a cerca.

Juliana Damasceno
judamasceno
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3 min readMar 6, 2017

fazia pelo menos uns dois anos que eu e leonor não saíamos juntas. muito assunto pra botar em dia, muita risada pra dar, muita cerveja pra tomar.

mas aí que a gente teve a brilhante ideia de ir ao cinema antes. ver fences (um limite entre nós), que premiou a viola davis no oscar da gafe histórica, etc.

antes de entrar, ela me avisou.

- caralho, falaram que o denzel fala mais que a boca. tô com medo.

mas ingresso tava comprado, pipoca doce na mão, não dava pra recuar. em frente.

eis que a gente senta no meio da penúltima fileira lá de cima, letra H. perfeito, né?

não: era a única fileira que tava lotada da sala toda.

sala toda que, aliás, parecia ter recebido uma caravana de velhinhos: a média etária da sessão devia ser de uns 70 anos. entraram uns jovens quase na hora do filme começar e a gente olhou uma pra outra e falou alto: opa, jovens.

- pelo menos não vão querer colocar só a gente no ônibus da excursão de volta pra ribeirão preto, eu disse.

e assim tentávamos controlar as gargalhadas altas quando, então, descobrimos que o moço ao lado da leonor era o “ombudsman” da sala de cinema. falava alto, como se estivesse num bar, e de cara reclamou de um mosquito que o rondava, dando uns tabefes e falando SAI.

- acho que eu vou explodir, disse a leonor roxa de vontade de rir.

e o filme começa de repente, sem mais, nem menos, nem trailers. e a luz continua acesa. as pessoas acharam que era pegadinha. quando se deram conta, começaram a gritar APAGA A LUZ, PORRA.

pensei: isso não tá acontecendo.

o ombudsman, que tava reclamando bem alto da luz que estava atrapalhando sua visão, levanta então, sob aplausos, pra reclamar do lado de fora da sala. segundos depois, tudo pronto. mais aplausos. começa o filme.

mas parece que só começa e não termina. na PRIMEIRA FUCKING CENA, denzel fala mais que maurício gaia ao contar uma história e uma aflição tamanha vai tomando conta, incomodando mesmo.

- deve ser um calhamaço de roteiro, vou até comprar — diz a leonor já descaralhada em menos de meia hora.

com razão: ele deve falar uma hora e dez, mais ou menos, segundo o ombudman que reclamou alto que não aguentava mais o denzel washington falando.

eu cochilei. leo cochilou. e uma com receio de acordar a outra no meio do filme. ela disse que eu tava até respirando alto, quase roncando, em dado momento.

e, quando acordo, viola davis tá chorando pelo nariz com uma revelação bombástica.

- que que eu perdi? — falo eu, alto, quando me dou conta da pescada nervosa que eu dei. vexame. risadas.

neste momento, uma senhora discute com os jovens que chegaram por último.

- xiu, vocês não têm respeito?

- ah, que chata, vai sentar em outro lugar.

e ela vai mesmo. embora. no meio do filme. ninguém entendeu nada e todo mundo se entreolhou.

depois de aprontar altas confusões e de ser capaz de nos fazer odiá-lo já nos primeiros cinco minutos de película, em duas horas e cacetada de filme, finalmente o ombudsman cai em si.

- é, acho que ele não tem caráter mesmo…

e quando acabou, foi um alívio saber que leonor também não gostou. e saímos rindo pro bar, que era o que a gente devia ter feito de cara, pra marcar esse reencontro sensacional.

- deve ser minha culpa, sou vítima de sessões de cinema bizarras, ela soltou.

cinema com leonor, meus caros, não é só isso. nunca será.

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Juliana Damasceno
judamasceno

jornalista. psicóloga em processo de downloading. baixista em eterna formação.