COVID-19: A culpa não é dos jovens

Não, a culpa não é dos jovens. É dos líderes que preferem distribuir ameaças em vez de darem o exemplo.

André Guimarães
JSD Ilhavo
4 min readJun 22, 2020

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Acordámos hoje após um prolífico fim-de-semana de acusatórias notícias contra os jovens portugueses. Irresponsáveis. Egoístas. Displicentes. Na sequência do registo de festas informais e ajuntamentos em Viseu, Setúbal, Braga, Porto e noutros centros urbanos portugueses, os jovens foram (e serão nos próximos dias) os únicos responsáveis pelo aumento de casos de COVID-19 em Portugal. Por causa deles, mais pessoas, nomeadamente, as mais vulneráveis, continuarão a ir parar ao hospital. E, por causa dos jovens, todo o esforço levado a cabo com as medidas de confinamento, tendo em vista a mitigação da propagação do vírus, resultará em nada. Em breve seremos o país com piores estatísticas relacionadas com infeções de COVID-19 do mundo e voltaremos ao estado de emergência e de confinamento absoluto em que mergulhámos há meses. Tudo por causa dos jovens imprudentes.

Mais do que infundado, mesquinho é o adjetivo que me ocorre para caracterizar este discurso.

A máxima do “Dois pesos; Duas medidas.” não é de agora e deixou de constar como uma exceção para se afirmar como uma regra. António Costa, Primeiro Ministro de Portugal (convém não esquecer o cargo que ocupa), fez questão de falar aos jornalistas para deixar uma série de ameaças aos jovens e censurar a sua conduta de encontro social de sábado à noite, isto enquanto o próprio entrava para um evento cultural. Admitindo com boa fé que todas as condições de higiene e segurança foram observadas pelo Teatro Nacional D. Maria II (e, já agora, pelo Campo Pequeno), que paradoxo é este em que um Primeiro Ministro pode ir a eventos culturais e um jovem não pode ir falar com os amigos na rua, à porta de um restaurante? Não são ambos espaços de encontro, consigo próprio e com os demais? Por que razão?

Uma informal festa na praia é censurável, mas a realização de uma manifestação anti-racista já é cool e pouco ou nada se deve obstar. Por que razão?

O transporte coletivo de crianças e jovens para atividades de tempos livres no verão tem de cumprir um ror de condições, o que, de resto, desincentivou Municípios e privados de organizarem programas deste tipo. Porém, os autocarros com os sindicalistas da CGTP puderam circular à vontade por Lisboa e facilitar o ajuntamento de pessoas no 1º de maio. Mais do que as recomendadas 20 pessoas, certamente. Por que razão?

A razão está num discurso disconexo entre o que é exigido e o exemplo dado por aqueles que nos deveriam orientar enquanto sociedade e enquanto nação. Os aterrorizantes discursos que levaram ao cerco de Ovar e, por pouco, não levaram ao cerco do Porto, parece que já estão bem longe e o “milagre português” permite que Portugal possa fazer a sua vida normal, exceto deixar os portugueses gozarem da sua liberdade individual. Falar do aumento alarmante de casos na Grande Lisboa é mesmo isso — Falar; porque medidas ativas que identifiquem os focos de contágio e que sobre eles atuem estão por ser implementadas. O que é importante é celebrar o acolhimento da final da Champions League como se se tratasse de um grande feito nacional num país onde tudo corre bem (ignorando que somos o segundo país da Europa com pior rácio de novos casos) e, pelo caminho, travestir isso de uma justa e merecida recompensa aos profissionais de saúde.

Por isso não, a culpa não é dos jovens. A culpa é dos líderes nacionais que, não estando cientes da sua responsabilidade, preferem distribuir ameaças em vez de darem o exemplo e falarem com a seriedade que o tempo manda.

Sacudir a culpa de um iminente descontrolo do contágio por parte das autoridades de saúde para a ação de alguns jovens (como se o todo pudesse ser tomado pela parte) é injusto e leviano. Os jovens estão bem cientes da gravidade da situação e sentem na primeira linha as consequências desta pandemia. Foram os jovens que tiveram, na melhor das hipóteses, de mudar a sala de aula para dentro do quarto (fora aqueles que nem isso puderam fazer) e lidar com aulas à distância sem isso garantir os padrões de exigência e rigor tão importantes para a sua educação. Foram os jovens que tiveram de adiar o acesso ao mercado de trabalho fruto de uma economia que se retratou. Foram os jovens que entraram em processos de lay-off, que perderam o emprego ou que viram um cenário ainda pior do que os contratos de trabalho precário que enfrentavam.

Ainda assim, os jovens estão cá e cumprirão o seu papel. Prova disso está no facto de os grupos que foram detetados nas noites do último fim-de-semana desmobilizarem pacificamente em cumprimento com a ordem policial. A própria Juventude Social Democrata dá o exemplo e remodelará o formato tradicional do seu Congresso Nacional, tirando partido dos meios telemáticos para evitar a aglomeração de centenas de jovens militantes oriundos de todas as partes do país. Não há grupo mais interessado que os jovens em que esta pandemia termine e que possamos todos voltar à vida normal. Pelo meio, que o Governo mostre algum respeito. No mínimo.

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André Guimarães
JSD Ilhavo

Consultor para o desenvolvimento inteligente das cidades na Ubiwhere. Membro da Assembleia Municipal de Ílhavo. Curioso, entusiasta e sem papas na língua.