O plano que sujou a greve

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25 min readMar 24, 2015

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Uma greve, dois comandos e um plano desleal da Prefeitura.
Uma análise tática da versão 2015 da greve dos garis do Rio de Janeiro

por Caetano Manenti

Assim como em 2014, a greve dos garis do Rio de Janeiro, em 2015, terminou após oito longos dias da mais efervescente luta trabalhista que vive a cidade olímpica. Assim como em 2014, a greve dos garis do Rio de Janeiro, em 2015, serviu para a categoria mais desprestigiada do funcionalismo público carioca — e brasileiro — expor a população a um de seus hábitos mais vulgares e perniciosos, o de despejar qualquer lixo, a qualquer hora, em qualquer canto, em qualquer chão. No entanto, diferentemente de 2014, em 2015, a Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (a Comlurb) estava preparada para a mobilização. E isso fez muita diferença. Afinal, são 15 mil garis na ativa, e a Prefeitura estima que, pelo menos, a metade deles cruzou os braços para tentar prejudicar o recolhimento das 9.300 toneladas de resíduos que os cariocas produzem a cada dia.

O Plano de Contingência da Comlurb conseguiu recolher o principal ativo que um gari grevista pode ter, hoje e sempre: o lixo acumulado, apodrecendo nas ruas sob os narizes de todos.

Nos primeiros dias de greve, montanhas de lixo se acumularam nas ruas do Rio, como esta no centro da cidade.

O caro e polêmico plano reuniu milhares de biscateiros, que, a R$100 por turno, mostraram-se prontos como soldados da reserva. Ao evitar que os cariocas e os turistas submergissem no lixo, enfraqueceram a greve, até seu fim, na noite de sexta-feira (20/3).

O resultado objetivo da greve foi o aumento de 8% no salário da categoria. Assim, o piso do gari recém-concursado — sim, gari é servidor concursado — passa de R$1.100, 00 para R$1.188,00. Ademais, os garis que são líderes de turma, como os encarregados, agora terão a garantia de que receberão suas horas-extras. O gari do Rio voltará ainda a ter um auxílio-funeral. São R$800 para ajudar nos custeios da despedida dos parentes próximos. A formalização dos termos do fim da greve ainda não foi assinada porque ainda há a disputa se os dias parados serão ou não descontados.

As cláusulas, os números e porcentuais do acordo, no entanto, não podem ser os únicos coeficientes a serem analisados no pós-greve. Os garis que lideraram a paralisação têm a certeza de que a categoria, outra vez, deu seu recado à Prefeitura e à população, como escreveu Celio Viana, principal líder grevista, em sua página do Facebook horas depois de findada a greve.

Pra quem não sabe, nossa luta nunca foi somente por salário. Ela é principalmente para quebrar uma invisibilidade de décadas. Hoje somos vistos e respeitados por todos. Estamos conseguindo entender que somos aqueles que previnimos a cidade de ficar doente. Somos agentes de proteção ambiental, e vemos o lixo como um problema de todos, e não apenas do Gari.

A RIXA ANTES DA GREVE

Uma malfadada eleição sindical esquentou a fervura e abriu caminho para a greve de 2015.

Em disputa sindical, Chapa 1 e Chapa 2 não se misturavam antes da greve.

Ainda era fim de fevereiro quando a temperatura começou a esquentar no sindicato que representa, além dos 24 mil empregados da Comlurb, outros milhares de trabalhadores de limpeza, funcionários das empresas privadas de Asseio do Rio. Como se vê na foto, trata-se do Sindicato dos Empregados de Empresas de Asseio e Conservação da cidade do Rio de Janeiro.

Na calçada em frente ao prédio de três andares, via-se uma discussão ríspida, dessas em que os desafiantes angulam o nariz e o queixo para o alto, jogando a cabeça para trás. Quando cheguei à cena, quem esgoelava-se era uma senhora, perto de seus 50 anos de idade, eleitora da Chapa 1, profissional faxineira de uma empresa privada.

— Você nunca limpou um banheiro, Nem. Vou ter que te ensinar a esfregar o chão. Nunca limpou um banheiro na vida!

A destinatária era uma ativista política, mobilizadora essencial da Chapa 2, a chapa de oposição. Essa preferiu não responder nada, apenas desdenhar da rival, apertando os olhos. Diferente de Marcelo, gari da Comlurb, que se aproximou e, em voz baixa, tratou comigo como se falasse com a senhora.

Ih, limpar banheiro é mole, fia! Quero ver trabalhar no caminhão. Quero ver pegar corpo e jogar para dentro do carro. Tá achando que limpar banheiro que é difícil?

A seguir, Marcelo contou uma história chocante que, embora não seja rotineira, pode servir para refletirmos sobre quão difícil pode ser o trabalho dos profissionais que recolhem tudo aquilo que botamos fora, que desprezamos.

Marcelo lembrou do dia em que, há 6 anos, teve que recolher, obrigado por traficantes das favelas do Chapadão, o corpo de uma mulher assassinada. Jogou-o para dentro do caminhão de lixo. A ordem era despejá-lo no lixão de Gramacho, em Duque de Caxias. Por medo, seguiram com o serviço, entupindo o veículo de lixo. O equipamento do caminhão que tritura os dejetos também mantinha seu trabalho, quebrando os ossos da mulher. Quando chegaram ao lixão, o responsável pelo local não autorizou o despejo. Foram encaminhados à delegacia. Marcelo tremia de medo. Se o delegado contasse para a imprensa, o caso ganharia repercussão e o gari, uma sentença. Segundo Marcelo, o delegado poupou o grupo e não registrou a ocorrência. O corpo da mulher acabou sendo jogado em um rio.

O pleito decidiria se o grupo liderado pelo atual vice-presidente do sindicato, Antônio Carlos da Silva, da Chapa 1, seguiria no comando da entidade, como acontece há duas décadas, pelo menos. Ou se o grupo de oposição, liderado por Celio Viana e Bruno da Rosa, a Chapa 2, tomaria seu lugar pelos próximos quatro anos. Foi deste grupo oposicionista que nasceu a corajosa greve do carnaval de 2014. A paralisação é tratada como icônica por toda a esquerda do país — não só porque, mesmo sem apoio do sindicato, conseguiu 37% de aumento, mas também porque transformou a dócil figura do gari sorridente, encarnada por Renato Sorriso, na aguerrida figura do gari contestador, empossada ainda em um negro, claro, só que, desta vez, de nome Célio.

Celio virou uma ícone dos trabalhadores cariocas. Após liderar a vitoriosa greve do carnaval de 2014, passou o ano inteiro reunindo forças com lideranças da esquerda da cidade. Como gari do bairro do Recreio, na zona oeste, vive de um salário minguado e nunca perde tempo para reunir colegas de trabalho e apresentar suas opiniões em frases pausadas e enfáticas.

A eleição foi marcada para os dias 25 e 26 de fevereiro, bem no meio das tratativas pelo aumento anual de salário — o julgamento do dissídio coletivo da categoria tem data final marcada para 31 de março. Conforme as regras estabelecidas pela Comissão Eleitoral, uma urna permaneceria fixa na sede do sindicato, na Tijuca, e mais nove urnas fariam um tour por algumas das 120 gerências da Comulrb que se espalham pelo Rio. A oposição também não gostou desse sistema. Como não gostou de receber a lista dos sindicalizados apenas na semana anterior a da eleição. Como não gostou de ver, pelo menos, 23 "seguranças" importados de São Paulo pela Chapa 1, na porta do sindicato, no dia da votação. Alguns ostentavam correntes e roupas de escolas de samba e torcidas organizadas da capital paulista. Eles não deixaram ser fotografados.

Para a Chapa 2, não havia meias palavras: tratava-se de fraude eleitoral. A Chapa 1, que não aceitou falar com o repórter uma única vez, rezava que não. O advogado da Comissão Eleitoral, Sílvio Lessa, que trabalha também como advogado da direção do sindicato garantia a "lisura do processo", mas aproveitou a entrevista para zombar da chapa de oposição.

— Se eu fosse oposição eu estaria inventando uma série de outras coisas. Eles tão é inventando pouco. Acho que estão inventando pouco.

Invenção ou não, os advogados da Chapa 2 conseguiram, na Justiça, suspender a eleição, que ainda não tem nova data para ocorrer.

Os 3 por cento que obrigaram a greve

Baixo reajuste proposto pela Comlurb forçou sindicato a deixar posição afável com a Prefeitura

À parte da querela eleitoral, no dia 10 de março, a Comlurb reuniu a Comissão de Negociação em sua sede, vizinha ao Estádio do Maracanã, para apresentar sua contraproposta de aumento salarial: apenas 3%!

Oficialmente, em documento entregue semanas antes, a Comissão e o Sindicato pediram 40% de reajuste. Antes de se tratar de um índice iludido, era um valor ilusório, utópico — valor para servir como barganha para uma conquista intermediária. Além dele, outros 81 itens eram requeridos pelos garis, como o aumento do tíquete-refeição, a readoção do triênio (reajuste automático do salário a cada três anos de empresa), a insalubridade para os vigias e APAs (agentes de preparos de alimentos em escolas), o pagamento das horas-extras para chefes de turma, o fim da Avaliação de Desempenho Individual, a ADI, que, segundo o grupo de negociação, servia apenas para punir trabalhadores engajados em lutas sindicais e trabalhistas. Com quatro avaliações de letra "D", um gari pode ser demitido por justa causa.

Nada, além dos 3%, foi ofertado à categoria que, assim, resolveu se organizar em uma assembleia no fim da tarde de quinta-feira, na sede do Guadalupe Country Clube, na zona oeste da cidade.

A direção do sindicato estava preocupada com a presença de pessoas de fora da categoria, especialmente por que o grupo de oposição — era sabido — contava com a simpatia de coletivos e figuras da esquerda carioca, caso de Cyro Garcia, candidato a deputado federal pelo PSTU em 2014 e do vereador Babá, do PSOL. Na porta de entrada do clube, os seguranças despejavam mau humor: "Só pode imprensa oficial".

Com algum sacrifício, os repórteres autônomos também conseguiram entrar e, enfim, teriam a oportunidade de se aproximar do vice-presidente do sindicato, Antônio Carlos da Silva. Antes de subir ao palco para iniciar a assembleia, ele foi ladeado por garis, que também entendiam como rara aquela oportunidade de conversar com algum representante importante do sindicato. Em voz baixa, Antônio Carlos criticava o índice ofertado pela Prefeitura e prometia: "eu vou rasgar a proposta deles lá em cima".

— Eu achei um abuso, uma falta de respeito ser oferecido só 3%. Não existe isso numa inflação que deu 7,7%. O salário mínimo deu 8,8% de aumento. A gente não vai aceitar essa proposta.

Depois de rasgar o documento e antes de abrir seu voto para apreciação coletiva, Antônio Carlos chamou ao microfone um dos advogados do sindicato, que alertou do risco da categoria, que realiza um serviço essencial para cidade, iniciar uma greve sem respeitar o prazo legal de 72 horas de aviso prévio. O sindicato deixou claro que queria uma greve dentro da legalidade. Assim, propôs para o domingo (15/03) o início da paralisação.

— O movimento tem que ser o mais legal possível para não prejudicar o trabalhador depois. Vocês não poderão dizer que não foram avisados.alertou Antônio Carlos.

A esta altura, Célio e seu companheiro Bruno da Rosa já haviam subido ao palco. Ao pegarem o microfone, radicalizaram a proposta: a greve deveria começar dentro de instantes, a meia-noite da sexta-feira (13/03). Agitados por barulhentos apoiadores que se amontoavam perto da mesa, a massa levantou as mãos em peso, ratificando um começo instantâneo para a greve.

Celio discordou da direção do sindicato. Não queria uma greve em 72 horas, queria uma greve imediata.
Cerca de 400 pessoas acompanharam o gari do Recreio e iniciaram, pelo segundo ano consecutivo, uma greve dos garis do Rio de Janeiro.
Como uma espécie de celebração pelo início da greve, a avenida Brasil foi fechada por cerca de cinco minutos na altura de Guadalupe, na zona oeste do Rio.

A dúvida que restara era se o sindicato iria também abraçar a greve imediata. Em 2014, a entidade ficou de fora, preferiu se eximir das responsabilidades e deu eco à versão da Prefeitura, que dizia que a paralisação da oposição era apenas parte fundamental de uma disputa sindical.

Desta vez, no entanto, abandonar a greve, mesmo que ilegal, seria um tiro no pé das pretensões eleitorais. Ir de encontro à decisão da assembleia era a senha para a derrota nas eleições. Assim, foi com um enfático "sim, vamos respaldar a greve" que Antônio Carlos que deixou o clube prometendo "avisar a população através da imprensa que os trabalhadores da Comlurb entram em greve a partir da meia-noite". Era mais importante abraçar a proposta da Chapa 2, cair de cabeça na greve, ainda na esperança de conseguir um bom aumento e, de quebra, tentar capitalizar para a eleição do sindicato, quando ela retornasse.

Uma greve, duas cabeças

Sindicato e oposição passaram a se suportar um pouco mais, mas a greve nasceu com dois comandos.

Ao amanhecer da sexta-feira (13), os grevistas já sabiam da primeira derrota: uma liminar deferida pela Justiça do Trabalho obrigava o retorno imediato dos garis ao trabalho, sob multa diária de R$100.000,00, a ser paga pelo sindicato.

Não foram exatamente abraçados que sindicato e grupo de oposição marcharam no primeiro dia da greve. Depois de protestarem em frente à Prefeitura, os dois grupos desceram a Presidente Vargas separadamente. Mais lento, o grupo do sindicato ficou para trás, na companhia de um potente trio elétrico. A oposição acelerava o passo e fazia barulho através de uma caixa de som instalada no alto de uma kombi. Lu Ornellas, a mesma ativista que fora desafiada a aprender a limpar um banheiro por uma faxineira no dia da eleição, comandava o microfone puxando lemas da esquerda e paródias grevistas. A mais empolgante brincava com o samba-enredo da Tijuca, campeão em 2014.

Acelera Comlurb, que eu quero veeer: esse lixo vai fedeeeer.
A Prefeitura não deu aumento, não, e esse lixo vai ficar todo no chão.

O destino de ambos os grupos era o Tribunal Regional do Trabalho, para onde a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Deborah Felix, já havia conseguido marcar uma audiência de conciliação com a desembargadora do TRT Maria das Graças Paranhos, com representantes da Comlurb e ainda com a Procuradoria-Geral do Município.

A dúvida era se os líderes do grupo de oposição, Célio e Bruno da Rosa, seriam também recebidos na sala da desembargadora ou se ela estaria reservada apenas para representantes do sindicato. Pelo telefone, a assessoria de imprensa do TRT me alertou que a reunião já havia começado. Como eu ainda acompanhava a kombi da oposição, achei que os líderes do sindicato haviam trocado o percurso como forma de enganar a oposição. Decidi repassar a Célio, que estava do meu lado, a informação. Ele e Bruno partiram, então, em disparada rumo ao TRT.

Com receio de perder a primeira reunião de conciliação, Celio e Bruno correram em direção ao prédio do Tribunal Regional do Trabalho.

Celio entrou no prédio esbaforido e só então descobriu que a informação não procedia, que a diretoria do sindicato ainda nem havia chegado ao prédio. A imprensa, mesmo a autônoma, foi autorizada a acompanhar a audiência, que opunha, em uma extensa mesa em forma de "U", garis — alguns com o inconfundível uniforme coral — e executivos da Comlurb — vestidos com camisa de linho, terno e gravata.

A Justiça entre a Comlurb e os trabalhadores. Para onde ela pesa?

O começo da reunião surpreendeu o repórter desacostumado com mesas de negociação trabalhistas. A desembargadora foi enfática ao defender um acordo, pediu que os garis cedessem com a greve, mas não esqueceu de exigir também da Prefeitura boa vontade com a negociação. Repetia com frequência:

— E vocês, Comlurb, podem flexibilizar esse tíquete-alimentação? Quem sabe chegar a um meio-termo, quem sabe R$25?

Recebia não como resposta para tudo. A ADI permaneceria. A insalubridade para vigias era impossível. O triênio não faria sentido, afinal, os garis já recebiam o anuênio. Licença-prêmio? Sem chances.

A única proposta aceita era o aumento do reajuste, iniciativa da procuradora Felix Deborah, de 3% para 7,7%, acompanhando o IPCA-E do período. Os garis nem queriam os 40% — tanto que esse valor nem mesmo foi escutado na audiência — mas também não se contentaram com 7,7%. Resultado? O encontro caminhava para o fim sem consenso.

Foi aí que pude perceber como a Justiça costuma, na hora agá, ser mais dura com quem é mais frágil. A desembargadora Paranhos decidiu que, se a greve não terminasse naquela noite, manteria a multa diária de R$100.000,00 ao sindicato e mais: os líderes grevistas poderiam ser arrolados no processo e sofrerem com multas individuais.

— Companheiro, eu não tenho dinheiro. Eu ganho R$1.100,00 por mês. Eu posso pagar é varrendo. respondeu Celio, para mim, ao fim do encontro, com uma risada irônica e nervosa.

A resposta demonstrava o que Celio faria logo mais. Em assembleia, ali mesmo nas escadarias do Tribunal, refutaria as ameaças da desembargadora e votaria pela manutenção da greve. A multidão, alheia à opinião do sindicato (que era de suspender a paralisação para dali a três dias iniciar uma greve "legal") votou, outra vez, em favor do grupo oposicionista. A greve iria fim de semana adentro.

Mesmo com a ameaça de serem arrolados individualmente no movimento grevista, Celio e Bruno da Rosa votaram pela manutenção da greve fim de semana adentro.

O lixo se acumula e o plano de contingência vai às ruas

O fim de semana deu o tom do que seria a greve: lixo na rua versus biscateiros a R$100

Para o carioca pobre, que estava precisando de uns trocados para encerrar o mês de março na moral, a greve dos garis tornou-se uma oportunidade de trabalho rara. Afinal, para substituir os grevistas, a Comlurb lançou mão de um amplo plano de contingência. Em nota oficial enviada para a imprensa, a assessoria de imprensa da companhia descreve o plano da seguinte forma:

O plano conta com o apoio de agentes da Guarda Municipal, Polícia Militar, Secretaria de Conservação, Secretaria de Ordem Pública, Secretaria de Obras, além de empresas terceirizadas de limpeza.

Nem guardas, nem policiais, muito menos secretários ou assessores colocaram suas mãos concursadas ou comissionadas no lixo, evidentemente. O que se supunha, então, era que o recolhimento do lixo, que se acumulava com rapidez já na manhã de sábado (14), estaria a cargo de empresas terceirizadas de limpeza. Não era bem assim….

O presidente da Comlurb, Vinícius Roriz, evitava dar mais detalhes sobre o plano. Segundo ele, o segredo era importante para o êxito do esquema, afinal, sofreria com os adversários, os grevistas. Não foi difícil, no entanto, descobrir seus detalhes. O Diário Oficial do Município, na segunda-feira (16/03) publicou que a Comlurb gastou R$ 3 milhões em serviços de limpeza urbana apenas com a empresa T&F, do grupo DSRH, companhia especializada em recursos humanos. A presidente do grupo, Teresa Fraga, foi entrevistada pelo O Globo. Segundo o jornal, Teresa disse que 300 trabalhadores foram contratados temporariariamente por 10 dias e que seriam pagos ao fim do período, com depósito em conta bancária ou ordem de pagamento. Não era bem assim….

As ruas e o Facebook ajudaram a provar o contrário.

Era com um chamado para uma diária que qualquer cidadão poderia trabalhar como gari na ruas do Rio de Janeiro durante toda a semana de greve. Sem treinamento, muitas vezes sem segurança, sem um contrato formal e sem alimentação durante um turno de oito horas, bastava se alistar na Sede da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, na avenida Pedro II, no bairro de São Cristóvão, ou ainda no centro, na rua República do Líbano.Na segunda-feira, a equipe do gabinete do vereador Babá (Psol) foi às ruas para entender melhor o que se passava. Para isso, entrevistou algumas das cerca de 80 pessoas que aguardavam, ao lado de 4 ônibus, a sua vez de serem chamadas.

Quase 100 pessoas aguardavam na fila da rua República do Líbano para trabalhar como gari temporário da Comlurb.

A primeira a falar para a câmera do celular foi uma mulher de aproximadamente 25 anos.

Pagam antes ou depois do serviço?
— Vamos ser pagos só no final
— Houve algum tipo de treinamento?
— Nada. Nem nada de comer…
— E em relação à segurança do trabalho?
— Nenhuma. Ele só disse para vir de calça e tênis. Até de chinelo pode trabalhar. E assim: tomar cuidado para não se cortar ou machucar.
— Vão trabalhar quantas horas?
— Oito. Tem de madrugada também. Tem gente que entra às sete da noite e sai às três da manhã.

https://www.youtube.com/watch?v=nLkUynjxjgA&sns=fb

Outra mulher, da cidade vizinha de Duque de Caxias, aguardava sentada.

— Receberam almoço?
— Não. — Prometeram?
— Prometeram.
— Estão combinando só para hoje com vocês ou já estão falando de outros dias?
— Só para hoje.
— Vocês sabem quem vai pagar? A Comlurb?
— A Comlurb.

Um grupo de quase 10 mulheres, que veio do Méier, conversava já com as vassouras nas mãos.

— Eles deram algum tipo de segurança?
— Nada disso. Nenhum EPI (Equipamento de Proteção Individual).
— Falaram qual a metragem que será percorrida?
— Só falaram que era das 14h às 22h.

Grupo de mulheres do Méier não recebeu nem mesmo luvas para varrer as ruas do centro do Rio.

A reportagem também encontrou dois homens varrendo a rua dos Andradas, também no centro.

— Vocês são da Comlurb?
— Não. Estamos quebrando um galho.
— Vocês são funcionários de alguma empresa?
— Não.

A dupla estava com tiras reflexivas sobre o corpo, mas não usava nem mesmo luvas, o mais essencial item de segurança do trabalhador do lixo.

Aos poucos, as ruas do centro do Rio de Janeiro eram limpas por cidadãos quaisquer, que se alistaram para receber R$100 por turno.

E nem é a varredura das ruas o maior perigo para essas pessoas. Em cima dos caminhões de lixo, também sem treinamento, homens — alguns ainda com feições de meninos — se arriscaram pelo dinheiro. São muitos os registros, que circulam nas redes sociais, de cidadãos não uniformizados, em cima dos caminhões da Comlurb.

Sem luva e sem uniformes especiais, homens receberam R$100 para dependurarem-se em caminhões da Comlurb.
Jovens sem camisa em caminhão da Comlurb. Dois deles fazem CV com as mãos, iniciais do Comando Vermelho.
Jovens, alguns com feições de menores de idade, trabalharam no Plano de Contingência.
Esse registro foi feito em Bangu, na zona oeste do Rio, e mostra cinco jovens com vassouras e latas de lixo.

De todas as denúncias feitas pelos grevistas, as mais chocantes dão conta do trabalho de jovens menores de idade. Nenhuma delas foi confirmada, mas algumas fotos e fatos deixam a dúvida no ar.

Como o que aconteceu no Méier, na noite de segunda-feira (16/03). Quando piqueteiros entraram na gerência, deparam-se com trabalhadores sem uniformes. Pelo menos três deles, segundo os garis, tinham feições de adolescentes. O Conselho Tutelar foi chamado.

O conselheiro que se identificou como Jaime Pereira Júnior, da 3ª Coordenadoria de Assistência Social, também do Méier, foi até o local, onde, ainda de acordo com os garis, se reuniu primeiro com o gerente local da Comlurb. Depois de cerca de meia hora de conversa, Jaime foi inspecionar o local. Quando percebeu que estava sendo filmado, pediu para desligarem a câmera, como se pode ver no vídeo a seguir.

https://www.youtube.com/watch?v=4n3UaHB9FD8&feature=youtu.be

Contam os garis que o conselheiro perguntou a três deles se eles eram maiores de idade. Recebeu sim como resposta. Quando pediu a identidade, todos disseram que estavam sem documentos. Por “não ter força de polícia”, Jaime não encaminhou os jovens para a delegacia para averiguação e deixou os supostos adolescentes irem embora. Mesmo com a baixa qualidade desse segundo vídeo, é possível perceber as feições quase infantis de um jovem de camisa rosa.

https://www.youtube.com/watch?v=5RzTsOzIyjU&feature=youtu.be

Encontrei o conselheiro tutelar na saída da gerência. Tentei, educadamente, parar a kombi em que ele estava, mas ele ordenou que o motorista arrancasse em disparada. Consegui conversar com o conselheiro só minutos depois, já na 23ª Delegacia de Polícia. Naquela noite, ele disse que teria que falar com o colegiado de conselheiros antes de me conceder entrevista. Na terça-feira (17/03), informou que o colegiado decidiu não atender o pedido de entrevista.

Conselheiro tutelar Jaime Pereira Júnior, da 3ª Coordenadoria de Assistência Social, foi acusado de negligência em caso no Méier.

Ele foi até à delegacia porque o vereador Babá, juntamente com dois garis, registrou ocorrência acusando o conselheiro de negligência. Babá e Jaime bateram boca dentro da delegacia, alinharam nariz com nariz, se chamaram de "oportunistas" e tiveram que ser contidos pelo delegado de plantão.

Com exposição de fotos e vídeos, Babá levou a denúncia da contratação irregular para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e também para o Plenário da Câmara de Vereadores.

— Gari é uma profissão dificílima. Para trabalhar nesta categoria, você tem que fazer uma série de exames, de acompanhamento. Tem que ter equipamento como bota, roupa específica para isso, porque especialmente aqueles que trabalham nos caminhões são submetidos ao contato de todo o tipo de germes e bactérias. É um risco muito grande colocar trabalhadores não capacitados e não equipados para fazer aquela tarefa. É o prefeito que está, de maneira irresponsável, tentando enfraquecer a greve. São contratações irregulares, gastando dinheiro público com isso. (Babá, vereador do Rio de Janeiro)

Os garis também encaminharam denúncia ao Ministério Público do Trabalho, onde o caso já está sendo investigado.

Consegui conversar com o presidente da Comlurb sobre a contratação dos trabalhadores temporários apenas na quarta-feira (18/03). Na saída de mais uma audiência de conciliação, perguntei:

— Há consideração da Comlurb de que essas contratações podem estar sendo feitas em desacordo com a lei?
— Acredito que não. A gente, inclusive, tem feito fiscalizações nossas e o que a gente verificou foi conformidade (com a lei). Mas, claro, se houver alguma desconformidade, algum problema, a gente vai tomar as nossas medidas.

Visita à fila

No penúltimo dia de greve, a reportagem foi até a fila do trabalho temporário e comprovou muitas informações falsas.

Havia passado bem pouco das 17h da tarde da quinta-feira (19/03) quando cheguei à São Cristóvão, na sede da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, para apurar a situação.

Havia cerca de 100 pessoas esperando o turno das 19h-3h. Bastava pedir informação para qualquer um dos sujeitos que aguardavam na fila — quase todos homens e negros — para verificar que o que Teresa Fraga, presidente da T&F, dissera ao jornal O Globo não condizia com a verdade. Em vez de um contrato temporário de 10 dias, o compromisso era diário. Em vez de pagamento em conta bancária, o pagamento era feito na mão.

Fui até a portaria do prédio, me identifiquei como jornalista autônomo e pedi para falar com algum responsável da Comlurb. Os guardas chamaram um subgerente da companhia. Ele não aceitou gravar entrevista, mas, com a condição que seu nome não fosse divulgado, passou quase uma hora respondendo minhas perguntas. Durante nossa conversa, fez questão de evitar a aproximação de trabalhadores que buscavam esclarecer, com ele, suas dúvidas.

O subgerente orgulhava-se ao se chamar de "Comlurbiano". Empolgava-se também ao dizer que a greve era "política", obra de "partidos e pessoas que querem destruir a Comlurb".

Sobre os trabalhadores temporarários, disse que todos que se apresentavam ali eram previamente contratados pela DSRH. Contou ainda que todos tinham carteira de trabalho e que o acordo diário estava sendo feito através de uma empresa chamada Mazan. Depois, mostrou os equipamentos de segurança concedidos aos trabalhadores: calças azuis e botas especiais. Além disso, assegurou que não existia trabalho de menores de idade. Disse que não sabia informar como estava sendo feito o pagamento, já que isso também estava sob a responsabilidade da Mazan. Por fim, solicitado, o subgerente me mostrou como funciona a engrenagem do caminhão, mas garantiu que apenas funcionários da Comlurb estavam autorizados a mexer. Perguntei se os trabalhadores temporários recebiam algum tipo de treinamento. Ele, enfaticamente, respondeu que não. Nem eles, nem os empregados da Comlurb.

— Então não há técnica?
— Qualquer um faz!

As informações fornecidas pelo subgerente, em sua maioria, infelizmente, não condizem com a verdade. Não havia contratação prévia por parte de qualquer empresa. Não havia necessidade de carteira de trabalho — informação confirmada inclusive por um funcionário da Mazan com quem conversei rapidamente minutos depois. Também não é verdade que apenas funcionários da Comlurb operam o caminhão. Foram cidadãos quaisquer que, nos dias de greve, operaram as engrenagens perigosas dos caminhões de coleta de lixo do Rio de Janeiro.

Procurei a advogada trabalhista Maria Goretti Nagime para entender quais irregularidades existiram na contratação dos garis temporários.

— Quais são as leis que devem observar esse tipo de contratação temporária?
O trabalhador temporário é regido pela lei 6019, de 1974. Ele tem os mesmos direitos e benefícios que um trabalhador celetista (por prazo indeterminado): Fundo de Garantia, férias proporcionais, assinatura na carteira de trabalho. O tempo dele conta para aposentadoria também. Outra conquista dos trabalhadores temporários é a remuneração equivalente a recebida pelos empregados diretos da empresa tomadora.

— É permitido fazer um serviço temporário para a Prefeitura, mesmo em parceria com uma empresa terceirizada, e receber isso em espécie?
— Sim. A empresa terceirizada pode pagar em espécie.

— Como você vê a inexistência de um treinamento para varrer ruas e, principalmente, recolher lixo em caminhão de lixo? Pelo menos, aparentemente, esse serviço precisa de um treinamento na sua opinião? — É preciso treinamento, sim. Treinamento e fiscalização. Ainda mais porque estamos falando de um trabalho que exige um grau máximo de insalubridade.

— Em caso de acidentes, qual a obrigação que a empregadora teria nesse caso?
— A Comlurb seria a responsável subsidiária. Se a empresa terceirizada não pagasse, a Comlurb teria uma responsabilidade pelas obrigações trabalhistas, de acordo com a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

— Em relação aos menores de idade: por acaso, é possível que um menor de idade possa trabalhar em um serviço como esse?
— Menor de 18 anos não pode exercer nenhum trabalho insalubre.

— E sobre esse caso concreto, o que você poderia falar com as informações que você tem?
— O caso concreto— como todo caso com inúmeras irregularidades — envolve características de outros tipos de relação de trabalho. Um verdadeiro caso de “Frankstein Jurídico”. Foram contratados sendo chamados de “ temporários” e sendo tratados como trabalhadores sem habitualidade (e a habitualidade é requisito caracterizador da relação de emprego). Existem traços de Trabalhadores Avulsos e de Trabalhadores Eventuais — longe de serem autônomos, porque é clara a subordinação, a alteridade e a ausência de profissionalidade. Não tem exatamente o perfil de trabalhadores eventuais porque exercem atividade-fim da empresa, e não atividades periféricas. Também não têm todas as características de trabalhadores avulsos porque não foram agrupados por intermédio de nenhuma entidade de classe. O Trabalhador Avulso tem intermediação obrigatória do sindicato de categoria ou órgão gestor de mão de obra, o que não foi o caso. A Súmula 331 do TST preleciona que, salvo os casos de TRABALHO TEMPORÁRIO, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta. Então, para haver terceirização, necessariamente haveriam de ser tratados como Trabalhadores Temporários, regidos então pela Lei nº. 6.019 de 3.1.1974.

Pouco lixo, pouca greve

Últimos dias da greve tiveram menos lixo no chão. Intransigência da Comlurb, pressão da Justiça e divergências entre os grevistas encaminharam o fim da greve.

Mesmo com tantas irregularidades escancaradas, a verdade é que o Plano de Contingência trouxe resultado, e a situação caótica que se viu nas ruas do Rio durante a greve de 2014 não se repetiu. Nos jornais, as manchetes que expunham que o sindicato da categoria exigia 40% de aumento fizeram com que a opinião pública não se solidarizasse com os garis como no ano anterior.

Paralelamente a isso, a greve sofria novos golpes. A procuradora do Ministério Público do Trabalho, Deborah Felix, se reuniu com os grevistas mais uma vez, na segunda (16/03), e houve uma nova audiência de conciliação com a Comlurb no TRT na quarta-feira (18/03).

Do alto da janela do nono andar, o presidente da Comlurb, Vinícius Roriz, observa grupo de trabalhadores da companhia que se reúnem na avenida Presidente Vargas à espera da audiência de conciliação.

Tanto no MP do Trabalho, como no TRT, o cenário era o mesmo: pressão para suspensão da greve por parte da Justiça e intransigência da Comlurb. O único avanço importante que se deu por parte da Prefeitura foi a concessão de um auxílio-funeral no valor de R$800 e a promessa de qualificar o processo de Avaliação de Desempenho Individual.

Novas audiências no TRT/RJ tiveram ampla cobertura da mídia.

Na audiência, os garis não fecharam acordo. Em rara atitude, chegaram a pedir uma reunião particular com o presidente da Companhia, Vinícius Roriz, sem a participação da desembargadora ou da representante do MP do Trabalho. Nesse encontro cara a cara, o pedido dos garis foi de 15% de aumento no valor do salário e 15% de aumento no valor do tíquete-refeição. O procurador-geral do município do Rio de Janeiro chegou a ligar para o prefeito Eduardo Paes, que negou os valores.

Roriz, em voz baixa, diz para os garis que não concederá aumento pedido de 15%.
Reunião, na antessala do Tribunal Regional do Trabalho, colocou cara a cara trabalhadores, sindicalistas e diretores da companhia.

Ao descer para a assembleia e encontrar os cerca de 500 trabalhadores que aguardavam na rua, tanto na quarta, quanto na quinta-feira, a comissão de negociação, composta por 10 trabalhadores, se dividiu.

Sete defenderam a suspensão da greve para evitar que o julgamento de mérito, ainda sem data marcada, apontasse ilegalidade da paralisação. Com isso, diminuiria a chance de perdas dos dias parados. Um outro líder integrante da comissão grevista tinha pouca voz ao microfone, era Pablo Brasil. Deficiente auditivo, Pablo foi aposentado por invalidez e é um ferrenho defensor dos direitos dos inativos da Comlurb. Briga por conquistar um plano de saúde para si e sua família, mas, infelizmente, recebe pouca atenção de seus interlocutores. Os outros dois da Comissão de Negociação são os mais vibrantes, os mais ouvidos, justamente Celio Viana e Bruno da Rosa. Eles, insistentemente, votaram pela manutenção da greve e foram acompanhados pela maioria. Celio ia além, conclamava sua categoria a concentrar esforços nos piquetes da zona sul. Era uma forma de chamar mais a atenção, justamente na região mais prestigiada da cidade.

Presidente do Sindicato, Luciano David, ladeado por Celio Viana e Bruno da Rosa.
Je suis Total Apoio aos Garis do Rio: Garis receberam apoio de costumeiros manifestantes do Rio de Janeiro.
Durante a greve, assembleias reuniram cerca de 500 pessoas. Opinião do grupo de oposição ao sindicato costumava ser seguida pela maioria.

Ainda na quinta-feira, novo golpe para o movimento grevista. Para impedir piquetes e garantir o funcionamento normal do serviço, a Comlurb conseguiu na Justiça do Trabalho um interdito proibitório contra 8 dos mais entusiastas garis grevistas — entre eles, Celio e Bruno. Disse a decisão.

Determina que os réus se abstenham de praticar todo e qualquer ato de esbulho ou turbação contra os estabelecimentos da suscitante, determinando, ainda, que os suscitados não impeçam o normal funcionamento das atividades operacionais, conforme os ditames de um movimento paredista (grevista) legal. Determino, ainda, que os réus mantenham distância das gerências citadas, num raio de 500 metros, durante o período de greve, podendo haver requisição de força pública, se assim necessitar, para o devido cumprimento das obrigações elencadas, advertindo-os, ainda, que com o deferimento da liminar ora pleiteada, ficarão sujeitos à pena individual pecuniária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo descumprimento de cada um dos preceitos acima, valor que poderá ser majorado por este Juízo, a fim de garantir o cumprimento das determinações judiciais.

Os grevistas da linha de frente, a essa altura, ainda contavam com o apoio formal do sindicato, mas reclamam que, na verdade, não eram apoiados, por exemplo, com transporte para os piquetes. Esse mesmo grupo de oposição organizava para o domingo pela manhã uma grande passeata na orla de Copacabana, com direito a venda de camisas para financiar o movimento grevista. Nada disso chegou a ocorrer.

Na sexta-feira, novamente a procuradora Deborah Felix chamou as lideranças grevistas para uma longa reunião no Ministério Público do Trabalho. Já passavam das 22h quando a Prefeitura entregou uma nova proposta: 8% de aumento nos salários, R$800 de auxílio-funeral e ainda a garantia do pagamento das horas-extras para chefes de turma. Na ocasião, a Comlurb não deu garantia nem que abonaria os dias parados, nem que não puniria os líderes grevistas pela greve considerada ilegal pela empresa.

Os 7 que sempre defenderam uma greve "legal", aquela que respeita as 72 horas, voltaram a votar pelo fim da paralisação. Sem a mesma convicção de outrora, Celio e Bruno da Rosa apenas relataram as informações repassadas pela procuradora e botaram o prosseguimento da greve em votação. Fim de linha. A categoria decidiu interromper a greve dos garis de 2015.

O medo que permanece é o do rombo do salário. 8 dias significam mais que um quarto dos proventos. Quem recebe pouco mais de R$1.000,00 líquidos mensais sabe que esse dinheiro faz falta.

Aliás, muito mais faz falta para os garis.

Nesse mês inteiro acompanhando a categoria, pude perceber que a reivindicação por melhores salários serve como uma espécie de reparação por uma vida toda sofrida.

Na esfera pessoal, pela convivência com áreas de risco, violentas, sem saneamento, com uma inseguridade social completa, ainda mais em tempos de elevação dos preços, da comida, da luz e, especialmente, do aluguel.

No trabalho, pela falta de um cantil de água, pelo excesso de serviço (reclamação de todos!) e, especialmente, pelo excesso de calor. Ao usar uma roupa de tecido muito grosso — parte fundamental do equipamento de segurança que os resguarda do contato direto com o lixo e da ação dos raios solares — derretem sob o insistente calor do Rio de Janeiro em troca de pouco mais de mil reais mensais. Seu trabalho? Sim, varrer e recolher tudo aquilo que nossa falta de educação despreza no chão.

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