Transformação Fisital — O Fim das Interfaces Gráficas

joão narciso
Jota
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6 min readOct 18, 2019

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Estou na minha mesa trabalhando e de repente quero ouvir musica. Pego o estojo do AirPods do meu bolso, retiro os fones e coloco no ouvido. Automaticamente meu iPhone reconhece os fones e se conecta a ele. Quero ouvir Dylan, sempre me ajuda a trabalhar melhor.

Dou dois toques no lado direito do meu fone para ativar a Siri, com os novos Airpods já é possível ativa-la apenas com a voz, e digo em voz alta “Tocar Bob Dylan no Spotify”, finalmente o iOS 13 trouxe a integração com o Spotify, não quero ouvir nenhum álbum ou música em especifico então omito qualquer explicação, e assim como se fosse mágica estou ouvindo Dylan.

Siri integrada com Spotify ativada pelo AirPods

Como não especifiquei nenhum álbum ou música, o Spotify tocou automaticamente a playlist mais adequada da biblioteca, e quando digo adequada me refiro a confiabilidade (neste caso é uma playlist oficial do Spotify), popularidade, qualidade e tudo mais que o algoritmo usar como parâmetro. Rápido. Simples. Fácil. A tecnologia é linda. Mas poderia ser diferente, existe outro cenário:

1º — Desbloqueio o celular

2 º — Acesso o app do Spotify

3º — Pesquiso manualmente digitando “Bob Dylan”

4º — Clico na playlist, neste caso “This is Bob Dylan”

5º — Clico para reproduzir a playlist

Pronto. 2 passos viraram 5. Mas peraí, tem algo errado, a música está tocando no alto-falante e não nos fones. O que pode ter dado errado? Ah, já sei! O bluetooth não conectou automaticamente aos meus fones no momento em que retirei do estojo. Vamos para mais um fluxo:

1º — Desbloqueio o celular

2ª — Acesso Ajustes

3º — Acesso Bluetooth

4ª — Conecto meus fones

9 ações depois estou ouvindo Dylan.

Esse aumento de esforço cognitivo do segundo cenário poderia ter me feito desistir de ouvir meu músico favorito, que conheço há anos, no qual tenho certeza sobre a recompensa ao ouvir, agora imagine se fosse para ouvir um cantor desconhecido, com o risco de rejeição, talvez eu não teria ido até o final do fluxo e nunca o ouça.

Ok, talvez não seja para tanto, estou exagerando propositalmente para mostrar a importância de um fluxo enxuto, mas imagine interações mais complexas no dia dia, que envolvem riscos, duvidas e incertezas, como fazer uma compra online, tudo isso envolve esforço cognitivo, é preciso pensar sobre a renda do mês, se vai sobrar dinheiro, se eu realmente preciso dessa compra e enquanto isso, tudo ao mesmo tempo, ainda é preciso interagir com o site ou aplicativo, saber onde clicar e para onde ir, qualquer passo desnecessário aqui é uma chance a mais para o usuário se irritar e desistir. Você perdeu.

Vamos para mais um exemplo:

No primeiro fluxo, eu não escolhi nenhum álbum ou música em específico como deixei claro, o que o Spotify fez? O aplicativo pró-ativamente selecionou a playlist mais adequada e reproduziu. Poderia ser diferente, a Siri poderia ter me retornado algo como “Especifique um álbum ou música” ou perguntado “Deseja tocar aleatoriamente?” criando passos desnecessários, transferindo decisões que deveriam ser do sistema para o usuário, neste caso como eu não especifiquei nada é implícito que não quero decidir e apenas ouvir qualquer uma do Dylan, o Spotify entendeu isso e reproduziu.

Já temos muitas decisões difíceis para tomar na nossa vida cotidiana, um sistema de qualidade deve ser preditivo; utilizando IA é possível diminuir o máximo possível as decisões que o usuário precisa tomar e assim consequentemente torna-la mais natural e gratificante.

Transformação Fisital

O mundo está mudando todos os dias, a linha que divide o físico e o digital está ficando cada vez mais tênue, a expressão “acessar a internet” está morrendo pois não “acessamos a rede”, estamos na rede. Após a publicação do artigo “Digital-Physical Mashups”, do professor Darrell K. Rigb na revista Harvard Business Review, esse fenômeno se popularizou com o nome “Fisital”.

Mas o que é Fisital?

Você quer se locomover pela cidade? Com um comando de voz seu Uber está chegando. Quer pagar seu drink sem mexer com dinheiro ou cartão de crédito? Aproxime seu smartphone de um leitor com a tecnologia NFC e pronto. O boom da internet no qual nos restringíamos fascinados sem tirar os olhos da tela passou, hoje queremos estar cada vez menos com os olhos na tela, estamos nos cansando de interfaces, queremos estar presentes, começamos a entender que o objetivo da tecnologia é nos auxiliar e melhorar nossa vida no mundo físico. Não atoa Pokemon GO foi um sucesso absoluto e o Tinder, um app que tem como entrada relações no mundo digital que tendem a suceder relações no mundo físico, é o app mais rentável desse 3º trimestre de 2019. Nós somos seres sociais, queremos estar presentes.

Estamos nos encaminhando para “juízo final” das interfaces gráficas, hoje você não precisa mais acessar o Whatsapp para responder uma mensagem, o iOS e Android fornecem a opção de responder diretamente da notificações, reduzindo os passos e acelerando o processo de interação com a tela. A interface gráfica não é mais o objetivo final.

Imagine, quanto recurso e tempo você não gasta para desenvolver uma interface bonita assim:

Mas tudo que o usuário precisa saber é se vai chover ou não. Através da simples frase “vai chover” dita à Siri ela me retorna exatamente o que eu preciso saber:

Eu não preciso de uma interface linda, eu só preciso saber se vai chover hoje para que eu possa me antecipar, comprar uma capa de chuva, colocar botas ou cancelar algum compromisso.

Não atoa, com a humanização da tecnologia a função de UX vem crescendo cada vez mais, no futuro não bastará entender de Photoshop, Illustrator e XD, o designer precisa[rá] entender de História, Psicologia… e sobretudo dados. Com o inicio das interfaces computacionais precisávamos ensinar o usuário à utiliza-las, para traze-los ao digital usamos muitas associações do mundo físico, como skeuformismo, ensinamos o usuário ao longo dos anos que ao clicar no disquete podemos salvar o arquivo, que ao clicar no X, uma abstração de System.exit(0) em Java, podemos fechar a aplicação e etc. Mas esse fluxo inverteu, agora nós desenvolvedores e designers que precisamos aprender com o usuário.

Exemplo de skeuformismo, conceito que utiliza elementos digitais imitando e elementos reais, skeuomorfos, criando metáforas úteis para as pessoas se relacionarem com o sistema.

Continuamos.

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