Um Bom Lugar

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5 min readJul 4, 2015

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Sabotage na Cracolândia

Se constrói com humildade, é bom lembrar

Texto e fotos por Vinicius Souza e Maria Eugênia Sáwww.mediaquatro.com — Especial para os Jornalistas Livres

Sabotage sabia quem era. Sabia de onde vinha, e de onde, no final, não saiu. Ele sabia, sempre soube, qual seria sua sina. Lutou como um herói, mas o sistema venceu seu corpo. Pois vou seguir, com Deus enfim.

A mensagem, contudo, continua. Ouvir te fortalece, nunca esquece. E numa linda noite de quinta, com São Pedro garantindo que não haveria chuva (dizem que Suplicy pediu pessoalmente a ele e foi atendido), essa mensagem foi ouvida em alto e bom som.

Sob aplausos e gritos dos excluídos. Bem na boca do “fluxo”, no coração da Cracolândia, no centrão nervoso de São Paulo. Para uns, Um Bom Lugar, para outros, nem tanto. Embora lá no morro, só louco.

Sim, a voz do maestro do Canão, a favela na beira da renomeada avenida Roberto Marinho (era Águas Espraiadas…) que leva à sede da Globo, gritou da tela grande em plena rua Dino Bueno, entre Helvétia e Glete, que todo mundo tem uma história. Volta ao Canão se os homens vim, disfarço grandão.

Denis Feijão e Ivan 13P, produtor e diretor do filme, falam sobre a experiência de exibir Sabotage — O Maestro do Canão na tela grande em plena Cracolândia

Não sei qual que é, se me veem dão ré. Que quem que tá ali, no vício, no desespero, até no crime, não tá rolando na sarjeta porque quer. Que Rap é Compromisso. Tem de ter respeito pra todos. Bem vindo ao inferno, aqui é raro, eu falo sério.

Foi-se o cantor, o compositor, o ator, o artista, o agitador. Morto numa quebrada, por uma bala. A polícia disse que encerrou o caso (alivio pra quem acredita nela). Sempre assim, maquiavelick, maldade se percebe aqui. Cuidado é falsidade estopim.

Mas os parça e a palavra continuam nas esquinas. Não por acaso, o povo da Luz recebeu de Braços Abertos, como o nome do programa da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, Sabotage — O Maestro do Canão, um dos melhores filmes de rap brasileiro já produzidos. Vou seguir sem pilantragem, vou honrar, provar.

E foi em grande estilo, com direito a telão, projetor, caixas acústicas, cadeiras e pipoca, uma quase sala de cinema sob as estrelas como o pessoal do Projeto CineB costuma a fazer para apresentar filmes nacionais na periferia quando não há um espaço fechado disponível. É Santo Amaro a Pirituba o pobre sofre, mas vive.

Cidalio Santos, coordenador do CineB, fala sobre a estrutura para levar o filme à Cracolândia

Aliás, foi assim também que o filme foi exibido na pré-estreia, há alguns meses, na comunidade onde vivia o rapper. Na Cracolândia, como na favela do Brooklin (na sul respeito é lei, tá bem melhor), balanços de cabeça, acompanhamento dos refrões, aplausos nas horas do papo reto do mano.

Afinal, Sabota é a mesma gente escura, magra e direta que na noite de 2 de julho estava de olho vidrado na tela. Não o tempo todo, porque o corpo tem suas urgências. Quando inflama é capaz de denunciar um irmão pros homem. Mas com a cumplicidade e a identificação de quem vê a própria vida a 24 quadros por segundo.

Pro povo “de fora”, desconfiança e receio de câmeras. Nada de andar no meio do fluxo, nem disparar flashes (imagina). Felizmente (?) não tinha muita imprensa. Se liga na fita danados otários.

Pra Guarda Civil Metropolitana, discreta num canto, o músculo tenso pra correr do rapa, se for o caso. Não foi. Nem sempre, polícia aqui respeita alguém. Em casa invade, a soco. Ou fala baixo ou você sabe…

Pra Anderson Sabotinha, filho do figura, Ivan 13P, diretor e também da quebrada, e para o ex-senador e hoje secretário Eduardo Suplicy, abraços, lágrimas e pedidos de música. Rap é militia, um integrante da família.

Sabotinha, filho do Sabotage, e o secretário Suplicy

Sem qualquer formalidade comum em eventos político-culturais. Barreiras quebradas, espontaneidade, improviso. Tudo junto e misturado. De coração aberto. Um raio de luz, de cinema, de verdade para quem mais precisa disso. Boa ideia quem tem, não vai tirar a ninguém.

Encerramento da exibição, com falas de Suplicy, Sabotinha, Feijão, Ivan 13P e Cidálio (além dos pedidos de “canta Racionais”)
Em pé, da esquerda para a direita, Arthur Pizzo, Denis Feijão, Eduardo Suplicy, Anderson Sabotinha, Ivan 13P, Cidálio Santos, Cynthia Alario e o povo entusiasmado

Com uma idéia fixa Que atinge a maioria, que ainda acredita No plano B, periferia Hoje quem pratica Ta ligado que é o que liga Por que vira, vira,vira

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