Às vezes a gambiarra é mãe da inovação

Qual a relação entre gambiarra, inovação e Jobs To Be Done?

Daniel Salengue
JTBD+
5 min readAug 12, 2019

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Foto por NASA disponível em Unsplash

Quando estamos diante de uma situação/problema/job que precisamos resolver e, aparentemente, não temos um produto para nos ajudar, muitas vezes a criatividade vem à tona.

Certas vezes, essa criatividade envolve a combinação de um ou mais produtos que podem, ou não, desempenharem uma função diferente da qual eles foram projetados.

Essa frase anterior tentou explicar o que constitui, de maneira construtiva, uma gambiarra :)

Mas o que isto tem a ver com Jobs To Be Done?

No contexto de Jobs To Be Done, gambiarra e inovação estão ligadas à constância dos jobs.

Como assim constância dos jobs?

Então, jobs surgem nas vidas das pessoas e precisam ser feitos. Se eles estão presentes, as pessoas dão um jeito de os fazerem antes da existência de uma solução específica, certo?

Ou você acredita que antes da FedEx era impossível “fazer um pacote ir do ponto A até o ponto B”? Em outras palavras…

As pessoas sempre deram/dão/darão um jeito de fazer o job.

Essa constatação fica muito clara quanto conversamos com clientes sobre seus hábitos nos moldes das técnicas de conversa ensinadas em obras como O Teste da Mãe.

Percebeu aonde eu quero chegar? Se não percebeu, não tem problema, vamos seguir…

Digamos que diante de uma situação específica que surge na sua vida, você percebe que não há um produto (ou pelo menos você não conhece um) capaz de lhe ajudar.

O que você faz quando não há um produto para essa situação, para esse job?

Então, o que muita gente faz é utilizar um produto ou a combinação de mais produtos que não tinham bem essa finalidade necessária. Nesse cenário, eis que surge a gambiarra.

Só para linhar rapidamente…

Quando uso a palavra “gambiarra”, eu me refiro a todo aquele uso diferente da solução por parte do usuário, sabe? Quando o cliente usa o produto de um jeito que você não esperava ou, então, para um propósito que os criadores do produto sequer imaginavam.

Gambiarras merecem atenção

Principalmente de quem trabalha com produto.

Tudo é uma questão de avaliar bem o que está acontecendo para que a pessoa tenha escolhido fazer uma gambiarra para resolver seu problema. É claro, muitas coisas estão envolvidas nisto, às vezes não há nada de muito útil para ser descoberto. Mas esse pequeno risco pode valer muito a pena.

É importante ter em mente que nada disso é rocket science. Eu não tenho como argumentar com fórmulas que levem em consideração o tamanho da gambiarra, o esforço envolvido nela, a quantidade de ferramentas usadas em conjunto ou coisas do tipo.

Realmente é tudo muito relativo, mas se for ajudar, há quem diga que quando o comportamento (a gambiarra) for muito estranha, vale sempre a pena investigar.

Para ajudar, separei dois exemplos.

Gambiarra nas legendas do Youtube

Há pouco tempo, uu estava conversando com um colega de trabalho sobre palestras legais no Youtube. Em algum momento da conversa, surgiu a questão de que alguns desses vídeos são longos demais, o que dificulta nossa vida quando queremos encontrar apenas um trecho específico que nos interessa.

Foi, então, que esse meu colega me explicou a sua solução (gambiarra) para essa situação de querer econtrar um trecho do vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=cFoWhYE69B0
  1. Acessar o video no Youtube (óbvio).
  2. Clicar na opção “Mais…” que fica abaixo do vídeo.
  3. Clicar na opção “Transcrição”.
  4. Copiar a transcrição que o Youtube gera automaticamente (normalmente para as legendas) e colá-la num editor de texto.
  5. Dar um “Ctrl + F” informando alguma palavra que você lembra do trecho que procura.
  6. Ver onde a palavra foi encontrada e identificar o tempo em que ela foi dita.
  7. Selecionar o tempo identificado no passo anterior.

É uma gambiarra, mas faz o job. Confesso que eu nunca tinha pensado nisto. Até então, eu realmente ficava pulando o vídeo e “chutando” onde mais ou menos se encontrava o trecho que procurava.

Mas o que dá pra tirar de insight dessa gambiarra?

No mínimo, dá para confirmar que existe o problema de “encontrar um trecho específico do vídeo”. E a partir daí, dá pra fazer bastante coisa, como, de repente, possibilitar uma pesquisa mais fácil no conteúdo do que é dito num vídeo. Possibilitar esse tipo de pesquisa seria algo inovador.

Gambiarra em parceria com Neymar Jr

Então, essa aqui na verdade teve bastante repercussão. Mas em resumo, foi o seguinte, um jovem começou a utilizar o Messenger do Facebook para armazenar links, tarefas, to-do’s, etc. Ele mandava mensagens para o perfil do Neymar Jr. Simples, não?

Esse jovem pensou mais ou menos o seguinte: “eu facilmente colo ali tudo o que quero armazenar e envio, afinal de contas, o Neymar nunca vai ler a nossa conversa, pois ele deve ter uma quantidade absurda de recados nas redes sociais”.

Mas o que repercutiu mesmo foi o fato de quem um dia o jogador acabou lendo as mensagens dele.

Fonte: buzzfeed.com

Nesse link aqui tem mais detalhes do ocorrido.

Mas o que dá pra tirar de insight dessa gambiarra?

Aqui a gambiarra é ainda mais interessante. Quando pensamos no Messenger, logo de cara podemos supor que o job é “conversar com amigos e conhecidos”. Tudo bem, o job principal pode ser esse mesmo. Mas o que essa gambiarra do jovem nos mostra é um job secundário para esse produto.

E não pense que isto foi muita criatividade do rapaz e que poucas pessoas fazem esse tipo de coisa. Vários aplicativos de mensagens estão incorporando jobs nesse alinha. Uma prova muito forte disto é a startup inovadora, Slack.

Aliás, o Slack é um ótimo exemplo, pois embora ele consista basicamente num aplicativo de mensagens, ele faz muito mais e, principalmente, sabe disto.

Fechando o link entre gambiarra e inovação

Lembra que comentei que as pessoas de um jeito ou de outro vão fazer o job?

Então, muitas vezes elas precisam fazer uma gambiarra pra isto. Só o fato de elas terem se esforçado para de algum modo conseguir resolver seu problema já indica que esse job é importante.

Na medida em que você entende esse job (seja ele conhecido ou não por você) através da análise do comportamento inesperado (a gambiarra) de um usuário, você pode ter bons insights para pivotar, alterar ou, então, criar um produto.

E se as pessoas faziam gambiarra é porque talvez não houvesse um produto melhor para isto, o que faz sua solução um tanto inovadora.

Para saber mais sobre o assunto

Acredito que o caso das gambiarras vale realmente muito a pena ser observado pelos responsáveis por um produto. Isto, pois elas se encaixam bem no caso de “comportamentos extremos”, assunto bastante explorado e importante.

Inclusive, essa é minha dica para dar sequência no estudo das oportunidades de inovação “escondidas” no comportamento dos usuários. Recomendo começar por este texto aqui: “Insights comportamentais são uma mina de ouro para o seu negócio”.

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Daniel Salengue
JTBD+

Product Manager com background em engenharia de software.