo o dia, somos mulheres e não mercadoria!

Mulheres ocuparam as ruas com garra e com raiva. Fotos Joana Diniz para Mídia Ninja

Ruas do centro do Rio de Janeiro, 20h

Nós vivemos num momento muito histórico, mundialmente. As mulheres estão indo as ruas para garantir os nossos direitos, os poucos que nós temos. É na Polônia, na Índia, na Argentina, na Grécia. Mais uma vez, estamos nas ruas contra a Cultura do Estupro, contra o feminicídio, a última instância da violência contra a mulher. Trata-se de decidir sobre a vida e a morte de uma mulher. O que aconteceu na Argentina incomodou muito. A gente entendeu que era importante mostrar a força da mulher latina-americana. A gente precisa mostrar que a gente também é Latino América. Para mim, o fato das pessoas terem gritado as frases em espanhol “ni una menos, viva nos queremos” já é muito simbólico. É uma abertura para os países hispano hablantes. O Brasil precisa pensar muito nessa questão, as mulheres brasileiras precisam. Falando espanhol, nós falamos que estamos juntas.

Como eu estava no meio do ato, para mim, é muito difícil dizer quantas pessoas tinham. Eu olhava no entorno e só estava feliz porque que tinha muita gente. É mais uma prova de que quando a gente põe uma pauta na rua, a rua enche, o Rio enche, a gente pára tudo, pára o trânsito e dá visibilidade. A gente saiu da Alerj e veio até aqui na Cinelândia. Foram muitas falas que deixaram claro que nossa organização é supra-partidária. Foi importante que tiveram vários movimentos. A diversidade feminista ficou bem nítida, a diversidade de trincheiras.

Nem recatada e nem do lar, a mulherada tá na rua para lutar!

A Cinelândia também foi território feminino nesta noite de terça-feira (25/10) Fotos Joana Diniz para Mídia Ninja

Cinelândia, 20h30

A América Latina hoje falou, falou semana passada e vai seguir falando, porque temos os países com maior índice de feminicídios. O Rio de Janeiro reagiu a isso. Não só as mulheres brasileiras, mas também as migrantes, também estamos aqui, uma voz de luta e que não acaba com a morte de nenhuma mulher.

(jogral)
Meu nome é Isadora.
E eu me matei aos 23 anos.
Um colega de faculdade tentou me estuprar dentro do alojamento.
Desde lá, mesmo tendo feito a denúncia, tenho que conviver com meu agressor, porque ele continua estudando na mesma universidade.
Outras estudantes foram estupradas de lá para cá.
Só neste ano foram 3 casos.
Se morar na universidade é motivo para ser estuprada, somos todos Isadora, somos todas companheiras, basta de controle sobre nossas vidas, a culpa nunca é da vítima.

A violência contra a mulher, não é o mundo que a gente quer.

Fotos Joana Diniz para Mídia Ninja

*Falas das brasileiras Ana Carolina, Tatiany Araújo, Clara Saraiva, Mariana Gorzino, Mariana da CST, Rebeca Bricio, Natália Trindade, da argentina Mariana Verneck, da colombiana Ana León e da mexicana Jimena Degaray.

reportagem de Caetano Manenti.

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