Como os Jobs To Be Done surgem e tomam forma na vida do cliente?

Daniel Salengue
JTBD+
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6 min readNov 7, 2019
Foto por Suzanne D. Williams disponível em Unsplash

Quase sempre que converso com algumas pessoas depois de fazer alguma apresentação sobre Jobs To Be Done, alguém me pergunta algo parecido com:

“Ah, então esses jobs são tipo necessidades, certo?”

Então, eu respondo algo na linha de:

“É, mais ou menos, na realidade os jobs são necessidades descritas sob a perspectiva do contexto, dos clientes e da demanda…”

Pois é, referenciando “Rápido e Devagar: duas formas de pensar”, eu claramente preciso de uma resposta “rápida”, pelo menos para esse papo depois das apresentações.

Para a resposta comprida, preciso explicar que os jobs to be done surgem e tomam forma na vida dos clientes e têm relação com os produtos por meio do Sistema do Progresso.

O que é o Sistema do Progresso?

De maneira objetiva e prática, trata-se da aplicação do pensamento sistêmico na análise dos Jobs To Be Done. Quando falamos em jobs, é comum descrevermos suas características referentes às necessidades dos clientes e em como as descobrimos por meio de conversas (ou “entrevistas”) que utilizam a Linha do Tempo e as Forças do Progresso.

Mas quando o interesse é expandir a análise dos jobs to be done para definir estratégias, seja de marketing, produto, vendas, etc e/ou modificarmos o produto em si, entender as interdependências entre clientes, produtos, demanda faz toda a diferença.

Então, basicamente o Sistema do Progresso é um mapeamento que podemos utilizar para separar as diferentes execuções que pretendemos trabalhar.

As origens do Sistema do Progresso

Uma das primeiras descrições sobre o Sistema do Progresso foi apresentada por Alan Klement. Geralmente em suas apresentações o autor destaca a importância do pensamento sistêmico aplicado a Jobs To Be Done. Ainda de acordo com ele, o Sistema do Progresso é uma contribuição direta de Bob Moesta para a parte mais prática de Jobs To Be Done.

Na realidade, não é fácil encontrar materiais sobre esse assunto. O que diga-se de passagem é uma pena, pois essa ferramenta é muito útil para quem quer tomar ações a partir do que for descoberto.

O que quer dizer a palavra “Progresso” nesse nome?

A teoria dos sistemas e do pensamento sistêmico define que todo o sistema tem uma conexão entre todas as suas partes. Essa conexão, por sua vez, precisa ser algo diretamente ligado ao propósito do sistema.

No caso do Sistema do Progresso, clientes, produtos, produtores e demanda estão conectados pela necessidade dos clientes em ter progresso em suas vidas.

Esse progresso que os clientes querem em suas vidas é a cola que une as partes desse sistema.

As quatro partes do Sistema do Progresso

Dividir para conquistar, as quatro partes seguidas de suas respectivas explicações.

Um cliente começa pela flecha vermelha e segue no sentido horário, atravessando eventualmente o pontilhado branco. Esse ciclo representa as relações entre clientes, os jobs to be done, a demanda e os produtos.

Vamos ver, então, cada parte desse sistema.

Quer o progresso

Em relação às Forças do Progresso, aqui é onde o Push e o Pull atuam. Por alguma razão o cliente quer/precisa mudar. Numa perspectiva de progresso, ele deseja ser o que ainda não é ou poder fazer o que ainda não pode. Enquanto consumidores, nós queremos nos aproximar desse estado por meio de um produto.

Isto está diretamente ligado àquela frase bastante vendedora que você provavelmente já conhece:

“As pessoas não compram produtos, elas compram versões melhores delas mesmas” — algum vendedor e/ou profissional de marketing

É nessa parte do Sistema do Progresso que o job toma forma. Esse job está entre o cliente e o progresso que ele deseja.

Mas é claro, somente saber que é aqui que o job acontece não é o suficiente, afinal de contas, o que é acionável nisto?

O que deve ser feito aqui é descobrir em detalhes como esse job específico se formou. Há algumas perguntas a serem feitas sobre isto.

  1. Quando o cliente percebeu que precisava mudar? Aconteceu alguma coisa específica?
  2. Como ele percebeu que precisava mudar? O que ele estava fazendo/pensando?
  3. Houve alguma mudança na vida do cliente? Hábitos? Estilo de vida? Algo do tipo?
  4. O que havia de errado com a maneira com que ele resolvia esse job?
  5. Existia diferença entre o que ele imaginava que deveria acontecer e o que aconteceu?

Pesquisa e escolhe uma solução

Com o sentimento de que não há progresso com a solução atual, o cliente parte para pesquisa e escolhe uma nova solução. Os problemas com o jeito atual de fazer o job estão mais definidos na cabeça do cliente. Além disso, diversas imagens e simulações desse cliente utilizando uma nova solução começam a se formar.

Nessa etapa do Sistema do Progresso, formam-se:

  1. O que os clientes valorizam numa solução.
  2. Como eles priorizam as alternativas.

Quando o cliente realmente começa a pesquisar e escolher uma solução, o que de fato é importante numa solução é revelado. Assim, fica bastante claro que que nem tudo o que dizemos ser importante realmente é.

É exatamente por isto que é tão importante entender o que realmente aconteceu (os fatos) na vida do cliente e como o critério de decisão surgiu. Nessa hora é importante levantar com os clientes o seguinte:

  1. O que aconteceu na vida deles para que eles de fato começassem a pesquisar? Algo mudou? Por que começaram a pesquisar agora e não um mês atrás?
  2. O que eles escolheram? Como eles imagina a sua vida durante e depois de utilizarem a solução escolhida?
  3. O que eles diziam ser importante, mas a solução escolhida não tem?
  4. Quais sãos as comparações que o cliente faz? Nem sempre os produtos competem com o que acreditamos.

Usa a solução

Eis que a nova solução é colocada à prova.

Mas é importante lembrar que somente os clientes revelam qual é a prova ;)

É comum os clientes utilizarem o produto de um jeito que você não imaginava. Então, é muito importante não presumir como os clientes estão usando a solução, mas sim levantar isto com eles.

Entretanto, é importante lembrar que o que está em jogo é a execução do job e não uma solução específica.

O quê?

Em muitos casos, a nova solução não é a ideal ou, até mesmo, resolve por si só o job. Aqui, é importante levantar também se o cliente está utilizando alguma combinação de dois ou mais produtos.

E lembre-se, o diabo está nos detalhes.

Não se trata de descobrir de modo generalista como o cliente está utilizando o produto e para que fins. É necessário saber os detalhes desse uso. Quanto mais detalhes, mais insights.

Então, perguntas como as seguintes merecem nossa atenção:

  1. Como, quando e com quem o cliente usa a solução que escolheu?
  2. Ele usa todas as funcionalidades dela ou só algumas?
  3. Ele combina a nova solução com alguma outra, seja essa outra nova ou velha?
  4. Ele se refere a solução como algo que você não pensava? Por exemplo, você chama sua aplicação de “plataforma de comunicação” e o cliente de “arquivo para salvar mensagens”?

Tem o progresso

Ou não.

É claro, se o cliente não obter o progresso que esperava com a solução escolhida, o sistema volta para a primeira etapa. Entretanto, um pouco diferente, é claro, afinal, alguma experiência a mais o cliente teve ao usar a solução escolhida.

Mas digamos que ele tenha o progresso, que as funcionalidades de fato resolvem o job que estava entre ele o que ele queria ser/fazer. Nesse ponto, o Sistema do Progresso revela como os clientes medem e verbalizam o sucesso com a solução.

Prestar atenção em como esse estado após a execução do job é descrito pelo cliente é muito enriquecedor. Nessa etapa, as seguintes perguntas precisam ser esclarecidas:

  1. Os clientes obtiveram o resultado que esperavam? Como eles mediram isto?
  2. O progresso que eles alcançaram está alinhado com o que eles imaginavam?
  3. Há algum efeito colateral nesse progresso?
  4. O que eles querem ser/fazer agora que já tem o progresso? Alguma nova oportunidade? Desafio?

O Sistema do Progresso é perpétuo

As pessoas são viciadas em progresso. Assim, quando nós atingimos o progresso que queríamos usando uma ou mais soluções, nós “desbloqueamos” outro objetivo, outro progresso que queremos atingir.

E esse novo progresso, ou melhor, essa nova oportunidade de fazer os clientes continuarem no sistema, é onde você pode pensar não mais somente enquanto produto, mas agora como empresa.

Se o seu produto para se manter enxuto se propõe a levar os clientes a um determinado progresso e, então, parar, a oportunidade de dar sequência no sistema pode ser pela empresa que faz o produto ou, então, parcerias.

O ponto é que algo ou alguém vai dar sequência no Sistema do Progresso.

A oportunidade enquanto empresa é a de criar produtos que continuamente entreguem progresso para o cliente.

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Daniel Salengue
JTBD+
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Product Manager com background em engenharia de software.