Juristas das principais instituições brasileiras do Direito emitem parecer contra o impeachment

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10 min readDec 7, 2015

Allan Ferreira e Ana Trevisan, especial para os Jornalistas Livres, colaborou Cesar Lucatelli

(Atualizado em 09/12 às 20h)

Reprodução — NBR

Representantes da elite intelectual jurídica se reuniram hoje com a presidenta Dilma Rousseff e com ministros, inclusive José Eduardo Cardozo, da Justiça, para debater sobre a tese do impeachment. O grupo Juristas Pela Democracia se posiciona contra o processo de impeachment aberto por Eduardo Cunha. Dentre os participantes deste grupo estão nomes como Celso Bandeira de Melo, Fábio Konder Comparato, Dalmo Dallari e Pedro Serrano.

Dilma respondeu questões de jornalistas e indicou que de sua parte, ainda não recebeu qualquer sinal [de que Temer esteja articulando contra o governo] vindo diretamente do vice-presidente (PMDB).

Assista a seleção de trechos do vídeo da coletiva publicado pela NBR:

Ou veja o vídeo da coletiva publicado pela NBR na íntegra:

Em seguida, o ministro Cardozo comunicou que alguns dos juristas que participaram da reunião com a presidenta iriam apresentar seus pontos de vista. Essa manifestação dos juristas soma-se a outras já realizadas desde a semana passada, dentre elas, a dos governadores contrários ao impeachment e a do lançamento da página Golpe Nunca Mais no Facebook.

Reprodução — conjur.com.br

O primeiro a falar foi o jurista e professor Juarez Tavares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que afirmou que não se pode alegar que eventuais delitos econômicos possam servir de base para impeachment, pois não é o que prevê a Constituição:

“…não se incluem entre os crimes de responsabilidade infrações menores e nem irregularidades administrativas que possam ocorrer durante o mandato presidencial.”

Segundo Tavares os crimes de responsabilidade, “…constituem infrações graves que atentem fundamentalmente contra a Constituição.”, o que segundo ele e outros juristas não ocorre no caso das chamadas “pedaladas fiscais”.

(clique aqui para acessar o parecer dos professores Dr. Juarez Tavares e Dr. Geraldo Prado).

Em seguida, falou o também jurista e professor Francisco de Queiroz da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que chamou atenção para o fato de o Brasil, tal como o resto do mundo, ter passado por uma crise econômica de escala global e que isso não pode ser desconsiderado:

“…qualquer exame de questão jurídica […] tem que se fazer à luz da situação de fato existente. Nós temos hoje um quadro econômico absolutamente desfavorável em termos de comércio exterior, as commodities caíram, é o maior período de seca em muitos anos, a indústria precisando de apoio, a crise que começa em 2008… o Governo precisou aumentar os subsídios dos financiamentos do BNDES, reforçar o Minha Casa Minha Vida para garantir o setor de habitações, enfim, medidas de fomento tiveram que ser feitas, e a receita caiu… e começam a responsabilizar a governante por pequenos atrasos em relação a financiamentos de bancos como o BNDES e a Caixa Econômica — exclusivamente públicos — e o Banco do Brasil.”

E prosseguiu:

“…se os senhores observarem, o que se tem muito é mais do que isso [a observação de decretos de lei de responsabilidade]: é uma pretensão de transformar a ação de moção de desconfiança do regime parlamentarista em impeachment. Impeachment é algo muito sério, na história dos EUA ocorreram muito poucas vezes… O que se está tentando é imputar responsabilidade de fatos que de que ela não tinha conhecimento, ou de fatos cujo conhecimento é absolutamente necessário.”

Para Queiroz, se o governo tivesse feito o contrário do que fez, então mereceria estar sujeito ao pedido de impeachment:

“…imagine o Governo Federal, o único sócio da CEF, que aportou em 2014 para a Caixa mais de 400 bilhões. Tem um pequeno atraso que implicaria — se suspenso o pagamento — num desastre social com milhões de pessoas sem receber o Bolsa Família. Aí seria caso de impeachment.”

Ainda sobre as ações do governo:

“…se os senhores fossem observar os atos praticados [pelo governo], os senhores de boa fé dirão: ‘não tem um desses que eu também não faria’, a não ser que se estivesse com deliberada má fé.”

Além disso, Queiroz lembrou que outros governos agiram da mesma forma e que hoje se tenta utilizar um formalismo jurídico para que se atenda a outros interesses políticos:

“…tudo o que está se fazendo é um ardil para formação ou para pretensão de terceiro turno eleitoral. O regime presidencialista dá ao presidente quatro anos de mandato.”

Reprodução — conjur.com.br

A advogada e professora Rosa Cardoso da Cunha da Universidade Federal Fluminense (UFF) deu seu parecer do ponto de vista do direito criminal e indicou que o processo de impeachment além de ser um processo político-administrativo é também um processo que implica um crime que precisa estar previsto em lei tal como interpretado pelo STF:

“…se é crime, tem as garantias do direito criminal, ou seja, o fato só pode ser enquadrado, só pode ser atribuído a alguém se for típico, antijurídico e culpável, se houver justa causa do ponto de vista criminal, e justa causa — do ponto de vista criminal — é materialidade criminosa e autoria criminosa.”

A professora detalhou que materialidade criminosa “não é ter feito qualquer coisa”, mas sim fazer algo que se configure como crime. Outro ponto tratado pela advogada é o de que o governo se baseou em precedentes de outros governos para realizar as chamadas “pedaladas fiscais” o que indicaria não haver dolo na ação da presidenta:

“…o governo se baseou em precedentes dentro do Tribunal de Contas da União (TCU) que vêm desde o ano 2002, com o Fernando Henrique aceitando esses decretos complementares que estão sendo cobrados agora, aceitando essas ‘pedaladas fiscais’ que são práticas comuns. Então, não houve dolo.”

Reprodução — NBR

Além disso, segundo Cardoso da Cunha, houve estado de necessidade de fazer uso do que se chamou “pedaladas fiscais” para evitar dano maior, procedimento este que foi submetido à Câmara para que fosse apreciado. (clique aqui para acessar o parecer da Dra. Rosa Cardoso).

O Dr. Luiz Moreira Gomes Júnior membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) considerou que o que parece estar em curso é um “golpe parlamentar”. Na visão do jurista o processo iniciado na semana passada não tem nenhum fundamento constitucional:

“…está muito claro para a comunidade jurídica brasileira que este processo que se iniciou semana passada não tem nenhum fundamento jurídico. Não tem nenhum fundamento constitucional. O que nós estamos a observar? Um presidente da Câmara dos Deputados [Eduardo Cunha — PMDB] que não tem credibilidade, que não tem idoneidade para apresentar-se como protagonista de um processo de impeachment. A sociedade brasileira precisa entender e o cidadão entenderá que o mandato de uma presidenta da república como Dilma Rousseff não pode ser contestado por alguém que responde por várias ações no Supremo Tribunal Federal (STF).”

Para Luiz Moreira, para que o futuro dos brasileiros possa ser garantido, não se pode permitir que atos arbitrários sejam ameaçados por caprichos de políticos contrariados que usam as instituições em seu favor — referindo-se a Eduardo Cunha.

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Não se pode confundir eventuais ilegalidades ou inconstitucionalidades com o atentado à Constituição — argumentou o professor André Ramos Tavares (USP):

“…eu queria aqui tocar num ponto que me parece essencial que é a importância de nós não confundirmos eventuais ilegalidades, eventuais inconstitucionalidades com o atentado à Constituição. Para que nós caracterizemos uma situação de tal gravidade que pode levar ao processo de impedimento de um presidente da república é preciso que esteja caracterizado de maneira irretorquível, de maneira muito clara e evidente que o presidente ou a presidenta tenha praticado um ato contra a Constituição, e não a mera medida que possa ser classificada como ilegal ou inconstitucional porque isso inclusive faz parte do processo de governar… isso inclusive é assumido pela própria Constituição.”

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O próprio STF declara que certas leis podem ser consideradas ilegais em certos momentos, inclusive leis aprovadas no Congresso e sancionadas pela presidência. Além disso, o jurista indicou que o processo de impeachment não pode ser utilizado para se tentar alcançar o poder de forma ilegítima.

“…instituto do impeachment não serve para ratificar o resultado obtido nas urnas ou para rejeitar resultado obtido nas urnas anteriormente.”

Para o jurista Marcelo Labanca Corrêa de Araújo da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), não há ato pessoal direto da presidente da república que incorra em crime de responsabilidade:

“…não há nenhum ato pessoal direto da presidenta da república [analisado pela equipe do jurista] capaz de gerar crime de responsabilidade… O crime de responsabilidade exige a fraude, a intenção da desonestidade — não é qualquer ato ilícito — existe a vontade de fraudar, portanto, não foi identificado no exame que nós fizemos, no nosso parecer, qualquer ato que pudesse levar a presidenta da república a perder o seu mandato.”

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Estamos diante de uma situação na qual se tenta basear em aspectos políticos para se tentar afetar juridicamente a presidenta da república:

“…nós estamos diante de uma situação onde o direito está sendo manipulado com a finalidade mais política do que essencialmente jurídica. Do ponto de vista essencialmente jurídico, não houve o crime de responsabilidade […], não pode haver uma manipulação e uma subversão do direito com finalidades políticas, isso gera injustiça.”

E concluiu:

“Se você tirar o pão de um pobre, ou o carro de um rico, ou o mandato de uma presidenta da república de maneira indevida passando ao arrepio do direito você vai estar acabando com o estado democrático, e portanto, com aquilo que nos dá proteção [como sociedade].”

O jurista Heleno Torres da Universidade de São Paulo (USP) indicou que o Congresso se omitiu de julgar as contas do governo e que o TCU não é a última palavra sobre as contas de Dilma, mas sim o Congresso. Deste modo não haveria base jurídica para se fundamentar o processo de impeachment.

“…lamentavelmente induziu-se a sociedade brasileira a achar que o julgamento do TCU era algo definitivo, que era a última palavra, como se fosse o STF. E nesse equívoco laboram muitos. É aqui onde falta a constitucionalidade… o Congresso Nacional é o único titular do orçamento público.”

E prosseguiu:

“…não há acusação se não houve julgamento das contas pelo Congresso Nacional. […], ressalvas podem ser feitas para o exercício futuro, mas não para o passado [sobre o fato de se alegar somente reprovação no TCU e não no Congresso].”

Para Torres, as demais ações do Congresso, inclusive as pautas bombas, levaram à necessidade de se realizar ajustes fiscais. Para ele a Câmara é a responsável também por levar o país à atual crise.

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“…no âmbito internacional há uma crise gravíssima […], a França está com um déficit de 3% do PIB há quatro anos. Países em desenvolvimento estão sofrendo uma crise internacional muito grande e isso repercutiu no Brasil. Repercutiu também porque aqui não foram feitos os ajustes fiscais, repercutiu porque houve pauta bomba, houve recontagem de votos eleitorais, houve uma série de situações que impediram o Congresso Nacional de funcionar ao longo do ano.”

Torres afirmou ainda que foi um ato de grandeza do Congresso aprovar o ajuste das metas fiscais para os anos de 2014 e 2015.

Marcelo Neves da Universidade de Brasília (UNB) chamou também atenção para a necessidade de segurança jurídica para o bom funcionamento do país e tratou da abordagem do tema das “pedaladas fiscais” e os decretos que estariam desrespeitando a Constituição, comparando o fim do governo FHC com o atual contexto:

“…observei que nos anos de 2001 e 2002 eram abundantes [as ‘pedaladas fiscais’] que hoje eles condenam. Então, há uma quebra da coerência jurídica e a coerência é fundamental para o estado de direito.”

Para Neves, não é qualquer ilegalidade que serve para motivar um impeachment. Segundo o jurista, trata-se de um pacto forjado para levar o país à crise, para levar o país à ingovernabilidade de modo que possam ganhar com esta crise. Para Neves, os defensores do impeachment estão tentando criar artifícios para se chegar a um golpe já que não podem contar com a instituição militar para realizá-lo.

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“Os limites jurídicos do impeachment são uma garantia de respeito ao povo, porque o presidente tem uma eleição como sua base. Portanto, tudo o que se está fazendo com toda essa retórica irresponsável aponta para uma orientação política que no sistema parlamentar teria sentido, portanto, se eu não diria que é um golpe, é um equivalente funcional ao golpe. É como, se você não tem mais apoio militar para dar o golpe — porque não há mais as condições internacionais e no hemisfério — você cria agora formas outras que servem para derrubar irresponsavelmente e de forma jurídica um governo popular.”

O Advogado-geral da União Luís Inácio Adams (AGU), declarou que não houve prejuízo ao erário público, mesmo para os bancos envolvidos. Segundo ele, os recursos foram utilizados para garantir que projetos sociais fossem mantidos e este teria sido um dos fatores que geraram descontentamento na oposição que pede o impeachment. Adams destacou ainda a necessidade de se respeitar a legalidade.

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Os pareceres gerados pelos juristas e advogados que participaram da reunião serão enviados às diversas instituições envolvidas, como por exemplo, a Câmara dos Deputados. Questionado sobre a ausência do jurista Michel Temer (PMDB) na reunião, Cardoso respondeu que os juristas participantes não são membros do governo; já Temer é membro do governo e, portanto, não seria o caso comparecer àquela reunião e apresentação de pareceres, pois a visão dele faz parte da visão do governo.

Ao longo do dia, as principais redes de TV aberta deram destaque à saída do Ministro Eliseu Padilha da Aviação Civil — aliado de Temer. Por outro lado, não apresentaram — até o momento desta publicação — a repercussão do parecer dos juristas a respeito da contrariedade ao impeachment.

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