[S01E03] The Witness, a genialidade e a dificuldade

Felipe Malafaia
jslo
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7 min readJan 5, 2017

Olá pessoa de bem que está lendo este artigo, um ótimo dia para você!

Caso eu e você sejamos um caso antigo, você já sabe o que vai acontecer, pode pular para a sessão Pressione Start.

Se é a sua primeira vez aqui, vamos as apresentações:

Sou Felipe Malafaia, o caixeiro jogante e estou aqui para lhe oferecer um divertimento eletrônico e virtual de altíssimo garbo e elegância. Não é um grande fã de games? Não tem problema, eu só te peço uma chance; uma chancezinha de te convencer, se não gostar do produto pode seguir sua vida. Mas se gostar eu pediria que você voltasse para eu te explicar em um segundo momento os meandros que podem ter feito você se apaixonar pelo jogo. Que tal? Parece bom?

Então prepare seu barbante (referência grega check) e vamos aos mistérios de The Witness.

Pressione Start

“Ainda de olhos fechados você consegue sentir uma textura diferente sob seu corpo, a luminosidade seja lá de onde você está, atinge e invade até mesmo seus olhos fechados; não incomoda, mas ela lhe desperta. Um túnel de metal. No fundo dele um painel interativo mostrando um labirinto. Você não sabe quem você é, você não sabe o que faz ali, mas resolvendo o desafio do labirinto do painel você ganha acesso ao mundo externo… E seus olhos não podem acreditar em tudo aquilo que enxergam, desertos, praias, campos, florestas… Tudo isso em uma simpática e misteriosa ilha.”

E assim você começa sua jornada em The Witness. Um jogo de desafios e quebra-cabeças envolto de mistérios numa ilha paradisíaca capaz de suportar todos os bons adjetivos de um dicionário. O (já lendário) criador do jogo, Jonathan Blow, criou uma peça até então única no mundo dos video-game que por muitas vezes beira escapulir da própria definição de “game”; isso por que você tem espalhado em diversas partes das ilhas os painéis com os puzzles todos partindo do modelo inicial de preencher um labirinto do seu início até o fim (o gif acima ilustra de maneira mais clara), mas pela falta de objetivo claro muitos podem chamar o jogo de “brinquedo virtual”. A definição, olhando somente por esse ponto de vista, seria assertiva e nem um pouco degradante. Mas, o jogo não é só isso.

De fato, você vai encontrar muitos painéis meu amigo leitor, e resolver eles vai cobrar inteligência e perspicácia de sua pessoa como em poucos jogos, utilizar a lógica e buscar no cenário formas de solucioná-los é incrível. Recomendamos fortemente que você não busque alguma solução na reed ou com amigos, passar um tempo enfrentando uns desafios, e principalmente, saber deixar ele um pouco de lado é parte substancial da experiência não objetiva de The Witness.

Mas, será que é mesmo uma caminhada sem objetivo?

Por mais que pareça alguma bobagem metafilosófica, você não vai deixar de se questionar sobre a presença de estátuas e até mesmos gravaçõe huamans que vão lhe ser apresentadas. Sim, gravações. O maior diferencial de The Witness sãos as dúvidas (declaradamente propositais, segundo seu criador) advindas da inevitável contemplação afinal, que jogo lindo não?

E todos os resquícios de humanidade presentes na ilha? Eles não estão conectados? Será que tudo não está conectado ao sentido da vida, que é justamente não ter sentido? Será uma metáfora ou existe algo mais real sobre seu passado e o passado da ilha?
Pela bagatela de R$73 (que podem sempre ser divididas em suaves prestações) você vai poder garantir sua cópia para PC, a outra opção é para Playstation 4, que vende o jogo pelo valor de R$122,90.

Mas, porque?

The Witness é um jogo de quebra-cabeças. Como um puzzle game, e traçando um paralelo extremamente simplista, ele se assemelha a Angry Birds. Mas por pertencer a uma casta mais “séria” de jogos ele adiciona profundidade tanto aos desafios quato ao jogo em si. Falando por alto para lhe deixar na expectativa, a primeira coisa que o game faz é aplicar o princípio do “Aprendizado não ensinado” (que já comentei no Downwell, mas vou tratar mais a fundo no futuro) onde você como jogador não é incomodado pelo jogo sobre como jogar, você faz suas próprias descobertas, como no primeiro gif que coloquei mostra, a única dica visual sobre o que fazer frente a um painel é o ícone do mouse.

O aprendizado não ensinado é um princípio ativo forte em vários gêneros, mas em especial em jogos de quebra-cabeça ou que envolvam raciocínio lógico, você como jogador se sente mais realizado. Achar a solução de um desafio faz você se sentir um verdadeiro gênio, criando o que eu chamo de “momento eureka”. E The Witness leva o sentimento de Eureka a um exponencial existencial. Se você for sensível o bastante, vai se sentir cativado e até mesmo melancólico com algumas sutilezas propositalmente expostas no jogo. As gravações fazem parte disso.

A aplicação do momento eureka tanto no campo meta quanto no gameplay são responsáveis pela criação do loop vicioso de explorar um local até encontrar os painéis, resolvê-los (e se sentir maravilhoso com isso) e buscar no cenário o próximo grupo de painéis, na busca você tem mais momentos eurekas sobre a vida o universo e tudo mais e tem mais gás para resolver mais painéis para ter outros momentos.

E por que a comparação com Angry Birds? Veja bem, The Witness apresenta mais de 700 quebra-cabeças e nenhum deles parece que foi feito com preguiça, para vagamente ocupar espaços ou somente aumentar a duração do jogo (até porque você pode chegar a área final do jogo sem passar pelos 700), todos tem uma razão de ser. E é isso que liga os jogos. Com uma quantidade tão grande de painéis seria fácil perder a mão e deixar tudo extremamente difícil ou infantilmente fácil, e nenhum dos dois pontos ajudaria no propósito maior de The Witness. O balanceamento de dificuldade para não reter o momento eureka ou não criar o momento eureka é algo utilizado em Angry Birds com as regras da relação dificuldade/engajamento. Vamos aos gráficos:

Não, não é um gráfico muito elaborado, mas deve servir.

Ambos os gráficos representam a relação dificuldade/tempo ou seja, o nível de dificuldade que o jogo apresenta para o jogador ao decorrer de sua duração. O primeiro é uma representação de um crescimento linear onde o jogador inicia o jogo sem conhecimento do jogo e durante o jogo vai angariando poderes e habilidades que melhoram seu desempenho, com isso o jogo apresenta sempre mais dificuldade para que o sentimento de desafio permaneça crescente. O segundo gráfico, similar ao que seria traçado de The Witness, é um gráfico de crescimento casual de repetição. Perceba que a linha de dificuldade nem sempre é crescente, em alguns momentos ela estagna em um ponto e em outros a dificuldade é diminuída. Em Angry Birds (e muitos outros jogos mobile) esse é um padrão estabelecido para manter o jogador engajado no jogo; Passando por testes de aprendizado e enfrentando novos desafios o jogador sente progresso a diminuição acontece para aumentar o sentimento de realização e evitar que após uma fase difícil o jogador mobile, comumente mais casual, não se sinta preso num loop de tortura e dificuldade. A liberdade dada pela ilha de The Witness muda isso.

The Witness de certa forma aplica essa regra de duas formas, a primeira é deixar você livre para explorar a ilha e decidir qual painel resolver primeiro, mesmo que isso possa gerar momentos onde o jogador tente resolver algo somente com tentativa e falha (por não ter aprendido a forma de resolução em um local x da ilha) é muito mais comum que o jogador perceba que não sabe resolver e vá em busca de outro painel. O segundo “pulo do gato” que Jonathan Blow aplica ao jogo é o próprio momento eureka, que encadeia a resolução de painéis em pontos diferentes; A maioria dos painéis tem formas de resolução encadeadas a conhecimentos que vêm de outros painéis, ou seja, você quase resolve um painel “A” em um ponto, mas para resolvê-lo por completo você precisa de um conhecimento que só virá no painel F. Seria muito difícil gerar um gráfico de dificuldade para The Witness e atrelar somente a isso todo o engajamento e sucesso do game ( até porque somente tratamos da parte mecânica aqui, que tal falar da narrativa dá próxima vez? Parece ótimo!).

E você meu leitor anônimo? Acha que os mistérios e desafios de The Witness são poderosos? Ou eles não te ganharam? Chegou a jogar o jogo? Nem quis saber? Comenta aí!

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Felipe Malafaia
jslo
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Game Designer, Designer UX, multimidia creator e dono do universo… Um desses é verdade. @CESAR