cabeça de peixe.

- pegou o frango? é uma delicia, né? – disse o geraldo, que faz bico no estacionamento da rotisseria.

“não, fui de filé à milanesa, é bom também”, respondi. e aí ele me pegou de surpresa.

- como peito não. prefiro coxa.

vendo a minha cara de reprovação, completou.

- quando você vive quase 30 anos na estrada, não pode escolher muito o que comer. adoro cabeça de peixe ensopadinha, até hoje.

o geraldo saiu do RN há 26 anos pra fazer uma entrega e nunca mais voltou pra sua terra. casou aqui, teve uma filha, separou-se, tá namorando escondido a cunhada – irmã da mulher, viúva – que sempre foi a paixão dele de verdade. e foi morar no emprego pra deixar a casa pra ex-esposa e filha.

quando eu pergunto se não é ruim dormir ali, se está feliz com isso, ele mandou na lata.

- meu amor, nunca estive tão feliz. mandei trazer um aparelho de som dos EUA pra minha namorada, a gente só ouve música romântica (sic) juntos. que que eu quero mais da vida?

senti uma ligeira vergonha da compra que eu acabara de fazer. senti também da mulher que estava a meu lado no salão, meia hora antes, estacionando sua SUV e pagando 35 reais pra fazer as unhas “de verde e amarelo, pra protestar amanhã”, como fez questão de frisar, bem alto.

aliás, saí rindo do estacionamento, desejando um bom fim de semana pro geraldo e pensando como o mundo é terrivelmente injusto e não fez, por um dia que fosse, essas duas figuras se encontrarem por aí.